Sinceramente, fazia tempo que um texto esportivo não me emocionava tanto.
Tenho muito orgulho de ter esse véio capenga jogando no meu time.
Romário, 40 anos em busca dos mil gols
Em 1999, Wayne Gretzky, o maior jogador de hóquei de todos os tempos, disse adeus ao gelo após ter conseguido o incrível recorde de 894 gols. É comum, nos Estados Unidos, os times aposentarem as camisas com o número dos jogadores que as imortalizaram. Só que com Gretzky a coisa foi mais radical: sua camiseta, a de número 99, foi aposentada em todos os times da liga - e não apenas no seu. De hoje até a consumação dos tempos ninguém poderá jogar hóquei nos Estados Unidos ou no Canadá com uma camisa de número 99. Isso se chama respeito.
Em San Francisco, Barry Bonds, ainda em atividade aos 41 anos, continua firme como um dos maiores ídolos do beisebol. Seu time, o Giants, chegou a construir um estádio novo, com a área de rebatida mais curta do que a do anterior, só para que ele continuasse fazendo home runs e pudesse quebrar o recorde histórico, estabelecido por Hank Aaron nos anos 70. Faltam 47 rebatidas - e Bonds perdeu praticamente toda a temporada de 2005 se recuperando de uma lesão. Mas ninguém permitirá que ele, mesmo velhinho, pare de jogar antes de superar a marca de 755 rebatidas. Isso se chama gratidão.
O tratamento dispensado às legendas do esporte diz mais sobre o estágio de desenvolvimento de um país do que qualquer indicador do Banco Mundial.
Contei tudo isso para chegar a uma questão mais específica: Romário está próximo de chegar aos mil gols. Será o segundo jogador do mundo a obter a marca, e o segundo brasileiro. Antes dele só o deus Pelé. Parece insano dizer o que eu vou dizer - e estou seguro de que a redação vai se entupir de cartas veementes e discordantes. Pois lá vai: pelo amor de Deus, vamos deixar o Romário jogar a copa. E jogar as olimpíadas, e jogar sempre que quiser. O sujeito vai marcar seu milésimo gol, pombas! Maradona fez só 345 e reina absoluto na Argentina. O que mais Romário precisa fazer para que possamos venerá-lo sem ter que aturar os comentários dos perseguidores de plantão? Para que levar Ricardo Oliveira ou Júlio Baptista se podemos levar uma lenda viva? Por que não levar - para jogar 15 minutos, para entrar na hora da onça beber água, para assombrar os adversários - o homem que com quase 40 anos foi artilheiro de um dos mais difíceis campeonatos do mundo? Não creio que Parreira atenderá meu pedido. Zagallo, certamente não. Mas, por coerência histórica, precisei publicá-lo.
Meu pai não me levou para ver o milésimo gol do Pelé. Mas, se Deus quiser, obrigarei meus guris a louvar Romário. Enquanto ele ainda joga, enquanto ele ainda desfila sua legenda grisalha pelos gramados. Falta pouco para o gol mil. Não importa se nas contas do craque sejam computados também os tentos marcados nos tempos de amador. Mil gols são mil gols. E mil gols é uma marca impossível nestes tempos de um futebol marcado e violento. Romário não bateu pênaltis pela maior parte da carreira, enquanto Pelé contou seus golzinhos quando atuava pelo exército e em centenas de amistosos, mundo afora. Não dá para compará-los, pois Pelé é de outro planeta. Mas, vivêssemos num país com um pouco mais de sentido histórico e Romário teria, além de painéis de contagem regressiva para o milésimo gol nas praças, o apoio de técnicos, jogadores - e talvez até mesmo dos marcadores - para repetir a façanha do Rei.
Ao Baixinho, nosso gênio do Tetra e da pequena área, um pedido: não desanime. Perceba a dimensão épica do que está prestes a acontecer e, mesmo cansado da ingratidão humana, jogue até estufar as redes pela milésima vez. Permita-me, humildemente, celebrar contigo. Que dessa vez os papéis se invertam e o Vasco ganhe do Santos. Mas que tudo aconteça no Maracanã - e que seu gol também seja de pênalti. Para que o mundo inteiro possa prender a respiração alguns segundos antes. E para que, se nós brasileiros não sabemos celebrar nossos heróis, ao menos possamos permitir que os gringos te cubram de glórias.