O Prazer das Palavras
Cláudio Moreno - 05/11/2005
Meus leitoresUm amigo meu quer saber se os leitores às vezes fazem consultas estranhas. Sim, respondi; entre os muitos que me perguntam sobre nosso rico idioma, alguns são um tanto esquisitos. Uns, como o Alexandre, de Canoas, acham que sou otário: "Meu grande Mestre! Gostaria de exprimir meu regozijo por teus artigos de sábado, que são, além de crônicas saborosíssimas, verdadeiras aulas de história e de cultura! Agradeço tua generosidade em compartilhar conosco esse teu rico Espírito. Muito obrigado, Mestre! Parabéns! Agora, a minha pergunta: quais as principais diferenças entre o Português do Brasil e o Português de Portugal? Será que o senhor pode mandar a resposta por e-mail - mais ou menos sessenta linhas, em Times New Roman, corpo 12, espaço duplo, até o final da semana que vem?". Outros são indignados, como a Lalita, a qual, no entanto, não deixa de me comover com a confiança que deposita em mim: "Professor, voltei ao curso de Letras depois de muito tempo sem estudar, e ali deparei com uma novidade até então nunca ouvida: o meu professor de Português disse-nos que o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, e sim por espanhóis. Afinal, quem descobriu o Brasil? Como foi essa descoberta? Hoje ouço coisas que me levam a questionar o assunto. Espero respostas!".
Alguns me atribuem um conhecimento enciclopédico, a julgar pelas consultas. Há os pais em apuros - "Professor: estou buscando a história do errorex para um trabalho da escola da minha filha e não consigo nada, espero que você me possa ajudar". Há os de estilo telegráfico - "Assunto: Varíola. Desde que se tome a vacina, por quanto tempo se fica imunizado?". Há os que perguntam, mesmo sabendo que não deveriam: "Apesar de não ter a ver com língua portuguesa, gostaria que o senhor me esclarecesse uma coisa: por que a disposição das letras nos teclados é assim e não em ordem alfabética?" ou "Professor, sei que a Matemática não é a mesma coisa que o Português, mas o senhor poderia explicar-me a função do zero? Ele é um número par ou ímpar? Desde já, agradeço sua atenção!".
Outros mantêm-se mais ou menos na minha área de especialização, que são as letras e os livros: "Olá, professor! Preciso da sua ajuda: fiquei encarregada de comprar um livro de ouro para os pais da escola de minha filha ajudarem no término da construção do novo prédio. As paredes já estão levantadas e já estamos no teto. O que devo escrever na primeira folha do livro para pedir que contribuam para a construção do banheiro? Aguardo retorno". Ou, um pouquinho mais literário: "Olá, professor! Estive a ler O homem duplicado, de Saramago, e me surgiu uma dúvida: a personagem principal chama-se Tertuliano Máximo Afonso, e a toda hora zomba-se de seu primeiro nome. A impressão que eu tenho é de que é uma piada secreta, entendida apenas em Portugal, pois eu, sinceramente, apesar do estranhamento do nome, não consegui achar graça alguma. Será que o senhor sabe a que se deve tanto riso?".
Finalmente, alguns têm maior pontaria e perguntam sobre nosso idioma. Há os ingênuos torcedores: "Professor Moreno, por que só tem o adjetivo tricolor para o torcedor do time do Fluminense, e para o Flamengo existe rubro-negro e flamenguista?". Há os de alegre ignorância: "Professor: minha filha de 7 anos, que cursa a 1ª série, ontem me perguntou qual é o aumentativo de galo, o marido da galinha. Fiquei na dúvida se é galinhão ou galetão, mas tenho certeza que é um dos dois. Pode me ajudar?". Há os de tortuoso raciocínio: "Sei que o certo é dois gramas. Isso se aplica a horas? Ou seja, é dois horas ou duas horas?". Há também os que só agora começam a tomar consciência de nossa sociedade de classes: "Tenho uma grande dúvida: o vocábulo francês toilette refere-se mesmo ao que nós chamamos de banheiro? Por que nos bares e lanchonetes da Rodoviária encontramos o WC, e nos restaurantes mais finos só há o toilette?". Há os que leram demais e passam mal: "Gostaria de saber tudo o que puder me dizer sobre a poesia concreta e o uso da ênclise, pois às vezes me confundo. Ainda, sem nenhum abuso, peço que me ajude a entender a moral da brilhante frase de Otto Lara: O mineiro só é solidário no câncer". Finalmente, há os que me atribuem conhecimentos paranormais: "Chamo-me P. Bravim, e muito admiro o seu belíssimo trabalho. Acho que o senhor já deve ter notado que sou paulista descendente de italianos...". Mas não importa: no fundo, eu gosto de todos.
Fonte:
Jornal ZH(precisa ter o cadastro de grátis pra acessar)