<< Tecnologia, né? Ok, mas cuidado com ela >>Por C@T
13 de Novembro de 2005Tecnologia já é um lance que está diluído em nosso sangue. Se você está aqui, agora, lendo este artigo no FórumPCs, então sabe bem disso. Nós somos verdadeiros tecno-entusiastas. Mas será que alguma vez já paramos para pensar no que significa toda essa fabulosa onda tecnológica? Quais impactos ela terá sobre a Humanidade dentro de, digamos, uns 30 anos?
Fibra óptica, invenção que revolucionou as telecomunicaçõesA tecnologia em geral vem avançando num ritmo avassalador mas, se prestarmos bem atenção, a coisa não se dá em grandes saltos -- são pulinhos, vários deles. Podem acontecer diariamente, às vezes imperceptivelmente, e vamo-nos acostumando a eles de maneira quase indolor. O que pesa é que, ultimamente, o ritmo das mudanças tem se tornado mais intenso, fazendo com que nem tenhamos tempo de analisar com a devida calma os impactos das novidades que estão surgindo e que muito provavelmente alterarão nosso padrão de vida de um jeito ou de outro.
Olha a vida mansa desse coroa. Sem wireless, será que rolaria?Façamos um rápido retrospecto. Quando surgiram as cidades modernas, ninguém se perguntou se nossas vidas se distanciariam tanto da Natureza que começaríamos a desenvolver doenças decorrentes do sedentarismo e da falta dos desafios naturais que fomos aparelhados para enfrentar. Quando surgiram os Shoppings, não nos perguntamos se aquela nova modalidade de comércio iria massificar nossos hábitos de consumo e nos forçaria a engolir a estética geométrica, perfumada e engaiolada de lojas, espaços, ambientes cheios de atendentes exibindo eternos sorrisos.
Quando começou a desaparecer a figura do médico da família, sendo substituída pelas clínicas e pelos planos de saúde, não nos tocamos de que a relação humana entre doutor e paciente poderia ser seriamente prejudicada, num distanciamento que eliminaria quase por completo aquela saudável interação de almas que tem efeito tão positivo sobre a saúde do enfermo.
Logo que surgiram os primeiros condomínios fechados, nenhum de nós imaginaria que eles acabariam se transformando em verdadeiras prisões, com grades, seguranças armados, circuito fechado de TV e um clima de tensão constante, totalmente incompatível com um local que escolheríamos como moradia.
Diante desses exemplos podemos ver claramente a facilidade com que esses novos modelos e hábitos foram se insinuando em nossas vidas, sem que fôssemos motivados a parar um instante para analisá-los, junto com suas possíveis conseqüências. Observemos que os casos citados nada mais são do que manifestações tecnológicas, e que tiveram como conseqüência uma ou várias mudanças de padrões na vida da Sociedade.
No entanto, uma componente terrivelmente forte e bem disfarçada nas entrelinhas é a tendência quase universal de se considerar benéfica, a priori, qualquer novidade tecnológica. Sempre nos são primeiramente mostrados os aspectos mais belos e positivos de uma nova tecnologia. Para encorajar a adoção de tecno-novidades, apenas os melhores cenários possíveis chegam ao conhecimento da massa, levando a ela a falsa idéia de que nossas vidas se transformarão num mar de rosas, graças à adoção plena da nova técnica, seja lá ela qual for.
Se analisarmos friamente, porém, o poder invasivo da tecnologia é perigosíssimo pois é quase invisível. O indivíduo mediano tem uma visão pessoal do mundo extremamente limitada, restrita pela sua carência de tempo livre e de recursos para investir na ampliação de seus horizontes. As informações que obtém para se situar neste oceano de dados flutuantes costumam provir de fontes viciadas e tendenciosas, geralmente divulgando informações que estão de acordo com os interesses das fontes de poder. No caso dos modernos gadgets eletrônicos, esses que qualquer um de nós adora de paixão, entra em jogo o velho fascínio do ser humano pelas máquinas. E, neste ritmo, lá vamos nós, na falsa idéia de que toda e qualquer nova tecnologia será benéfica a todos ou, pelo menos, de que não nos fará mal.
Já sentiu sua vida sendo invadida pela tecnologia?Entretanto, mesmo viciados em tecnologia, é importantíssimo que tenhamos um olhar crítico sobre esses avanços. É óbvio que a tecnologia tem sempre algum lado positivo, mesmo que ele em geral não se manifeste na primeira fase de sua adoção e sim só mais tarde, quando criadores, desenvolvedores e usuários já tiverem batido muito a cabeça no sentido de torná-la realmente útil.
