Cirurgias do vendedor levam a Franca mais fiéis que Chico Xavier atraía em Uberaba; falta de farmacêutico gerou multaHospital" espírita atrai 4.000 por semanaROGÉRIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL A FRANCA Com um cabo de bisturi sem corte, o vendedor de couro João Berbel, 50, redesenha silenciosamente a geografia da peregrinação espírita no Brasil e coloca Franca como um dos principais destinos das pessoas que buscam um tratamento espiritual.
Com o instrumento são feitas as cirurgias espirituais que atraem ao IMA (
Instituto de Medicina do Além

) cerca de 4.000 pessoas por semana. A média é superior ao número de fiéis que procuravam Uberaba (MG) até 2002, terra do médium Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier (1910-2002), que atraía entre mil e 1.500 seguidores por semana.
Para o presidente do IMA (Grupo de Assistência Espiritual Paz, Amor e Caridade, nome oficial), Adilson Salomão, 65, muitas das pessoas que buscam o tratamento em Franca são as mesmas que buscavam a cura em Chico.
"O povo está desesperado, quer se agarrar em alguma coisa" 
, disse.
As cirurgias realizadas pelo médium de Franca começaram em 1996, em sua própria casa, no Parque dos Pinhais. Foram cinco pessoas, entre elas a sogra, os primeiros pacientes.
"Numa quarta-feira havia cinco pessoas lá em casa. Aí nós curamos uma mulher que tinha problema gravíssimo de coração, mas, como mulher é muito fofoqueira, ela esparramou para todo mundo e no outro dia tinha 50. E na outra semana tinha 500 pessoas na porta de casa" 
, relembra Berbel, que diz incorporar o médico Ismael Alonso y Alonso, morto em 1964, para as cirurgias.
Com a proliferação de fiéis que ainda continua, a direção do instituto estuda ampliar o horário de atendimento -hoje restrito às quartas, quintas e sábados- e constrói um hospital com 208 leitos em três pavimentos. No prédio, que deve estar concluído no final de 2006,
os pacientes vão receber tratamentos da medicina convencional e da espiritual simultaneamente.
De acordo com o relações públicas do instituto Marcos Afonso de Almeida, 42, a intenção é construir também um complexo para tratamento fisioterápico, centro odontológico e uma escola para atender crianças carentes.
A estimativa de gasto total é de R$ 2 milhões, recursos provenientes da doações e da venda dos 105 títulos de livros escritos pelo próprio Berbel pela psicofonia (o médium diz ouvir a comunicação dos espíritos). Todas as cirurgias são gratuitas, assim como os remédios para o tratamento. São doados de 160 mil a 170 mil frascos por ano, também de acordo com o relações públicas.
Além dos fiéis, o IMA também despertou a atenção dos conselhos ligados à saúde, do
CRM (Conselho Regional de Medicina) e do CRF (Conselho Regional de Farmácia), que realizaram inspeções no local neste mês.
O conselho médico informou que a fiscalização não encontrou irregularidades no local porque não há "atos médicos" nem o exercício ilegal da profissão: "só questões religiosas". Para o CRM, pode haver o uso indevido da nomenclatura "hospital", "mas nada que seja da alçada do conselho".
O coordenador do CRF de Franca, Wilson Rigoni da Silva, 39, disse que o IMA foi multado em R$ 900 porque não tinha um farmacêutico responsável pela manipulação dos remédios. Para ele, há a necessidade de um profissional responsável mesmo com o uso apenas de produtos fitoterápicos (feitos com plantas). "Temos que aceitar que um leigo faça o serviço de um farmacêutico?", questionou.
Mulher lidera busca por "cirurgia" DO ENVIADO ESPECIAL A FRANCA A maioria das pessoas que procuram as cirurgias do médium João Berbel, segundo o IMA, é de mulheres, de todas as religiões. Das 12 pessoas entrevistadas pela Folha, só uma era espírita e outra, evangélica. O restante era católica.
"Eu nem falei para o padre que vinha aqui. Ele também não vai me dar a cura que eu preciso", 
disse o aposentado José Divino dos Santos, 50, de Passos (MG).
Para realizar a cirurgia é preciso passar pela consulta espiritual. Carne, bebida alcoólica e cigarro são proibidos uma semana antes.
Nas cirurgias, Berbel passa um líquido e toca o bisturi na parte debilitada. Não há cortes, mas são colocados curativos. Os primeiros atendimentos ocorrem às 14h30, mas as pessoas chegam cedo. "Cheguei às 6h30. Sábado passado, cheguei às 6h40 e tinha quatro na minha frente", diz a auxiliar de pesponto Adriana Miranda, 28.
Os dirigentes orientam os pacientes a não abandonar os tratamentos convencionais, já que o trabalho é complementar
