Valor Econômico, 21 de novembro de 2005
ONU não pratica o investimento responsável
As Nações Unidas, que pressionam empresas de todo o mundo a cumprirem regras trabalhistas, antipoluição e outras metas de responsabilidade social corporativa, ignora com freqüência esses padrões quando se trata de investir os US$ 29 bilhões do fundo de pensão de seus próprios funcionários.
Uma cópia da carteira de investimentos do órgão revela pelo menos 12 companhias que não seguem os princípios de procedimentos corporativos da ONU, de acordo com grupos de defesa de direitos e gerentes de fundos de pensão que analisaram o portfólio de quase 400 empresas. Gestores de fundos que levam em conta questões de responsabilidade social disseram rejeitar ativos dessas empresas em suas carteiras.
Uma delas é a mineradora britânica Rio Tinto, terceira maior do mundo, na qual a ONU possui um investimento de US$ 22 milhões. A ONU passou os últimos oito anos articulando o fim de uma guerra civil na Papua-Nova Guiné, iniciada por queixas sobre a poluição provocada por uma mina de cobre da Rio Tinto na ilha de Bougainville. A empresa não quis se pronunciar sobre o assunto.
"Há muitas empresas nesta lista que não cumprem nosso critério", observou Julie Gorte, diretora de análise social do Calvert Group, de Bethesda, Maryland, o maior administrador, nos EUA, de um fundo mútuo exclusivamente voltado a investimentos em empresas com responsabilidade social. "Se eles tiverem algum tipo de monitoração, é ínfimo e não envolve critérios como direitos dos povos indígenas, direitos humanos, integridade e segurança de produtos".
O indicado pelo Departamento de Estado dos EUA para principal cargo de gestão na ONU, Christopher Burnham, um ex-executivo de banco de investimentos, destacou que a carteira do fundo de pensão não é administrada de "uma forma muito diferente da de um banco". A ONU contratará uma consultoria no próximo ano para analisar sua estratégia e avaliar até se novos critérios de investimentos deverão ser determinados, afirma.
Burnham disse que, embora ele "leve em conta" as práticas trabalhistas e ambientais das empresas, a "responsabilidade principal" do órgão é "ganhar o maior retomo com o menor risco" para os 142.245 participantes e beneficiários do fundo de pensão.
As práticas de gestão da ONU estão sob maior fiscalização atualmente, na esteira das investigações que revelaram evidências de corrupção generalizada no programa de auxílio ao Iraque. Líderes mundiais estão pressionando para que a ONU passe a prestar mais contas.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que em seus quase nove anos no cargo encorajou o estreitamento dos laços entre a instituição e o mundo corporativo, criou em 2000 um programa para incentivar empresas a adotar dez princípios "universais" sobre questões ambientais, trabalhistas, de direitos humanos e de combate à corrupção. Mais de 2,4 mil CEOs de empresas de todo o mundo concordaram em adotar e promover as metas da ONU.
O fato de a organização ignorar esses princípios em seus investimentos mina sua credibilidade, segundo a advogada e exjuíza Karen Burstein, que agora trabalha como consultora das Nações Unidas. "A ONU está em uma posição intelectualmente complicada, pedindo práticas que a própria instituição não cumpre integralmente", disse.
Gorte, da Calvert, também questionou os investimentos da ONU na rede varejista Wal-Mart, maior do mundo, baseada no processo . que acusa a empresa de negar intervalos para alimentação a 115 mil funcionários. A ONU investiu US$183 milhões na rede.
O diretor do Greenpeace para questões de aquecimento global, Kert Davies, condena o, investimento de US$ 275 milhões na Exxon, maior petrolífera mundial de capital aberto. A empresa vem combatendo o Acordo de Kyoto, o tratado da ONU para reduções obrigatórias nos volumes de emissão de gases estufa. "É, no mínimo, irônico que uma empresa trabalhando ativamente contra um dos principais acordos da ONU tenha pesados investimentos dos funcionários da ONU."
Outras duas empresas na carteira - a mineradora Anglo American, de Londres, segunda maior do mundo, e a Fortis, companhia financeira líder na Bélgica - estiveram envolvidas com grupos rebeldes no Congo que estavam roubando diamantes, ouro e outros recursos minerais do país, de acordo com informe de 2002 elaborado por uma comissão da ONU que avaliava sanções ao país.
Além disso, a Anglo American informou em fevereiro ter pago US$ 8 mil a um grupo rebelde sob sanções do Conselho de Segurança da ONU em troca de segurança em uma de suas instalações no Congo. A ONU mantém quase 17 mil soldados no Congo para debelar os rebeldes a quem acusa de tentar desestabilizar e roubar o país.
A Anglo American e a Fortis enviaram cartas à comissão da ONU em 2003 negando as acusações. A mineradora confirmou em comunicado por e-mail que teve "encontros inevitáveis" com o grupo rebelde e que apenas pagou dinheiro porque houve "extorsão".
Gestores de fundos e defensores de direitos de responsabilidade social ainda questionaram a inclusão da Archer Daniels Midland (ADM), Newmont Mining e Phelps Dodge, apontando violações de padrões éticos, trabalhistas e ambientais internacionalmente aceitos. A mineradora de cobre Phelps Dodge, de Phoenix, segunda maior mundo, pagou multas de US$ 1,4 milhão no ano passado acusada pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA de ter despejado ilegalmente mil toneladas de dióxido sulfúrico nas instalações de uma mina no Arizona.
A empresa sustenta que adquiriu a mina no Arizona depois de as infrações terem ocorrido.
A ADM, de Decatur, Illinois, pagou US$ 400 milhões no ano passado para chegar a um acordo sobre o processo de clientes que acusavam a empresa, maior processadora mundial de grãos, de conspiração para manipular preços do xarope de milho.
A Newmont, de Denver, está sendo julgada na Indonésia, acusada de poluir os mares com arsênico e mercúrio. A empresa, maior mineradora mundial de ouro, não retornou os pedidos de entrevista.
Georg Kell, que é o diretor do secretariado da ONU que promove o investimento responsável, observou que a organização não pode tomar decisões de investimentos baseada em acusações e processos contra empresas e que precisa levar em conta as sensibilidades dos governos de seus 191 países-membros.
"O tabaco, por exemplo, é um meio de subsistência em muitos países em desenvolvimento", disse. "Muitos fundos de investimentos socialmente responsáveis são baseados em orientações éticas guiadas culturalmente." Kell diz que algumas das empresas que os grupos de defesa questionam desenvolveram políticas para resolver pontos problemáticos em relação aos princípios das Nações Unidas.
Quando o assunto é a necessidade de levantar fundos, dane-se a responsabilidade social, os danos ambientais etc. Esse é o problema destes discursos sociais. Muito bons na teoria, mas na prática, quase inviáveis.