Há quem acredite que, aplicando uma abordagem de crítica holística à análise da tecno-onda, o mais prudente seria considerarmos qualquer novidade tecnológica como sendo negativa até prova em contrário. Afinal, não faltam exemplos de pessoas e instituições que foram vítimas da tecnologia. Eles entraram de gaiatos num "conto do vigário" pois, se tivessem sido avisados ou esclarecidos a tempo, talvez não se metessem nessa roubada. Quer exemplos? Temos de sobra: fumantes, gente que sofreu com radiação, com doenças urbanas, pessoas que sofreram acidentes de trânsito, estresse, complicações sociais e de relacionamento, indivíduos envenenados por componentes químicos modernos ou pelos fluxos eletromagnéticos mais ou menos poderosos que nos circundam por onde quer que andemos, e por aí a lista continua.
Algumas atitudes são recomendáveis ao se analisar uma nova tecnologia. Em primeiro lugar, quando a descrição dos imensos benefícios que os tais avanços podem trazer for apresentada pelo próprio criador da novidade, é bom ficar com o pé atrás, pois ele só dirá maravilhas da nova coisa. Tecnologia nunca é neutra, nem grátis, e sempre terá conseqüências sociais, políticas e ambientais. Só que os efeitos negativos surgem devagar e a memória da massa ignara é, lamentavelmente, curta demais. Mesmo assim, não podemos nos curvar à idéia de que, uma vez instalada uma certa tecnologia no seio da Humanidade dita "avançada", ela não mais poderá ser abandonada. Pode sim!
Sistema de projeção de consciência -- ainda usaremos uma engenhoca dessas?Estamos rumando para uma era de mega-tecnologias. Veja-se o computador e a internet, por exemplo. Quais são os efeitos deles nos hábitos de vida das pessoas? E o que dizer da poluição eletromagnética dos ambientes? Isso sem mencionarmos os inúmeros problemas de saúde decorrentes do uso dessas ferramentas tão fascinantes nos escritórios, nas fábricas e mesmo nos lares. E quanto ao emprego? A produtividade corporativa aumentou ou diminuiu? Que dizer dos tantos funcionários que usam tempo de expediente para tratar de seus emails pessoais ou para navegar na web em sites que nada têm a ver com o serviço? Se alguém nunca fez isto, que atire a primeira pedra.
Fora isso, quanta gente foi, é e ainda será demitida em função das sucessivas automatizações e informatizações nos ambientes corporativos e produtivos? As mudanças conceituais que são impostas à sociedade diante dessa digitalização generalizada das informações e seus processos nem sempre estão de acordo com as reais necessidades desta mesma sociedade. Há muitos interesses em jogo e nós, pequeninos, funcionamos apenas como marionetes neste teatro sem-graça.
Em paralelo com o avanço da era digital, acaba-se exercendo um controle muito mais minucioso sobre a vida e os assuntos particulares do cidadão comum. Junte-se a isso o incontrolável aumento da velocidade com que somos obrigados a engolir e digerir informações no meio dessa torrente a que estamos submetidos. Os exemplos não param. Se por um lado temos às vezes uma centralização inflexível no processamento dos dados que comandam nossas vidas, ao mesmo tempo temos por vezes armazenamento e tratamento totalmente distribuídos, com respeito às informações vitais à nossa sobrevivência.
As máquinas comandam hoje em dia até o que não gostaríamos que elas comandassem, como por exemplo as fábricas de alimentos, os sistemas de fornecimento de energia e água, e os sistemas de guerra nuclear que ainda restam no planeta. É claro que, no caso das ogivas, sempre há um ou mais humanos que precisam apertar o botão final, mas o teatro tecnológico que os cerca é que lhes dará, no final das contas, as informações que os levarão a decidir se irão ou não botar tudo pelos ares, se chegar a hora de lançar o míssil.
