É claro que Sócrates sabia muito mais do que isso, mas o que ele queria dizer era que, contrariamente aos chamados sábios, ele procurava se definir em termos dos limites do seu conhecimento e não em termos da quantidade de conhecimentos adquiridos. Sócrates acreditava que a primeira atitude em direção ao conhecimento não era a certeza, mas a ignorância. Nesse contexto, a palavra ‘ignorância’ não está sendo usada no sentido pejorativo, mas sim no sentido de ‘ausência de saber’, ou ‘ausência de conhecimento’. O filósofo não é, então, nem o sábio nem o ignorante. Ele é, na verdade, aquele que busca a sabedoria, ou que procura ser amigo da sabedoria. Ele não é também o homem das respostas, mas das perguntas. Diante, por exemplo, do problema acerca da atitude justa ou não de um governante, o filósofo deve destacar que o que está em jogo é antes de tudo o conceito de justiça; somente a partir de uma idéia clara desse conceito é que se pode caracterizar a atitude do governante como justa ou não. É nesse sentido que o filósofo se diz estar preocupado não tanto com a concretização da sua idéia mas com a idéia em si, isto é, não com o ato específico do governante mas com a definição clara de justiça. Dessa forma, a maneira mais adequada que encontro de analisar a frase de Marx é reconhecer que, de um lado, Marx não poderia estar dizendo que devemos simplesmente parar de interpretar e apenas transformar, pois a transformação requer interpretação; de outro lado, a interpretação sem transformação é inútil, isto é, a interpretação em termos da atitude reflexiva do filósofo deve ser sempre em última instância uma interpretação com vistas à transformação do mundo. Dito de outro modo, a filosofia deve sempre falar do mundo, desse mundo diante dos nossos olhos e que tem um passado, um presente e um futuro dos quais podemos ter experiência, tentando modificá-la e melhorá-la. Embora à primeira vista não pareça, a frase de Marx é importante para uma defesa da atividade filosófica. Ela permite-nos corrigir o homem comum, mostrando-lhe o caráter enganador da idéia de que o filósofo está "do lado de fora" do mundo. Marx está se referindo a um determinado tipo de filósofo, ou a um determinado tipo de filosofia: aquele que em nada contribui para o desenvolvimento da humanidade, que é hermético, arrogante e auto-suficiente. Esse tipo de filosofia, realmente, não é interessante. Ele se reduz a um mero exercício de diletantismo. Outro ponto importante aqui consiste em refletir sobre o que significa transformar. Creio que não se pode exigir que o filósofo transforme o mundo, tal como o ferreiro ou o carpinteiro o fazem. O instrumental do filósofo são os conceitos; portanto, a transformação esperada deve incidir sobre o universo conceitual diretamente, e apenas indiretamente sobre a realidade concreta. Em outras palavras, o filósofo não é aquele que necessariamente sai às ruas pondo em prática as suas teorias. Ele é, essencialmente, um teórico inserido no mundo, e mesmo o problema da transformação da realidade é por ele tratado apenas teoricamente. Isso não quer dizer que ele esteja proibido de agir praticamente. Não há por que reprovar Sartre por ter aderido às passeatas estudantis no final da década de sessenta em Paris. O ponto, porém, é que, mesmo se ele não tivesse feito isso, ele continuaria a ser considerado um filósofo. Do mesmo modo, Platão continua sendo considerado filósofo a despeito de jamais ter sido rei, embora defendesse a idéia de que o filósofo deveria ser rei e que o rei deveria ser filósofo. Vários pensadores adotaram uma postura destrutiva com relação à filosofia, ou pelo menos com relação ao que eles concebiam como sendo filosofia. Um exemplo a ser citado é o de Sexto Empírico. Para ele, a atividade filosófica é essencialmente teórica e contemplativa. Vista desse modo, a filosofia parece nada mais do que uma atividade destacada da realidade, quer dizer, destacada da vida e da prática comuns. O filósofo é um dogmático, quer dizer, uma pessoa que fica formulando dogmas ou, na linguagem de Sexto Empírico, formulando proposições e provas acerca do não-evidente ou daquilo que não pode ser verificado na experiência, daquilo que de algum modo se coloca para além do dado que aparece através dos nossos sentidos. O dogmático procura estabelecer o conhecimento do não-evidente. Esse conhecimento se baseia num conjunto de regras e princípios supostamente não-controversos, por meio dos quais é possível elaborar argumentos irrefutáveis. É esse conjunto de proposições que é chamado de teoria ou doutrina.O cético descrito por Sexto Empírico surge como um opositor no debate com o dogmático, recusando-se a admitir a verdade das pretensões teóricas e doutrinais sobre o não-evidente. Ele tenta então substituir essas pretensões por um mero reconhecimento da nossa habilidade de viver e de explorar o mundo das coisas que aparecem. O procedimento do cético exibe vários momentos. Primeiro, ele observa as posições filosóficas conflitantes sobre todo o tipo de assunto (diafonia). Isso o leva a desenvolver a habilidade de produzir um contra-argumento a todo argumento com o qual ele se depara, de tal modo que tanto um quanto o outro acabam por possuir a mesma força persuasiva (isostenia). Depois de um certo tempo, ele acaba por duvidar de que seja realmente possível produzir uma explicação ou uma solução definitiva para os problemas filosóficos em geral (apatia). Em conseqüência disso, ele propõe que se suspenda o juízo com respeito às pretensões dogmáticas. Essa atitude o leva a atingir a desejada paz mental, ou o conforto da alma (ataraxia). Isso posto, ele se restringe a descrever como um cronista aquilo que se lhe aparece, manifestando sempre a sua desconfiança com relação a compromissos teóricos (cf. Williams 1988, pg. 560) Esse é um procedimento bem próximo daquele que o homem comum adota diante da filosofia ou da atividade