Autor Tópico: Da paixão ao amor... e à rejeição  (Lida 696 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Südenbauer

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 10.297
  • Sexo: Masculino
Da paixão ao amor... e à rejeição
« Online: 21 de Dezembro de 2005, 13:19:55 »
Da paixão ao amor... e à rejeição, artigo de Suzana Herculano-Houzel

A neurociência mostra o que há por trás dessa evolução. Mas tem certeza de que você quer mesmo saber?

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista, professora e pesquisadora da UFRJ, e autora de “Sexo, Drogas, Rock'n' Roll & Chocolate” (Ed. Vieira & Lent) e “O Cérebro em Transformação” (Ed. Objetiva). Artigo publicado em “O Estado de SP”:

A neurociência perdeu o pudor.

Apoiada na ressonância magnética funcional, que permite vasculhar o cérebro acordado em busca de zonas ativadas ou desativadas conforme os pensamentos do dono, ela agora anda se metendo nos sentimentos mais nobres, subjetivos e pessoais de quem se voluntaria à ciência.

Há quem não goste dos resultados, que invadem a privacidade e mostram milimetricamente onde faíscas se acendem no cérebro quando ele vê a pessoa amada, admira fotos eróticas, ou mesmo tem um orgasmo (sim, sim, quem tem orgasmos é o cérebro).

Amor, paixão e desejo não deveriam ser quantificados ou parametrizados, muito menos explicados, reclamam alguns.

A antropóloga Helen Fisher discorda. Já em 1996, quando a ressonância funcional engatinhava, ela inaugurou uma linha de pesquisa que mantém até hoje, centrada numa única pergunta: por que nos apaixonamos?

Naquele ano, Helen e seus colaboradores consultaram, por questionário, 437 norte-americanos e 402 japoneses atrás de características universais da paixão.

E encontraram várias: para a grande maioria das 54 perguntas, não fazia diferença se o respondente era homem ou mulher, velho ou moço, hétero, homossexual ou outro, nem qual era sua etnia ou religião.

Para todos, o ser amado é igualmente perfeito e até seus defeitos são charmosos; ele se torna o centro do universo, o foco das atenções, em detrimento de trabalho, família e amigos, e isso alimenta o desejo de exclusividade e fidelidade.

A paixão pelo outro é involuntária e incontrolável; ele ocupa obsessivamente os pensamentos e desperta uma "energia intensa" na pessoa, que faz de tudo para ficar com ele e sente fissura pela sua presença, como se a paixão fosse um vício, uma verdadeira droga da qual se quer e se precisa cada vez mais.

E esta é a chave, segundo Helen. Em vez de ser considerada uma emoção específica, a paixão deveria ser entendida como um estado de motivação centrado em um objetivo particular: conquistar a fidelidade de um parceiro.

Os estudos com ressonância magnética funcional atestam a diferença.

Exibem imagens de ativação intensa, em resposta à visão do objeto da paixão, em estruturas que compõem um sistema especializado em cuidar da motivação:

o sistema de recompensa do cérebro, que nos faz sentir prazer e querer mais de tudo o que foi bom - drogas, sexo e paixão inclusive.

Os neurocientistas ingleses Andreas Bartel e Semir Zeki, pioneiros na área como Helen Fisher, já mostraram que basta a visão da pessoa amada para ativar o sistema de recompensa.

Como imaginar o objeto do desejo já é suficiente para dar uma "amostra grátis" do prazer por vir, essa ativação do sistema de recompensa justifica toda a importância e os sentimentos positivos e prazerosos associados ao parceiro, bem como a disposição para abrir, por mágica, buracos na agenda para estar na presença da pessoa especial.

Ao mesmo tempo, o chamado Circuito Social do cérebro, que nos permite avaliar social e moralmente pessoas e situações, parece ficar um tanto obnubilado.

Segundo eles, não é à toa que a paixão torna as pessoas perfeitas aos nossos olhos: o amor cega o cérebro, mesmo.

Helen Fisher agora volta à cena com uma nova pergunta: e o que acontece quando a paixão chega ao fim de um lado, mas não do outro?

"Você acaba de ser rejeitado amorosamente e não consegue se conformar?", perguntavam os cartazes que ela espalhou pelo campus da Universidade Rutgers, em New Jersey, EUA, onde trabalha.