Será que nossa ruína virá através da tecnologia?Um outro exemplo marcante é o da televisão, que faz com que multidões inteiras vivam suas vidas quase dentro do mundo criado por este meio de comunicação de massa. Liberdade de expressão é para os poderosos. O Zé Povinho fica mesmo sentado diante da tela engolindo aquilo tudo, sem ter outra opção. É a tecnologia da passividade, com todos seus efeitos deletérios e aparentemente paradoxais, como por exemplo a hiperatividade neural, ou seja, a aceleração desmesurada do sistema nervoso focada em áreas pouco nobres do cérebro. A percepção das "vítimas" passa a ser totalmente confusa. A captação desordenada de fatos vindos da telinha é baseada numa pseudo-realidade caótica, sem lastro em bases sólidas que possam sustentar uma consciência humana aceitável nas mentes dos pobres espectadores. Hoje, nos Estados Unidos e mesmo aqui no Brasil, elege-se um Presidente da República pela TV. Quem souber se vender melhor, mesmo que esteja mentindo descaradamente, acaba se elegendo. Nós já vimos esse filme, e ainda veremos muitas e muitas vezes mais.
Poderíamos enumerar dezenas de outros exemplos em detalhe, tais como experimentos feitos no sentido de levar tecnologias novas a comunidades afastadas que sempre viveram sem elas. Há também os estudos sobre os efeitos das grandes corporações e das empresas multinacionais sobre o cidadão local comum. Teremos no futuro distante, se vivermos até lá, colônias no Espaço e em outros planetas. Testemunharemos surpreendentes avanços na genética e na ciência da computação. O ritmo de aparecimento dessas novidades nos proporcionará chances de darmos vazão ao melhor de nós, mas ao mesmo tempo também poderão fazer aflorar o nosso lado mais negativo.
O fim do mundo chegará por causas não terrestres? Ou será causado por nós mesmos?Dizia-se que o Apocalipse chegaria através da guerra, da peste e da fome. Outros profetizaram que uma catástrofe repentina varreria a Humanidade da face da Terra. Mas será que a esperada "limpeza" do gênero humano se dará de forma tão abrupta assim?
Analisemos por um instante as drogas alucinógenas, só para ilustrar um ponto. Elas poderiam servir para abrir canais de consciência, dando acesso aos setores mais internos e ocultos de nossa mente. Mas o uso das drogas foi desviado para o vício, visando ao lucro astronômico dos gigantes do tráfico, o que resultou no uso indiscriminado de estupefacientes, com todos os desdobramentos cruéis que tão bem conhecemos. O poder econômico por trás destes grandes movimentos mundiais, seja no narcotráfico, seja no comércio de armas, seja no âmbito das grandes corporações tecnológicas, é algo que escapa completamente ao poder de estimativa do ser humano comum, centrado que está em atender às suas pequenas necessidades pessoais imediatas do dia-a-dia.
No entanto, há quem acredite que os armamentos, os cartéis, as drogas, a intensificação do consumismo, a ânsia pelo "possuir" e a escalada incessante da adoção das novas e revolucionárias tecnologias que pipocam a cada dia nos laboratórios -- tudo isso seria uma forma de efetuar a tal "limpeza" apocalíptica, numa cadência menos traumática e mais amena do que a profetizada, pois as causas e efeitos estariam sendo piedosamente diluídos ao longo do tempo.
Onde estarei eu? Onde estará você no último dia da Terra?Se alguém dissesse para nossos avós, na juventude deles, que no futuro as crianças brincariam em parques cercados de grades, que elas comeriam e beberiam preparados químicos, que ficariam horas por dia sentadas tendo seus cérebros programados e lavados diante de uma tela luminosa hipnótica, ou que passariam tardes inteiras manipulando um teclado ligado a uma caixa metálica para brincar de joguinhos em que atirariam e virtualmente matariam centenas de oponentes e monstros de toda espécie, certamente nossos avós não acreditariam em nada disso. E nos chamariam de loucos.
Se quiser ler mais sobre estes assuntos, sugiro um título em português: "Desligue sua TV", de L. Wolfe. É um texto bem longo, quase um livro. Vale a pena imprimir e ler com calma. Às vezes o autor viaja um pouco, mas apresenta uma série de idéias e exemplos muito pertinentes.
Em inglês, é grande a fartura de material, por exemplo:
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"In the Absence of the Sacred - The Failure of Technology and the Survival of the Indian Nations", de Jerry Mander.
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"Four Arguments for the Elimination of Television", também de Jerry Mander.
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"The Future Does Not Compute: Transcending the Machines in Our Midst", de Steve Talbott.
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"The Unsettling of America: Culture and Agriculture" , de Wendell Berry.
Bem, já temos um montão de coisa pra ler. Vamos à luta.
Fonte:
ForumPCs