reflexiva em geral. Explicações abstratas não nos levam mesmo a lugar algum, de modo que a melhor coisa a fazer é suspender o juízo sobre elas, mudar de idéia, pensar em outras coisas, ou simplesmente viver sem se apegar a abstrações. Mas será que é assim tão fácil se livrar das abstrações? Será que é assim tão simples olhar por outro lado e ‘deixar par lá’, por exemplo, quando a gente se dá conta de que a gente está abstraindo ou especulando?Hume levanta essa possibilidade, mas se opõe a ela. Na celebrada conclusão do livro primeiro do Tratado da Natureza Humana, ele diz que especulações filosóficas profundas, atividades reflexivas muito abstratas, só o levam ao desconforto. Nenhuma solução aos problemas é encontrada, e parece realmente que o mundo fica ‘tal e qual’. Nada muda quando a gente reflete, ou quando a gente filosofa dessa forma. Ele então decide simplesmente viver, passear ao longo do rio, jogar gamão com seus amigos e deixar de lado as elucubrações. Ele está preparado para engavetar os livros de metafísica escolástica, ou jogá-los ao fogo. No entanto, as inquietações especulativas parecem voltar à sua mente sem que ele possa impedir. Depois de um certo tempo ‘refrescando’ a mente com as frivolidades da vida, ele começa a querer saber quais os motivos que o levam a gostar de certas coisas e não de outras, a repudiar algumas coisas e não outras, a considerar certas ações como boas e outras como más, a julgar que certas afirmações são verdadeiras e outras falsas. Melhor dizendo, ele retorna ao universo da abstração, dos princípios e das regras que sustentamos muitas vezes sem sermos conscientes delas. Isso quer dizer que ele retorna ao universo da atividade filosófica naturalmente. É por isso que Hume é chamado por muitos de seu comentadores de naturalista. A filosofia é, para ele, algo que está instalado em nós, que faz parte da nossa condição humana. A natureza, ele diz, força-nos a refletir, a julgar, do mesmo modo que nos força a respirar e a sentir (Tratado da Natureza Humana, pg. 265 ff).Não há dúvida de que o homem comum possa passar a vida inteira sem se preocupar com os problemas que rondam os filósofos. Mas ele, conscientemente ou não, está se valendo de ‘motivos’ para tomar as tantas decisões que a vida o obriga a tomar. Se olharmos mais de perto, veremos que esses motivos estão calcados em princípios ou regras morais, ou em informações às vezes genuínas (ou verdadeiras), às vezes equivocadas (falsas). Quer dizer, o homem comum não pára de refletir, de especular. A reflexão, quer ele se dê conta disso ou não, faz parte de sua vida do mesmo modo que faz parte da vida dos intelectuais, sejam eles cientistas ou filósofos.Mas a filosofia é mais do que refletir. Ela é refletir sobre o refletir. A filosofia surge quando a própria capacidade de refletir é posta em questão, quer dizer, refletimos sobre o refletir, quando queremos saber como adquirimos conhecimentos, ou se sabemos realmente aquilo que supomos saber. Por isso que, para Sócrates, o ponto de partida do filosofar é o reconhecimento da própria ignorância. A afirmação ‘só sei que nada sei’ só pode ser feita por alguém que já exerceu uma auto-crítica, que já se debruçou sobre as bases de seus conhecimentos e os avaliou de modo adequado. Muitas vezes, quando fazemos isso honestamente, quer dizer, quando olhamos para dentro de nós mesmos e pesquisamos as razões daquilo que defendemos às vezes tão teimosamente, nada encontramos, e aí ficamos espantados, perturbados, incomodados. Platão chamava esse estado de espírito de thaumazéin, isto é, o espanto da própria ignorância. Esse é o motor do filosofar. É o que nos leva a tentar preencher o vazio, a ausência do saber, a ignorância. Para esclarecer esse ponto, é oportuno comparar a filosofia com a ciência. A atividade do cientista é marcadamente empírica. Ele tenta entender o mundo como ele é dado em sua experiência e, a partir daí, ele procura predizer e explicar os eventos. O cientista via de regra pergunta: "O que causou isso? " Ao tentar responder a essa pergunta, ele recorre a outros eventos que requerem eles mesmos mais explicações. Quando ele se vê às voltas com uma seqüência de eventos interligados, ele pode perguntar: "O que causou a existência das séries? ", ou ainda, "por que esta série e não outra? " Estas perguntas, porém, levam-no para além dos limites da atividade científica, tendo em vista que uma série como essa não é dada na experiência. Esse território, às vezes considerado como obscuro, é a filosofia. Certas questões levam-nos a níveis de abstração que nenhuma investigação empírica pode proporcionar. Elas surgem, pode-se dizer, no final de todas as outras pesquisas, "quando problemas relativos aos fundamentos dos saberes particulares, como a Física, a Matemática, a Geometria, etc., são detectados ou seus métodos de investigação passam a ser questionados. Assim sendo, os problemas filosóficos e os sistemas destinados a resolvê-los são formulados em termos que tendem a se referir aos domínios da possibilidade e da necessidade e não aos da realidade, ou seja, ao que poderia e ao que deveria ser e não ao que é" (Scruton 1981, pg. 12 ff.) Isso quer dizer que nem toda pesquisa fronteiriça aos saberes especiais é filosófica. Quando se tenta resolver problemas filosóficos sem se questionar a validade dos procedimentos adotados, incentiva-se o dogmatismo e a superstição. Por exemplo, no caso da existência da série de eventos, se pressupusermos que Deus é a causa primeira e também a meta final de todas as coisas, acabamos recorrendo a um artigo de fé e não a um saber racional. Essa afirmação tem o mérito de produzir uma dada resposta a quebra-cabeças metafísicos, mas ela possui uma grande desvantagem, que é a de se basear numa suposição que não pode ser colocada em dúvida, e que é por isso mesmo dogmática. Daí não se segue que o filósofo deva necessariamente