http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=4412Liberalismo selvagem?
por Sérgio Pereira em 20 de dezembro de 2005 Certa vez, eu estava conversando com um professor da minha faculdade sobre o liberalismo quando, de repente, ele proferiu a seguinte pérola: “Em minha opinião, o Estado mínimo não passa de uma transferência de problema, pois se trata de um sistema em que o Estado transfere ao mercado funções que este, historicamente, jamais conseguiu resolver. É o caso dos presídios privatizados, que registram um índice baixíssimo de recuperação.” O ilustre professor só se esqueceu de que se um presidiário não consegue se reintegrar à sociedade, isso se deve à sua índole criminosa, e não à privatização. Transferir a culpa da não-recuperação da maioria dos presidiários à privatização é algo que demonstra uma degeneração cognitiva em estágio avançado, praticamente terminal. Os partidários deste tipo de pensamento argumentam que o liberalismo é a faceta mais cruel do capitalismo selvagem, pois se trata de um sistema que, segundo eles, deixa o cidadão ao Deus-dará da luta pela sobrevivência, à mercê de um sistema econômico que distribui desigualmente a riqueza e as oportunidades de geração de renda. No entanto, como dizia Winston Churchill: “Por outro lado, o socialismo distribui igualmente a miséria.”
Este artigo não tem como objetivo condenar apenas o socialismo, mas também criticar ferozmente a faceta verdadeiramente selvagem do capitalismo: o capitalismo de Estado. Tendo o Muro de Berlim sido derrubado (e não caído, como os socialistas costumam falar) em 1989, com muita vontade pelos alemães das duas Berlins, a conspiração socialista internacional percebeu que o socialismo absoluto é absolutamente insustentável. Assim sendo, a esquerda global logo tratou de arranjar um substituto à altura do socialismo real: o capitalismo estatal, um sistema realmente perverso e selvagem em que os direitos individuais e naturais, tais como a liberdade e a propriedade, são brutalmente relativizados.
Um bom exemplo do capitalismo de Estado aplicado pela conspiração socialista no Terceiro Mundo foram as privatizações do governo FHC. O detalhe perverso deste quadro não são as privatizações em si, mas as condições em que elas foram realizadas e o panorama institucional em que elas estão inseridas. Traduzindo o que estou falando para um nível de compreensão mais coloquial, significa dizer que não adianta nada privatizar estatais sem flexibilizar a legislação trabalhista brasileira, que faz com que as grandes empresas sejam literalmente obrigadas a possuir departamentos inteiros de suas estruturas destinados a lidar com o Leviatã trabalhista brasileiro, um verdadeiro e dantesco inferno de encargos e leis que elevam questões fundamentais como a saudável atividade empresarial a níveis impeditivos de burocracia estatal para coisas que, em outros países, mesmo do próprio Terceiro Mundo, são simples, tais como abrir e fechar uma empresa e contratar e demitir um funcionário.
Embrulham-me o estômago certos diálogos entabulados em churrascadas a que sou convidado, nas quais muitas pessoas, verdadeiros inocentes úteis a serviço da conspiração socialista internacional, argumentam a urgente necessidade de um Estado de regime socialista para “combater as desigualdades sociais”, mas estes desinformados não percebem que a cada litro de cerveja e a cada garfada de picanha e lingüiça que eles deglutem, estes devoram o equivalente a uma semana de refeições de uma família pobre.
Enfim, é necessário que as autoridades e os inocentes úteis (e os inúteis, também) despertem para a realidade de que o capitalismo estatal é o verdadeiro capitalismo selvagem, um sistema tão perverso e cerceador de direitos individuais e naturais quanto o pior dos regimes socialistas. O liberalismo, por sua vez, não é a solução ideal para todos os problemas sociais, mas, pelo menos, nós liberais, estamos longe de lutar por utopias. Somos sim, ferrenhos defensores dos direitos naturais e entendemos que só o mercado, livre, é claro, pode corrigir as distorções criadas e impostas pelo Estado, respeitando a propriedade e promovendo a liberdade das escolhas individuais num ambiente institucional de confiança mútua, cumprimento dos contratos sociais e concorrência livre e meritocrática.