REALIDADE ESCANDINAVA
por Rodrigo Constantino, economista
"The matter of knowledge and discovery is not so much in dealing with what we know, as in dealing with what we do not know." (Karl Popper)
A idolatria ao deus Estado é uma doença grave, e infelizmente muito comum. Normalmente fruto de uma lavagem cerebral comunista e marxista quando jovem, ela pode acompanhar a vítima para sempre. O dogmatismo ideológico impede que a lógica exerça influência no cérebro, e fatos contraditórios à teoria machucam, sendo devidamente ignorados. Tal dissonância cognitiva, que costuma virar rigidez com o tempo, explica a reação dos comunistas com a queda do Muro de Berlim e império soviético. Desamparados, desiludidos, muitos trocaram o vermelho do sangue da foice comunista pelo vermelho desbotado da social democracia. Muitas vezes, tal nome não passa de eufemismo para Estado autoritário. Coletivistas que detestam a liberdade individual e o sistema de livre mercado, com trocas voluntárias, buscaram abrigo no sucesso dos países escandinavos, pregando que o welfare state foi a causa da riqueza deles. Algo bem longe da verdade...
Como o desejo que guia essa gente não é a busca sincera pela verdade, mas sim uma patológica necessidade de preservar uma crença dogmática, fazem como os crentes fanáticos, que abominam qualquer questionamento sério. Precisam “provar” que o Estado interventor é a razão do sucesso escandinavo, e desta forma não tentam refutar tal hipótese, como ensinaria Popper, mas sim achar qualquer correlação espúria, e ponto final. Correlação passa a ser o mesmo que causalidade. Não importa que tal linha de “raciocínio” possa levar à conclusão de que água mata, já que todos que bebem água um dia morrem. Ou então que o frio gera riqueza, já que muitos países ricos são frios. Como já foi dito, a lógica não tem nada a ver com as análises dessas pessoas. Mas vamos então aplicar os ensinamentos de Popper, e tentar refutar a hipótese de que foi o welfare state que permitiu o avanço escandinavo.
Em primeiro lugar, teríamos que selecionar os países ricos, com baixa miséria e bons indicadores sociais, e buscar o denominador comum deles. Veríamos que no topo da lista de IDH, estão também países como Suíça, Estados Unidos, Austrália, Cingapura e Taiwan. Não são, nem de perto, ícones do modelo de welfare state. Curiosamente, são os mesmos países que lideram o ranking de liberdade econômica, abertura comercial, competitividade e ambiente de negócios. O que existe em comum nos vencedores não é o Estado inchado e interventor ao extremo, mas o império da lei, o capitalismo, a abertura comercial e a razoável liberdade econômica.
Além disso, veríamos outras duas coisas interessantes. Primeiro, que os escandinavos já eram ricos antes do welfare state. Na verdade, eram ainda mais ricos em termos relativos, e perderam posição no ranking. Segundo, que vários outros países com Estado grande e “babá” estão no final da fila em termos de riqueza e indicadores sociais. Basta lembrar que Cuba tem um Estado ultra interventor, com pesados investimentos em educação e foco “social”. Até mesmo o Brasil conta com um Estado bastante interventor, com elevados gastos sociais. Ou seja, inúmeros países que adotaram o welfare state ficaram para trás, miseráveis. São países que não adotaram o capitalismo, o livre comércio e o império da lei. Como fica evidente, o welfare state não é causa de sucesso, mas conseqüência. E os escandinavos não são ricos por causa do Estado grande, mas a despeito dele. Vamos ver agora alguns detalhes específicos.
A Suécia, apesar de benefícios extensos pelo Estado, conta com um capitalismo high-tech, e as empresas do setor privado são responsáveis por cerca de 90% da indústria nacional. O governo vem mostrando compromisso com a disciplina fiscal, buscando um grande superávit. Em educação, foi adotado o modelo de vouchers, proposto pelo liberal Milton Friedman, de Chicago. Quem acha que a Suécia é o ícone da esquerda, está bastante enganado. Um Carlos Lessa não teria voz por lá. Ainda assim, não custa lembrar que a Suécia tem renda per capita menor que a dos negros americanos, grupo com menor índice nos Estados Unidos. O peso do Estado...
A Islândia tem uma economia basicamente capitalista, ainda que com extensivo welfare state. As medidas políticas incluem a redução do déficit fiscal, a limitação do endividamento do governo, o combate à inflação e a privatização das empresas estatais. A Finlândia conta com uma grande economia de livre mercado, e desponta na lista de competitividade empresarial. A Noruega combina intervenção estatal com livre mercado, mas seu sucesso recente vem mesmo do petróleo, já que o pequeno país é o terceiro maior exportador do mundo. A economia estava estagnando antes da alta do petróleo, e o governo, preocupado com a queda das reservas, vem mantendo o programa de privatização. A Dinamarca, por fim, tem uma moderna economia de mercado, com alta dependência do comércio externo. Os objetivos do governo são atacar a burocracia e privatizar novos ativos estatais.
As conclusões são claras, para quem não sofre de rigidez cognitiva. Não é o welfare state o responsável pelo sucesso escandinavo. Esses países já eram ricos antes, contam com razoável abertura comercial e economia de mercado, e ainda vem, cada vez mais, reduzindo o papel do Estado, pelo fardo que este representa. Mas não adianta explicar isso tudo para um crente estatólatra. Ele não vai buscar o que deu certo na maioria dos casos. O denominador comum será um detalhe ignorado. Ele quer apenas copiar os fracassos, e toda a sua análise tem um só objetivo: enaltecer o papel do Estado. A razão não tem vez contra a patologia. E como Popper nos ensinou, "não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos". Nos resta apenas lamentar...
Publicado em 03/10/2005
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