ser um ateu. Muitos filósofos do passado (e mesmo vários do presente) acreditam em Deus e pertencem a diferentes religiões. Mas quando eles decidem discutir a existência ou não de Deus, eles sabem que não podem simplesmente postulá-la sem maiores problemas. Eles sabem que toda discussão é uma disputa, uma busca da melhor explicação ou da solução de um certo problema. Decidir discutir significa submeter-se ao tribunal final da razão, que não aceita a mera crença incontestável como base de argumentação (cf. Scruton 1981, pg. 14).Tal problemática remete-nos à relação da filosofia com a religião. Sem dúvida que há semelhanças entre o filósofo e o religioso. Ambos procuram refletir sobre questões abstratas, ambos procuram explicações gerais, ambos procuram um princípio ou um conjunto de princípios fundamentais a partir dos quais podemos responder às questões mais importantes que nos afligem. mas há pelo menos uma diferença essencial entre os dois: o religioso encontra o seu princípio fundamental em algo que, em última instância, requer uma crença não justificável em um Ser Superior que explica tudo. O filósofo, por seu turno, procura a verdade ou aquilo que pode ser estabelecido através de bases racionais.IIsso nos conduz a uma outra característica importante da atividade filosófica, a saber, a preocupação com a verdade. As questões filosóficas podem muito bem ficar sem respostas, ou podem mesmo propiciar polêmicas intermináveis (como geralmente ocorre). Mas elas são questões de qualquer modo e requerem, por isso mesmo, uma avaliação das razões sugeridas e propostas para que possamos caracterizá-las como verdadeiras ou falsas. Afinal, a filosofia não pode ser um mero aglomerado de proposições retóricas, sem qualquer pretensão de estabelecer princípios sólidos. Ela pode ser definida como uma atividade a partir da qual se estudam métodos e metas das nossas formas diferenciadas de reflexão, a fim de que possamos chegar a conclusões sobre os seus limites e a sua validade. A pesquisa filosófica se dá de uma maneira racional, quer dizer, sem qualquer remissão à fé, visando o estabelecimento de respostas convincentes a questões as mais diversas que fogem ao âmbito das ciências particulares mas que são comumente trazidas à luz por elas. Muito bem. Já disse que a filosofia tem por função, entre outras coisas, refletir sobre o refletir. Através do filosofar, podemos saber mais sobre a nossa capacidade reflexiva. Por quê? Porque, em assim o fazendo podemos exercer o poder de reflexão mais amplamente, mais efetivamente e com mais precisão. Mas por que é tão importante exercer a capacidade reflexiva? A resposta é simples, mas essencial. Sem refletir, não poder;iamos ser livres. Agir sem refletir significa não ser dono das próprias ações, ou ser movido por causas outras que não a nossa própria razão. Essa é a diferença entre nós e os robôs. Eles não possuem poder de reflexão e por isso mesmo eles não podem escolher por si mesmos o curso de ação que irão adotar. Do mesmo modo, quando adotamos um certo curso de ação ‘sem refletir’, mecanicamente, a gente se assemelha a um autômato, ou a um robô nas mãos do primeiro que passa.É neste momento que fica claro o porquê do filosofar. A ponte entre a filosofia e as outras áreas não é imediata. Mas ela existe. Quando digo que sem refletir seríamos apenas autômatos, eu quero dizer que a atividade reflexiva é condição de possibilidade das decisões livres. Se assim é, então filosofia tem a ver com liberdade. Explico melhor: se a atividade reflexiva leva-nos a ser livres, e se a filosofia permite-nos usar essa capacidade reflexiva com cada vez mais profundidade, então a filosofia pode ser vista como uma ferramenta essencial para a nossa liberdade, levando-nos a pensar mais claramente e, em conseqüência disso, a usar a capacidade de escolha em sua plenitude. O exercício da filosofia é a expressão mais profunda e plena da nossa liberdade. É a liberdade do pensar, do refletir, que nos leva a agir livremente. O exercício da liberdade pressupõe que reflitamos sobre as nossas vidas, as nossas ações, as pessoas que nos rodeiam, o país em que vivemos, as regras da comunidade a qual pertencemos, e as informações (verdadeiros ou falsas) que obtemos, etc.Esse é um resultado fundamental. Se surgir então a pergunta sobre o porquê de se estudar filosofia, independente dos interesses intelectuais de cada um, essa é uma resposta possível. Além disso, a relação entre filosofia e liberdade permite que a gente responda àqueles que dizem que o filósofo em nada contribui para o desenvolvimento da humanidade ou para a mudança (para melhor) da realidade. Se procurarmos mudar a realidade sem liberdade, na verdade estaremos mudando algo não segundo a nossa vontade, mas segundo a vontade dos outros.Uma outra lição que se pode tirar da relação entre filosofia e liberdade é que ela nos ajuda a compreender o porquê da insatisfação constante do filósofo, aquela que Hume sente e que o leva a passear ao longo do rio e a jogar gamão com os seus amigos. A insatisfação origina-se do fato de que a atividade filosófica, assim como a atividade teórica em geral, não parece ter um ponto final. Mas isso é exatamente o que a torna tão essencial à liberdade. O trabalho filosófico em particular e o teórico em geral não têm fim. Conceber um fim à atividade reflexiva é, de um certo modo, conceber o fim do exercício da liberdade. A gente só pára de refletir sobre os princípios que atuam como premissas de argumentos quando a gente se rende à superstição, à religião ou ao totalitarismo. Finalmente, pode-se dizer que a atividade reflexiva é auto-referente. Isso quer dizer que, mesmo para combatê-la, a gente tem que adotá-la. Esse é o erro de Sexto Empírico e de outros céticos que suspeitavam da atividade especulativa. Eles só podem combater a especulação de modo persuasivo se eles adotarem um procedimento especulativo. Eles