DEBATE ABERTO
Agencia Carta Maior
Autora: FLÁVIA PIOVESAN
Fonte:
http://agenciacartamaior.uol.com.br//agencia.asp?coluna=boletim&id=1537Data: 1/11/2005
Desafios da Democracia na América Latina
A América Latina é a região com o mais elevado grau de exclusão e desigualdade social. A experiência regional demonstra que não há verdadeira democracia sem respeito aos direitos humanos, e não há direitos humanos sem o regime democrático.
Recente pesquisa realizada pelo Instituto Latinobarómetro aponta a instigantes conclusões a respeito da situação do regime democrático em 18 países latino-americanos: a) apenas metade dos latino-americanos considera-se democrata convicto; b) apenas um a cada três latino-americanos está satisfeito com o funcionamento do regime democrático; c) os três países com maior suporte à democracia (em que a população entende ser a democracia a melhor forma de governo) são Uruguai (77%), Venezuela (76%) e Costa Rica (73%); enquanto que os países com menor grau de suporte à democracia são Guatemala (32%), Paraguai (32%) e Brasil (37%).
Nesses três países citados, quando indagada se, em certas circunstâncias, um governo autoritário seria preferível a um governo democrático, 44% da população respondeu afirmativamente no Paraguai; 17% na Guatemala; e 15% no Brasil; d) os três mais graves problemas da região latino-americana são o desemprego; a pobreza; e a criminalidade. Como compreender estes dados? Qual é balanço do regime democrático na região latino-americana? Quais são seus principais desafios e perspectivas?
Dois períodos demarcam o contexto latino-americano: o período dos regimes ditatoriais; e o período da transição política aos regimes democráticos, marcado pelo fim das ditaduras militares na década de 80, na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil. Hoje a quase totalidade dos Estados latino-americanos, com exceção de Cuba, tem governos eleitos democraticamente – o que, por si só, já sinaliza considerável avanço.
Contudo, como observa Guillermo O’Donnell, o processo de democratização implica duas transições. A primeira é a transição do regime autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras palavras, para a efetiva vigência do regime democrático. Neste sentido, a pesquisa do Latinobarómetro é capaz de indicar que, embora a primeira etapa do processo de democratização já tenha sido alcançada na região — a transição do regime autoritário para a instalação de um regime democrático —, a segunda etapa, ou seja, a efetiva consolidação do regime democrático, ainda está em curso.
A América Latina é a região com o mais elevado grau de exclusão e desigualdade social. A este contexto somam-se democracias em fase de consolidação. A região ainda convive com as reminiscências do legado dos regimes autoritários ditatoriais, com uma cultura de violência e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de Direitos e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos.
Isto significa que a região latino-americana tem um duplo desafio: romper em definitivo com o legado da cultura autoritária ditatorial e consolidar o regime democrático, com o pleno respeito aos direitos humanos, amplamente considerados – direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A vitalidade das democracias na região está condicionada ao respeito dos direitos humanos compreendidos em sua integralidade.
Como afirma a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, há uma relação indissociável entre democracia, direitos humanos e desenvolvimento. Ao processo de universalização dos direitos políticos, em decorrência da instalação de regimes democráticos, deve ser conjugado o processo de universalização dos direitos civis, sociais, econômicos e culturais. A densificação do regime democrático na região requer o enfrentamento do elevado padrão de violação aos direitos econômicos, sociais e culturais, em face do alto grau de exclusão e desigualdade social, que compromete a vigência plena dos direitos humanos na região, sendo fator de instabilidade ao próprio regime democrático. A experiência latino-americana demonstra que não há verdadeira democracia sem respeito aos direitos humanos, ao passo que não há direitos humanos sem a observância do regime democrático.
Flávia Piovesan professora doutora da PUC-SP nas disciplinas de Direito Constitucional e Direitos Humanos, professora de DH do Programa de Pós Graduação da PUC-SP e do Programa de Doutorado em DH e Desenvolvimento na Universidade Pablo Olavide (Espanha), visiting fellow do Programa de DH da Harvard Law School (1995 e 2000), membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e procuradora do Estado de SP. Atualmente, é visiting fellow na Universidade de Harvard.