Buraco negro foi expulso de casa, diz trio SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
A comunidade astronômica foi surpreendida dois meses atrás com a descoberta, por um grupo belga, de um gigantesco buraco negro "sem-teto". Mas agora um trio de pesquisadores vêm com uma hipótese que pode resolver o mistério: na verdade ele não teria meramente nascido "sem-teto", mas sim sido expulso de casa.
A polêmica toda começou quando Pierre Magain, da Universidade de Liège, na Bélgica, divulgou em artigo publicado na revista "Nature" que o objeto chamado HE0450-2958 era um buraco negro supermaciço, mas não se via ao seu redor sinal de uma galáxia de porte condizente com ele.
Grande mistério, pois buracos negros desse tamanho sempre vêm dentro de uma galáxia. A Via Láctea, por exemplo, possui um buraco negro em seu centro com massa estimada em 4 milhões de sóis. (Um buraco negro é um objeto tão denso e compacto, e com um campo gravitacional tão forte, que, dependendo da distância, nada consegue escapar dele, nem mesmo a luz.)
Embora, como regra geral, buracos negros supermaciços venham sempre acompanhados de galáxias, ainda é um enigma o porquê disso. A maioria dos astrônomos considera que as galáxias se formem primeiro, e aí a reunião natural de zilhões de estrelas em seu centro de gravidade daria origem ao buraco negro supermaciço. Mas há quem considere o caminho inverso o mais provável: os primeiros a surgir seriam os buracos negros gigantes, que agiriam como sementes cósmicas-as galáxias nasceriam depois, em torno deles.
O objeto descrito por Magain e colegas parecia poder jogar alguma luz a essa pergunta -era um buraco negro "sem-teto" --não havia galáxia suficientemente grande ao redor para abrigá-lo.
O achado causou efervescência na comunidade astronômica. Como explicar esse objeto? Uma das hipóteses foi pensar que de fato os buracos negros gigantes precedem as galáxias, e aquele conjunto ainda era um "aprendiz de galáxia", por assim dizer. Outra, talvez mais aventureira, pressupunha que havia de fato uma galáxia inteira lá, mas invisível --feita de matéria escura, misteriosa substância que não pode ser detectada, mas interage gravitacionalmente com o resto do cosmos.
AlternativaDe acordo com Martin Rees, astrônomo real britânico, e dois colegas, Martin Haehnelt, também da Universidade de Cambridge, e Melvyn Davies, do Observatório Lund, na Suécia, a explicação é mais convencional. Eles acabam de sugerir, num estudo aceito para publicação no "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society", que na verdade o buraco negro gigante teria sido expulso de casa -uma galáxia próxima, vista nas proximidades.
A imagem vista hoje teria sido fruto de uma colisão de galáxias, ocorrida 30 milhões de anos antes. É comum galáxias inteiras saírem por aí trombando umas com as outras (a Via Láctea e sua vizinha maior, Andrômeda, por exemplo, estão hoje numa rota de colisão). Cada uma delas originalmente teria seu próprio buraco negro supermaciço. Conforme as galáxias em colisão se reorganizassem para formar uma só, seria promovida uma verdadeira "convenção intergaláctica de buracos negros gigantes" em seu centro.
A expulsão poderia ter ocorrido de dois modos diferentes. O primeiro, e mais emocionante, seria durante a fusão de dois desses buracos negros pesos-pesados. Na junção, um pedaço poderia ricochetear para fora -justamente o que se vê como o objeto sem-teto.
Uma outra possibilidade, mais comum, seria a de que a mera interação gravitacional poderia ter colocado o grandalhão numa rota para fora de sua galáxia, como no efeito estilingue usado por sondas espaciais para ir aos confins do Sistema Solar usando a gravidade de planetas como Júpiter como forma de promover aceleração.
Mas a coisa ainda vai ficar no ar por algum tempo. Até mesmo Rees e seus colegas admitem que é muito cedo para bater o martelo sobre a natureza do buraco negro sem-teto. "Terminamos com o problema de que maior escrutínio do HE0450-2958 pode ainda revelar uma galáxia muito pouco luminosa e compacta", dizem.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u13963.shtml[/list:u]