só podem condenar uma teoria adotando outra. O que resta então é adotar uma teoria que resista a ataques, e que explique pelo menos alguns dos problemas que nos afligem. Mas como descobrir essa teoria, que não é mágica, como queriam os dogmáticos, mas que inevitavelmente se encontra na atividade intelectual, como negavam os céticos? No caso da filosofia, a gente tem que filosofar mesmo para negar a filosofia, como uma vez disse Aristóteles. A gente tem que ser filósofo mesmo se a gente desejar jogar fora a filosofia. Essa visão caricatural da filosofia não se restringe ao senso comum. Guimarães Rosa certa vez definiu o filósofo como "aquele que se encontra num quarto escuro, à procura de um gato preto que não está lá. E ele o encontra..." Fernando Pessoa, em seu famoso poema ‘Tabacaria’, escreve que "a metafísica... é uma conseqüência de se estar mal disposto..." Mas será que é assim mesmo, quer dizer, será que é tão simples descartar a filosofia como uma atividade intelectual inútil? Para obtermos uma resposta satisfatória, é necessário que especifiquemos o ofício do filósofo. Qual é a natureza do trabalho filosófico?A leitura dos filósofos sugere que a primeira característica distintiva do filósofo é a de lidar com idéias ou conceitos e não com objetos palpáveis, como o lavrador e o ferreiro. É claro que estes últimos não dispensam (e não podem dispensar) o uso de idéias, o ferreiro recorrendo sempre à idéia ou ao modelo do martelo a ser construído e o lavrador à idéia do solo e da época de plantio. O filósofo, porém, lida com idéias que não são sempre traduzíveis em coisas concretas, tais como o conceito de ‘verdade’ ou de ‘bem’. Além disso, contrariamente ao psicólogo e ao sociólogo, por exemplo, o filósofo não está preocupado em colocar em prática as suas idéias. Isso não quer dizer que ele se recuse a fazê-lo; ele simplesmente não considera a concretização de suas idéias como fundamental para a sua atividade. Como diz Platão: "o filósofo permanece totalmente alheio ao seu vizinho mais próximo; ele é ignorante..., ele mal sabe se é um homem ou um animal; ele está investigando a essência do homem". Embora ele prefira o convívio das cidades, "sua mente, desdenhando da irrelevância e da nulidade das coisas humanas, está sobrevoando o estrangeiro" (Teeteto, pgs. 25-6).O que há de peculiar em sua prática com conceitos, isto é, em sua prática teórica, é que ele está sempre buscando o fundamento ou a raiz dos problemas e das doutrinas analisadas. Para ilustrar esse ponto, creio ser necessário recorrer a Sócrates. Perguntado pelos chamados sábios acerca do que ele conhecia, Sócrates respondeu: "A única coisa de certa que sei é que nada sei". É claro que Sócrates sabia muito mais do que isso, mas o que ele queria dizer era que, contrariamente aos chamados sábios, ele procurava se definir em termos dos limites do seu conhecimento e não em termos da quantidade de conhecimentos adquiridos. Sócrates acreditava que a primeira atitude em direção ao conhecimento não era a certeza, mas a ignorância. Nesse contexto, a palavra ‘ignorância’ não está sendo usada no sentido pejorativo, mas sim no sentido de ‘ausência de saber’, ou ‘ausência de conhecimento’. O filósofo não é, então, nem o sábio nem o ignorante. Ele é, na verdade, aquele que busca a sabedoria, ou que procura ser amigo da sabedoria. Ele não é também o homem das respostas, mas das perguntas. Diante, por exemplo, do problema acerca da atitude justa ou não de um governante, o filósofo deve destacar que o que está em jogo é antes de tudo o conceito de justiça; somente a partir de uma idéia clara desse conceito é que se pode caracterizar a atitude do governante como justa ou não. É nesse sentido que o filósofo se diz estar preocupado não tanto com a concretização da sua idéia mas com a idéia em si, isto é, não com o ato específico do governante mas com a definição clara de justiça.Outro ponto importante aqui consiste em refletir sobre o que significa transformar. Creio que não se pode exigir que o filósofo transforme o mundo, tal como o ferreiro ou o carpinteiro o fazem. O instrumental do filósofo são os conceitos; portanto, a transformação esperada deve incidir sobre o universo conceitual diretamente, e apenas indiretamente sobre a realidade concreta. Em outras palavras, o filósofo não é aquele que necessariamente sai às ruas pondo em prática as suas teorias. Ele é, essencialmente, um teórico inserido no mundo, e mesmo o problema da transformação da realidade é por ele tratado apenas teoricamente. Isso não quer dizer que ele esteja proibido de agir praticamente. Não há por que reprovar Sartre por ter aderido às passeatas estudantis no final da década de sessenta em Paris. O ponto, porém, é que, mesmo se ele não tivesse feito isso, ele continuaria a ser considerado um filósofo. Do mesmo modo, Platão continua sendo considerado filósofo a despeito de jamais ter sido rei, embora defendesse a idéia de que o filósofo deveria ser rei e que o rei deveria ser filósofo. Vários pensadores adotaram uma postura destrutiva com relação à filosofia, ou pelo menos com relação ao que eles concebiam como sendo filosofia. Um exemplo a ser citado é o de Sexto Empírico. Para ele, a atividade filosófica é essencialmente teórica e contemplativa. Vista desse modo, a filosofia parece nada mais do que uma atividade destacada da realidade, quer dizer, destacada da vida e da prática comuns. O filósofo é um dogmático, quer dizer, uma pessoa que fica formulando dogmas ou, na linguagem de Sexto Empírico, formulando proposições e provas acerca do não-evidente ou daquilo que não pode ser verificado na experiência, daquilo que de algum modo se coloca para além do dado que aparece através dos nossos sentidos. O dogmático procura estabelecer o conhecimento do não-evidente. Esse conhecimento se baseia num conjunto de regras e princípios supostamente não-controversos, por meio dos