Onze mulheres e seis homens responderam e foram selecionados, uma vez comprovado estarem inconsoláveis, e compareceram ao laboratório, em prantos, trazendo nas mãos uma foto do ex-parceiro.

Os resultados, apresentados em novembro na 35ª Reunião Anual da Sociedade de Neurociências norte-americana em Washington, DC, são bem claros: admirar a foto do ex-parceiro ainda desejado deixa o sistema de recompensa em polvorosa, com uma ativação intensa do núcleo acumbente, a estrutura central à motivação, semelhante àquela encontrada nos alcoólatras em tempos de abstinência ao verem um copo.

Não é à toa que, durante a fase de inconformismo, essas pessoas são capazes de tudo para reconquistar o amado.

(O que acontece quando o desespero passa, os parceiros abandonados dão a volta por cima e não querem mais ver o outro nem pintado? Isso terá de ficar para outro estudo, pois Helen pegou apenas o telefone dos voluntários, todos estudantes, no dormitório da universidade, e quando quis entrar em contato novamente todos já haviam se mudado... A ciência tem desses imprevistos, também.)

A paixão, correspondida ou não, seria não uma emoção, mas um estado motivacional um tanto peculiar, que conspira para nos jogar nos braços de um parceiro e nos segurar lá. Soa razoável. Mas Helen completa a frase:

"...ao menos até a inseminação".

Essa é a perspectiva da psicologia evolutiva, que busca um valor adaptativo nos comportamentos animais.

Há dezenas de livros a respeito, e Helen é autora de três deles, propondo que a paixão, a fidelidade, a obsessão pelo outro e o apego emocional são gerados pelo cérebro e favorecem a perpetuação dos genes que permitem esses comportamentos.

E pouco importa se você não quer ter filhos: a essa altura da evolução, os genes e as estruturas relevantes estão lá do mesmo jeito. Ainda bem.

Muitos reclamam de ter seus sentimentos escrutinizados pela ciência. Outros protestam indagando o que se ganha sabendo "onde" essas coisas acontecem no cérebro.

O que a neurociência faz, além de comprovar e sugerir mecanismos para o que o senso comum já sabia: que a paixão nos cega, nos torna obsessivos, nos tira do rumo?

Por outro lado, quanto não se perde da poesia, quando "eu te amo" passa a poder ser trocado por "meu núcleo acumbente quer muito ficar perto de você"?

Cada um que resolva por si, mas, se adianta alguma coisa, eu tenho umas sugestões. Muda bastante ter consciência de que seus circuitos sociais não funcionam muito bem quando se está apaixonado.

É, ao menos em teoria, bem conseqüente saber que um orgasmo pode bastar para que a pessoa que você leva para a cama comece a receber "tratamento especial" pelo seu sistema de recompensa.

Deve fazer bem a muitos casais saber que sexo e novidades, e por que não os dois juntos, são uma maneira garantida de ajudar a manter o sistema de recompensa feliz com o parceiro.

E, francamente, se é um punhado de neurônios nos lugares certos no meu cérebro e no do meu namorado que nos faz felizes, então que seja.

Saber o nome e a localização exata de todas as estruturas cerebrais que ficam hipnotizadas e me deixam extasiada na presença dele só me faz achar esse negócio todo de amor e de cérebro ainda mais improvável e maravilhoso.

Como se não bastasse se meter a "explicar" como e para que a gente se apaixona, Helen é também autora de um dos outros estudos que constataram o que todos sabem, mas ninguém gosta de ouvir:

a paixão é um estado transitório, que dura cerca de um ano e meio, às vezes mais, muitas vezes menos.

Alguns julgam a demonstração de como isso acontece no cérebro quase comparável a um crime contra a humanidade, contra o que ainda nos resta de romântico.

É verdade que a paixão amiúde se vai e deixa um vazio. Mas muitas vezes fica algo ainda mais lindo em seu lugar: o amor duradouro, a vontade de estar com aquele ser específico que mantém tantos humanos, arganazes-do-campo, macacos e araras unidos até que a morte os separe.

Um dia desses a neurociência ainda vai espalhar pelas universidades cartazes em busca de voluntários casados e felizes com seus cônjuges há mais de 10, 20, 50 anos.