quais é possível elaborar argumentos irrefutáveis. É esse conjunto de proposições que é chamado de teoria ou doutrina.O cético descrito por Sexto Empírico surge como um opositor no debate com o dogmático, recusando-se a admitir a verdade das pretensões teóricas e doutrinais sobre o não-evidente. Ele tenta então substituir essas pretensões por um mero reconhecimento da nossa habilidade de viver e de explorar o mundo das coisas que aparecem. O procedimento do cético exibe vários momentos. Primeiro, ele observa as posições filosóficas conflitantes sobre todo o tipo de assunto (diafonia). Isso o leva a desenvolver a habilidade de produzir um contra-argumento a todo argumento com o qual ele se depara, de tal modo que tanto um quanto o outro acabam por possuir a mesma força persuasiva (isostenia). Depois de um certo tempo, ele acaba por duvidar de que seja realmente possível produzir uma explicação ou uma solução definitiva para os problemas filosóficos em geral (apatia). Em conseqüência disso, ele propõe que se suspenda o juízo com respeito às pretensões dogmáticas. Essa atitude o leva a atingir a desejada paz mental, ou o conforto da alma (ataraxia). Isso posto, ele se restringe a descrever como um cronista aquilo que se lhe aparece, manifestando sempre a sua desconfiança com relação a compromissos teóricos (cf. Williams 1988, pg. 560)Esse é um procedimento bem próximo daquele que o homem comum adota diante da filosofia ou da atividade reflexiva em geral. Explicações abstratas não nos levam mesmo a lugar algum, de modo que a melhor coisa a fazer é suspender o juízo sobre elas, mudar de idéia, pensar em outras coisas, ou simplesmente viver sem se apegar a abstrações. Mas será que é assim tão fácil se livrar das abstrações? Será que é assim tão simples olhar por outro lado e ‘deixar par lá’, por exemplo, quando a gente se dá conta de que a gente está abstraindo ou especulando?Não há dúvida de que o homem comum possa passar a vida inteira sem se preocupar com os problemas que rondam os filósofos. Mas ele, conscientemente ou não, está se valendo de ‘motivos’ para tomar as tantas decisões que a vida o obriga a tomar. Se olharmos mais de perto, veremos que esses motivos estão calcados em princípios ou regras morais, ou em informações às vezes genuínas (ou verdadeiras), às vezes equivocadas (falsas). Quer dizer, o homem comum não pára de refletir, de especular. A reflexão, quer ele se dê conta disso ou não, faz parte de sua vida do mesmo modo que faz parte da vida dos intelectuais, sejam eles cientistas ou filósofos.Mas a filosofia é mais do que refletir. Ela é refletir sobre o refletir. A filosofia surge quando a própria capacidade de refletir é posta em questão, quer dizer, refletimos sobre o refletir, quando queremos saber como adquirimos conhecimentos, ou se sabemos realmente aquilo que supomos saber. Por isso que, para Sócrates, o ponto de partida do filosofar é o reconhecimento da própria ignorância. A afirmação ‘só sei que nada sei’ só pode ser feita por alguém que já exerceu uma auto-crítica, que já se debruçou sobre as bases de seus conhecimentos e os avaliou de modo adequado. Muitas vezes, quando fazemos isso honestamente, quer dizer, quando olhamos para dentro de nós mesmos e pesquisamos as razões daquilo que defendemos às vezes tão teimosamente, nada encontramos, e aí ficamos espantados, perturbados, incomodados. Platão chamava esse estado de espírito de thaumazéin, isto é, o espanto da própria ignorância. Esse é o motor do filosofar. É o que nos leva a tentar preencher o vazio, a ausência do saber, a ignorância.Para esclarecer esse ponto, é oportuno comparar a filosofia com a ciência. A atividade do cientista é marcadamente empírica. Ele tenta entender o mundo como ele é dado em sua experiência e, a partir daí, ele procura predizer e explicar os eventos. O cientista via de regra pergunta: "O que causou isso? " Ao tentar responder a essa pergunta, ele recorre a outros eventos que requerem eles mesmos mais explicações. Quando ele se vê às voltas com uma seqüência de eventos interligados, ele pode perguntar: "O que causou a existência das séries? ", ou ainda, "por que esta série e não outra? " Estas perguntas, porém, levam-no para além dos limites da atividade científica, tendo em vista que uma série como essa não é dada na experiência. Esse território, às vezes considerado como obscuro, é a filosofia. Certas questões levam-nos a níveis de abstração que nenhuma investigação empírica pode proporcionar. Elas surgem, pode-se dizer, no final de todas as outras pesquisas, "quando problemas relativos aos fundamentos dos saberes particulares, como a Física, a Matemática, a Geometria, etc., são detectados ou seus métodos de investigação passam a ser questionados. Assim sendo, os problemas filosóficos e os sistemas destinados a resolvê-los são formulados em termos que tendem a se referir aos domínios da possibilidade e da necessidade e não aos da realidade, ou seja, ao que poderia e ao que deveria ser e não ao que é" (Scruton 1981, pg. 12 ff.)Isso quer dizer que nem toda pesquisa fronteiriça aos saberes especiais é filosófica. Quando se tenta resolver problemas filosóficos sem se questionar a validade dos procedimentos adotados, incentiva-se o dogmatismo e a superstição. Por exemplo, no caso da existência da série de eventos, se pressupusermos que Deus é a causa primeira e também a meta final de todas as coisas, acabamos recorrendo a um artigo de fé e não a um saber racional. Essa afirmação tem o mérito de produzir uma dada resposta a quebra-cabeças metafísicos, mas ela possui uma grande desvantagem, que é a de se basear numa suposição que não pode ser colocada em dúvida, e que é por isso mesmo dogmática. Daí não se segue que o filósofo deva necessariamente ser um ateu. Muitos filósofos do passado (e mesmo vários do presente) acreditam em Deus e pertencem a diferentes religiões. Mas quando eles decidem discutir a existência ou não de Deus, eles sabem que não podem simplesmente postulá-la sem maiores problemas. Eles sabem que toda discussão é uma disputa, uma busca da melhor explicação ou da solução de um certo problema. Decidir discutir significa submeter-se ao tribunal final da razão, que não aceita a mera crença incontestável como base de argumentação (cf. Scruton 1981, pg. 14).Tal problemática remete-nos à relação da filosofia com a religião. Sem dúvida que há semelhanças entre o filósofo e o religioso. Ambos procuram refletir sobre questões abstratas, ambos procuram explicações gerais, ambos procuram um princípio ou um conjunto de princípios fundamentais a partir dos quais podemos responder às questões mais importantes que nos afligem. mas há pelo menos uma diferença essencial entre os dois: o religioso encontra o seu princípio fundamental em algo que, em última instância, requer uma crença não justificável em um Ser Superior que explica tudo. O filósofo, por seu turno, procura a verdade ou aquilo que pode ser estabelecido através de bases racionais.IIsso nos conduz a uma outra característica importante da atividade filosófica, a saber, a preocupação com a verdade. As questões filosóficas podem muito bem ficar sem respostas, ou podem mesmo propiciar polêmicas intermináveis (como geralmente ocorre). Mas elas são questões de qualquer modo e requerem, por isso mesmo, uma avaliação das razões sugeridas e propostas para que possamos caracterizá-las como verdadeiras ou falsas. Afinal, a filosofia não pode ser um mero aglomerado de proposições retóricas, sem qualquer pretensão de estabelecer princípios sólidos. Ela pode ser definida como uma atividade a partir da qual se estudam métodos e metas das nossas formas diferenciadas de reflexão, a fim de que possamos chegar a conclusões sobre os seus limites e a sua validade. A pesquisa filosófica se dá de uma maneira racional, quer dizer, sem qualquer remissão à fé, visando o estabelecimento de respostas convincentes a questões as mais diversas que fogem ao âmbito das ciências particulares mas que são comumente trazidas à luz por elas. Muito bem. Já disse que a filosofia tem por função, entre outras coisas, refletir sobre o refletir. Através do filosofar, podemos saber mais sobre a nossa capacidade reflexiva. Por quê? Porque, em assim o fazendo podemos exercer o poder de reflexão mais amplamente, mais efetivamente e com mais precisão. Mas por que é tão importante exercer a capacidade reflexiva? A resposta é simples, mas essencial. Sem refletir, não poder;iamos ser livres. Agir sem refletir significa não ser dono das próprias ações, ou ser movido por causas outras que não a nossa própria razão. Essa é a diferença entre nós e os robôs. Eles não possuem poder de reflexão e por isso mesmo eles não podem escolher por si mesmos o curso de ação que irão adotar. Do mesmo modo, quando adotamos um certo curso de ação ‘sem refletir’, mecanicamente, a gente se assemelha a um autômato, ou a um robô nas mãos do primeiro que passa.É neste momento que fica claro o porquê do filosofar. A ponte entre a filosofia e as outras áreas não é imediata. Mas ela existe. Quando digo que sem refletir seríamos apenas autômatos, eu quero dizer que a atividade reflexiva é condição de possibilidade das decisões livres. Se assim é, então filosofia tem a ver com liberdade. Explico melhor: se a atividade reflexiva leva-nos a ser livres, e se a filosofia permite-nos usar essa capacidade reflexiva com cada vez mais profundidade, então a filosofia pode ser vista como uma ferramenta essencial para a nossa liberdade, levando-nos a pensar mais claramente e, em conseqüência disso, a usar a capacidade de escolha em sua plenitude. O exercício da filosofia é a expressão mais profunda e plena da nossa liberdade. É a liberdade do pensar, do refletir, que nos leva a agir livremente. O exercício da liberdade pressupõe que reflitamos sobre as nossas vidas, as nossas ações, as pessoas que nos rodeiam, o país em que vivemos, as regras da comunidade a qual pertencemos, e as informações (verdadeiros ou falsas) que obtemos, etc.Esse é um resultado fundamental. Se surgir então a pergunta sobre o porquê de se estudar filosofia, independente dos interesses intelectuais de cada um, essa é uma resposta possível. Além disso, a relação entre filosofia e liberdade permite que a gente responda àqueles que dizem que o filósofo em nada contribui para o desenvolvimento da humanidade ou para a mudança (para melhor) da realidade. Se procurarmos mudar a realidade sem liberdade, na verdade estaremos mudando algo não segundo a nossa vontade, mas segundo a vontade dos outros.Uma outra lição que se pode tirar da relação entre filosofia e liberdade é que ela nos ajuda a compreender o porquê da insatisfação constante do filósofo, aquela que Hume sente e que o leva a passear ao longo do rio e a jogar gamão com os seus amigos. A insatisfação origina-se do fato de que a atividade filosófica, assim como a atividade teórica em geral, não parece ter um ponto final. Mas isso é exatamente o que a torna tão essencial à liberdade. O trabalho filosófico em particular e o teórico em geral não têm fim. Conceber um fim à atividade reflexiva é, de um certo modo, conceber o fim do exercício da liberdade. A gente só pára de refletir sobre os princípios que atuam como premissas de argumentos quando a gente se rende à superstição, à religião ou ao totalitarismo.Finalmente, pode-se dizer que a atividade reflexiva é auto-referente. Isso quer dizer que, mesmo para combatê-la, a gente tem que adotá-la. Esse é o erro de Sexto Empírico e de outros céticos que suspeitavam da atividade especulativa. Eles só podem combater a especulação de modo persuasivo se eles adotarem um procedimento especulativo. Eles só podem condenar uma teoria adotando outra. O que resta então é adotar uma teoria que resista a ataques, e que explique pelo menos alguns