Se eu estiver viva, tomara que até lá meu cérebro já tenha operado outra de suas mágicas, e eu possa ser a primeira a me voluntariar...
(O Estado de SP, 11/12)

Offline Rodion

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 9.872
Re.: Da paixão ao amor... e à rejeição
« Resposta #1 Online: 21 de Dezembro de 2005, 16:19:04 »
sim, caiu um texto dela na prova de inglês da mackenzie.
mas uma crônica:

O CONSTRUTOR DE MISTÉRIOS

Ney Messias

Há grupos de trabalho investigando por todos os lados. Mas tudo que investigam diz respeito a bens vitais: a carne, o leite, o vestuário, as estradas, os viadutos. Se me perguntassem o que é que um grupo de trabalho deveria investigar com prioridade absoluta, responderia sem hesitar: a maneira mais fácil e urgente de construir mistérios. O grande mal do mundo é a ausência sistemática do misterioso, e a mania demasiadamente científica de desmanchar tudo aquilo que ainda apresenta uma face misteriosa. Claro que o grande sentido da vida é dado pelo mistério da decifração: não existe trabalho que não seja, em certo sentido, a procura da chave de uma charada. Pois se a vida é uma constante decifração do mistério, tão importante é o próprio ato de decifrar como a existência da coisa misteriosa.

Por isso os viventes estão divididos em duas espécies, os que decifram mistérios e os que criam mistérios. O grupo dos primeiros está aumentando, e diminuindo a falange dos segundos. Por isso estamos constantemente nos aborrecendo, e tentando, sobre os destroços dos mistérios destruídos, erguer outros para a nossa fome especial de incógnitas. Acreditamos nos discos voadores, na serpente do lago Ness e no Iéti, aquele abominável homem das neves, por absoluta necessidade de ter um mistério à disposição das nossas almas, um mistério que valorize a plana e tediosa sucessão de horas que nos consomem e dos bifes que consumimos.

Penso que haverá um dia de generalizar-se o uso da mescalina, da maconha e outros alucinógenos exatamente porque, com essas drogas, podemos penetrar em mundos desconhecidos e indecifráveis.

Não é nada difícil criar mistérios. Descobri isso quando era muito menino, ainda na época em que as crianças furtam os doces do armário misterioso da varanda. Foi assim: naquela época remota, e não de muitas abundâncias, abriram em minha casa uma lata de compota de abacaxi. Por qualquer motivo o doce ficou na própria lata, à espera da hora da janta. Quando foram servi-lo à noite, com espanto verificaram que a caldas toda tinha desaparecido, o abacaxi estava seco. Passei a escutar, então, as teorias mais desencontradas a respeito do fenômeno. Uma criada que tinha pavores noturnos, ligados sempre aos vampiros, levantou a hipótese de um animal desses ter sugado a calda. Minha mãe pensava que o suco tinha evaporado com o calor. Uma prima levantou a teorias, mais complexa, segundo a qual,em contato com o ar, o abacaxi mesmo se punha a sugar a sua própria calda, teoria que grangeou alguns adeptos, embora fosse evidente que a compota estava seca de verdade. E eu, que havia bebido de um sorvo só aquela calda, fiquei a assistir a cópia de teorias, aquela soma fabulosa de filosofias a respeito do fato de ter secado uma compota de abacaxi. Nunca esqueci o episódio, e é por isso que sei o quanto não é difícil criar mistérios, e o quanto é fácil destruí-los: bastava que eu dissesse que havias bebido a calda para destruir a graça daquela história.

E nisso que penso quando leio que o Chanceler da Cúria Metropolitana da Guanabara, cônego Castelo Branco, falando da substituição da tradicional hóstia pela broa, declarou reconhecer que as modificações introduzidas na missa irão a princípio chocar os católicos... mas "por outro lado, a Igreja conseguirá tirar do povo a impressão de mistério sobre seus ritos tradicionais". É bem assim que ele diz, não lamentando, mas gabando o afinco com que se põe a Igreja a espancar as brumas que coroam o seu lago de mistérios. Não tenho nada com isso. Apenas sorrio de quem se gaba de esfacelar mistérios, tanto mais quanto o que os esfacela é o mesmo que os deve guardar e preservar. Se lhe pudesse dizer pessoalmente alguma coisa diria que o único momento em que me senti sacerdote, e criador, foi aquele em que, menino, bebi às escondidas a calda de uma compota de abacaxi.
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

Offline n/a

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 6.699
Re.: Da paixão ao amor... e à rejeição
« Resposta #2 Online: 22 de Dezembro de 2005, 05:00:06 »
:)

 

Do NOT follow this link or you will be banned from the site!