dos problemas que nos afligem. Mas como descobrir essa teoria, que não é mágica, como queriam os dogmáticos, mas que inevitavelmente se encontra na atividade intelectual, como negavam os céticos? No caso da filosofia, a gente tem que filosofar mesmo para negar a filosofia, como uma vez disse Aristóteles. A gente tem que ser filósofo mesmo se a gente desejar jogar fora a filosofia.Os que se dedicam à crítica das ações humanas jamais se sentem tão embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora parece filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o Papa Bonifácio VII assumiu o papado como uma raposa, conduziu-se como um leão e morreu como um cão. E quem diria que Nero, essa verdadeira imagem da crueldade, como lhe apresentassem para ser assinada, de acordo com a lei, a sentença contra um criminoso, observou: – Prouvera a Deus que eu não soubesse escrever! – tanto lhe apertava o coração condenar um homem à morte. Há tantos exemplos semelhantes, e tão facilmente os encontrará sozinho quem quiser, que estranho ver por vezes gente de bom senso procurando juntar tais contradições, mesmo porque a irresolução me parece ser o vício mais comum e evidente de nossa natureza, como o atesta este verso de Públio, o satírico: “Má opinião, a de que não se pode mais mudar”. Comunidade criada para pessoas que curtem ultrapassar o limite de 30 caracteres dos títulos das comunidades, essa comunidade é uma tremenda falta de ter o que fazer, quando você ver as suas comunidades, vocês poderão ver o bloco gigantesco dessa comunidade no lado direito da sua tela, provavelmente vai criar uma barra de rolagens pra ver tudo o que está escrito aqui pois o código que eu consegui agora é ILIMITADO, ou seja, sem limites! dããããã!! O código esta aqui na comunidade, nao me mandem mais scraps por favor!!! Mas mudando de assunto, quem ta afim de ler Harry Potter??? axo que é muito grande, vo coloca um livro menor aqui nesse título, ou melhor, vou colocar o resumo do Dom Casmurro, pra quem precisar fazer algum trabalho escolar, etc!!! RESUMO: Vivendo no Engenho Novo, um subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, quase recluso em sua casa, construída segundo o molde da que fora a de sua infância, na Rua de Matacavalos, Bento de Albuquerque Santiago, com cerca de 54 anos e conhecido pela alcunha de Dom Casmurro por seu gosto pelo isolamento, decide escrever sua vida. Alternando a narração dos fatos passados com a reflexão sobre os mesmos, no presente, o protagonista/narrador informa ter nascido em 1842 e ser filho de Pedro de Albuquerque Santiago e de D. Maria da Glória Fernandes Santiago. O pai, dono de uma fazendola em ltaguaí, mudara-se para a cidade do Rio de Janeiro por volta de 1844, ao ser eleito deputado. Alguns anos depois falece e a viúva, preferindo ficar na cidade a retornar a ltaguaí, vende a fazendola e os escravos, aplica seu dinheiro em imóveis e apólices e passa a viver de rendas, permanecendo na casa de Matacavalos, onde vivera com o marido desde a mudança para o Rio de Janeiro. A vida do protagonista/narrador transcorre sem maiores incidentes até a "célebre tarde de novembro" de 1857, quando, ao entrar em casa, ouve pronunciarem seu nome e esconde-se rapidamente atrás da porta. Na conversa entre sua mãe e o agregado José Dias, que morava com a família desde os tempos de ltaguaí, Bentinho, como era então chamado, fica sabendo que sua mãe se mantém firme na intenção de colocá-lo no seminário a fim de seguir a carreira eclesiástica, segundo promessa que fizera a Deus caso tivesse um segundo filho varão, já que o primeiro morrera ao nascer. Bentinho, que há muito tinha conhecimento das intenções de sua mãe, sofre violento abalo, pois fica sabendo que a reativação da promessa, que parecia esquecida, devia-se ao fato de José Dias ter informado D. Glória a respeito de seu incipiente namoro com Capitolina Pádua, que morava na casa ao lado. Capitu, como era chamada, tinha então catorze anos e era filha de um tal de Pádua, burocrata de uma repartição do Ministério da Guerra. A proximidade, a convivência e a idade haviam feito com que os dois adolescentes criassem afeição um pelo outro. D. Glória, ao saber disto, fica alarmada e decide apressar o cumprimento da promessa. Os planos de Capitu, informada do assunto, e Bentinho para, com a ajuda de José Dias, impedir que D. Glória cumprisse a decisão ou que, pelo menos, a adiasse, fracassam. Como último recurso, o próprio Bentinho revela à mãe não ter vocação, o que também não a faz voltar atrás. Tio Cosme, um viúvo, irmão de D. Glória e advogado aposentado que vivia na casa desde que seu cunhado falecera, e a prima Justina, também viúva, que, há muitos anos, morava com a mãe de Bentinho, procuram não se envolver no problema. Assim, a última palavra fica com D. Glória, que, com o apoio do padre Cabral, um amigo de Tio Cosme, decide finalmente cumprir a promessa e o envia ao seminário, prometendo, contudo, que se dentro de dois anos não revelasse vocação para o sacerdócio estaria livre para seguir outra carreira. Antes da partida de Bentinho, este e Capitu juram casar-se. No seminário, Bentinho conhece Ezequiel de Sousa Escobar, filho de um advogado de Curitiba. Os dois tornam-se amigos e confidentes. Em um fim de semana em que Bentinho visita D. Glória, Escobar o acompanha e é apresentado a todos, inclusive a Capitu. Esta, depois da partida de Bentinho, começara a freqüentar assiduamente a casa de D. Glória, do que nascera aos poucos grande afeição recíproca, a ponto de D. Glória começar a pensar que se Bentinho se apaixonasse por Capitu e casasse com ela a questão da promessa estaria resolvida a contento de todos, pois Bentinho, que a quebraria, não a fizera, e ela, que a fizera, não a quebraria. Enquanto isto, Bentinho continuava seus esforços junto a José Dias, que, tendo fracassado em seu plano de fazê-lo estudar medicina na Europa, sugeria agora que ambos fossem a Roma pedir ao Papa a revogação da promessa. A solução definitiva, contudo, partiu de Escobar. Segundo este, D. Glória prometera a Deus dar-lhe um sacerdote, mas isto não queria dizer que o mesmo deveria ser necessariamente seu filho. Sugeriu então que ela adotasse algum órfão e lhe custeasse os estudos. D. Glória consultou o padre Cabral, este foi consultar o bispo e a solução foi considerada satisfatória. Livre do problema, Bentinho deixa o seminário com cerca de 17 anos e vai a São Paulo estudar, tornando-se, cinco anos depois, o advogado Bento de Albuquerque Santiago. Por sua parte, Escobar, que também saíra do seminário, tornara-se um comerciante bem-sucedido, vindo a casar com Sancha, amiga e colega de escola de Capitu. Em 1865, Bento e Capitu finalmente casam, passando a morar no bairro da Glória. O escritório de advocacia progride e a felicidade do casal seria completa não fosse a demora em nascer um filho. Isto faz com que ambos sintam inveja de Escobar e Sancha, que tinham tido uma filha, batizada com o nome de Capitolina. Depois de alguns anos, nasce Ezequiel, assim chamado para retribuir a gentileza do casal de amigos, que dera à filha o nome da amiga de Sancha. Ezequiel revela-se muito cedo um criança inquieta e curiosa, tornando-se a alegria dos pais e servindo para estreitar ainda mais as relações de amizade entre os dois casais. A partir do momento em que Escobar e Sancha, que moravam em Andaraí, resolvem fixar residência no Flamengo, a convivência entre as duas famílias torna-se completa e os pais chegam a falar na possibilidade de Ezequiel e Capituzinha, como era chamada a pequena Capitolina, virem a se casar. Em 1871 Escobar, que gostava de nadar, morre afogado. No enterro, Capitu, que amparava Sancha, olha tão fixamente e com tal expressão para Escobar morto que Bento fica abalado e quase não consegue pronunciar o discurso fúnebre. A perturbação, contudo, desaparece rapidamente. Sancha retira-se em seguida para a casa dos parentes no Paraná, o escritório de Bento continua a progredir e a união entre o casal segue crescendo. Até o momento em que, cerca de um anos depois, advertido pela própria Capitu, Bento começa a perceber as semelhanças de Ezequiel com Escobar. À medida que o menino cresce, estas semelhanças aumentam a tal ponto que em Ezequiel parece ressurgir fisicamente o velho companheiro de seminário. As relações entre Bento e Capitu deterioram-se rapidamente. A solução de colocar Ezequiel num internato não se revela eficaz, já que Bento não suporta mais ver o filho, o qual, por sua vez, se apega a ele cada vez mais, tomando a situação ainda mais crítica. Num gesto extremo, Bento decide suicidar-se com veneno, colocado numa xícara de café. Interrompido pela chegada de Ezequiel, altera intempestivamente seu plano e decide dar o café envenenado ao filho mas, no último instante, recua e em seguida desabafa, dizendo a Ezequiel que não é seu pai. Neste momento Capitu entra na sala e quer saber o que está acontecendo. Bento repete que não é pai de Ezequiel e Capitu exige que diga por que pensa assim. Apesar de Bento não conseguir expor claramente suas idéias, Capitu diz saber que a origem de tudo é a casualidade da semelhança, argumentando em seguida que tudo de deve à vontade de Deus. Capitu retira-se e vai à missa com o filho. Bento desiste do suicídio. Durante a discussão fica decidido que a separação seria o melhor caminho. Para manter as aparências, o casal parte pouco depois rumo à Europa, acompanhado do filho. Bento retorna a seguir, sozinho. Trocam algumas cartas e Bento viaja outras vezes à Europa, sempre com o objetivo de manter as aparências, mas nunca mais chega a encontrar-se com Capitu. Tempos depois morrem D. Glória e José Dias. Bento retira-se para o Engenho Novo. Ali, certo dia, recebe a visita de Ezequiel de Albuquerque Santiago, que era então a imagem perfeita de seu velho colega de seminário. Capitu morrera e fora enterrada na Europa. Ezequiel permanece alguns meses no Rio e depois parte para uma viagem de estudos científicos no Oriente Médio, já que era apaixonado pela arqueologia. Onze meses depois morre de febre tifóide em Jerusalém e é ali enterrado. O adultério de Capitu não está bem esclarecido para o leitor, já que o próprio narrador-personagem, no decorrer da história, apresenta uma série de indícios, provas e contraprovas, como o fato de Capitu ser parecidíssima com a mãe de Sancha, sem haver, com toda certeza, qualquer parentesco entre elas. Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bento/Dom Casmurro fecha-se em si próprio, mas não se isola e encontra muitas amigas que o consolam. Jamais, porém, alguma delas o faz esquecer a primeira amada de seu coração, que o traíra com seu melhor amigo. Assim quisera o destino. Decide escrever um livro de memórias na tentativa de atar passado e presente, da "construção ou reconstrução" de si mesmo. É certo que, antes da narrativa, tenta recompor seu passado construindo uma casa em tudo semelhante à de sua adolescência, todavia esse artifício mostra-se inútil e frustrante. Por isso, passa a essa outra alternativa: a da narrativa, que se mostra eficaz. E após seu término, para esquecer tudo, nada melhor que escrever, segundo decide, um outro livro: uma História dos subúrbios do Rio de Janeiro. ACABOOOOOOO!!! Mas antes eu vou adicionar algumas palavras sugeridas pelos membros: pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiotico (que segundo o João Victor é uma pessoa acometida por pneumoultramicroscopicossilivulcanoconiose, e seu feminino, é claro, pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótica). Alem de comiga(!?!), inconstitucionalíssimamente, meninas do Jô, fator, Nency, paralelepípedo, Rudcleison, Rondcleison, Rudinelio, Slipknot e Valdenilson. E uma pergunta que não quer calar: Por onde a HELLO KITTY se alimenta? AGORA SIM: ACABOOOOOOOOO!!!