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26/12/2005 - 11h26Fé em deus está nos genes, diz cientista americano[/size]CLAUDIO ANGELOda Folha de S.PauloO geneticista norte-americano Dean Hamer, 54, parece ter uma predisposição inata à polêmica. Em 1993, afirmou ter descoberto um trecho do DNA, que batizou Xq28, supostamente responsável pela homossexualidade masculina. A descoberta lançou à fama e depois ao escárnio --quando outros cientistas falharam em replicá-la-- o campo da genética comportamental, do qual é pioneiro.Agora Hamer volta à carga, metendo a mão numa cumbuca literalmente sagrada. Seu último livro, recém-lançado no Brasil, se chama "O Gene de Deus" (Ed. Mercuryo). E, sim, tenta sustentar que a crença no criador também é geneticamente determinada.Antecipando as críticas --que vieram assim mesmo, quando o livro saiu nos EUA, no ano passado--, Hamer diz logo que não se trata de "o" gene, mas de "um gene entre vários". E, ah, não é exatamente deus, mas uma predisposição à crença, que ele chama de "espiritualidade".O tal gene, isolado por Hamer e sua equipe no Instituto Nacional do Câncer, nos EUA, é identificado pela sigla vmat2. Ele estaria envolvido no transporte de uma classe de mensageiros químicos do cérebro conhecidos como monoaminas, do qual o mais famoso é a serotonina, a molécula do bem-estar. O ecstasy, o Prozac e outras drogas influenciam o humor alterando os níveis de serotonina no sistema nervoso.As evidências de seu envolvimento com a espiritualidade vêm de análises genéticas conduzidas pelo grupo de Hamer em vários conjuntos de pacientes, mas que começaram com um grupo de tabagistas. A associação foi feita com o auxílio de um teste psicométrico --baseado em um questionário-- elaborado pelo também americano Robert Cloninger para aferir a chamada "autotranscendência", ou a tendência ao pensamento místico. Não confundir, no entanto, espiritualidade com religião, que o geneticista diz ver como um dos maiores "perigos" para a humanidade.Hamer admite que as evidências são incipientes, mas, em entrevista à Folha, defende a teoria do gene divino. Leia a entrevista.Folha - O biólogo Richard Dawkins disse dos genes: "eles nos criaram, corpo e mente". Eles criaram deus também?Dean Hamer - Eu não posso determinar se deus é uma criação dos nossos genes ou se deus criou nossos genes para que ele pudesse ser reconhecido. Porque a biologia não pode determinar causalidade. O que podemos dizer é que nós temos genes que facilitam que pensemos em deus ou que imaginemos que exista um deus.Folha - No seu livro "O Gene de Deus" o sr. tenta fazer uma distinção entre religião e espiritualidade. Pode explicar isso?Hamer - É uma distinção muito importante. A espiritualidade diz respeito aos sentimentos interiores das pessoas. E a religião é um conjunto organizado de regras e regulações. A espiritualidade é como as pessoas se sentem sobre deus ou qualquer que seja o criador, enquanto a religião é especificamente sobre quem é esse deus e como ele age.Folha - Então um título mais adequado para o livro seria "o gene da fé", não "o gene de deus"?Hamer - Um título mais apropriado seria "um gene entre vários que está envolvido na fé". Mas isso não dá um título muito bom (risos).Folha - Há casos em que pessoas que têm pontuação alta na escala de autotranscendência se tornam mais tarde céticas linha-dura?Hamer - Provavelmente (risos). De fato, é uma boa questão, porque a escala é multifacetada, e você pode ter alta pontuação em alguns aspectos e baixa pontuação em outros. Eu, por exemplo, tenho alta pontuação no item do auto-esquecimento, em me perder em algo que estou fazendo e me desligar do resto, mas baixa pontuação em aspectos mais tradicionalmente associados à religiosidade. Por exemplo, não acho que existam coisas que a ciência não possa explicar.Folha - E o que controla a freqüência desse gene na população?Hamer - Ai, meu deus (risos)...Folha - Porque, se estamos falando de monoaminas, seria de esperar que o "alelo de deus" fosse se espalhar rapidamente.Hamer - Sim, talvez ele esteja se espalhando muito rapidamente, mas nós não sabemos muito sobre a evolução desse gene. Não posso dizer muita coisa a respeito.Folha - E o vmat2 não é específico de humanos, certo? Ele tem equivalentes em outros mamíferos.Hamer - Não, não é. Sabe, eu não acho que seja "o" gene que torna as pessoas espirituais, só acho que seja parte da via bioquímica no cérebro das pessoas que é usada para esse tipo de sentimento ou resposta emocional. E essa questão é a mesma com outros genes: temos os mesmos genes que todos os outros mamíferos e podemos falar e eles não; podemos ter um nível de consciência mais elevado e eles não.Folha - Por que as pessoas reagem tão fortemente contra a idéia de que comportamentos possam ser determinados ou influenciados geneticamente? Existe um gene que as predispõe a essa reação também?Hamer - (Risos) Não. É porque todo mundo acredita que tem livre-arbítrio e controla o próprio destino, porque, de outra forma, nós seríamos só marionetes. Ninguém quer ouvir que é o que é não porque decidiu assim, mas por algo que estava fora do seu controle. Eu acho que há uma negação automática do papel dos genes. E repare: nós temos livre-arbítrio e tomamos decisões. Só que algumas pessoas são mais canalizadas em uma direção que em outra.Folha - O sr. não teme que o vmat2 tenha o mesmo destino do Xq28, o "gene gay" identificado pelo sr. que não pôde ser replicado em estudos independentes?Hamer - O Xq28 foi replicado por três estudos independentes. Só um não o replicou. Mas uma meta-análise mostrou depois que, quando todos os dados eram incluídos, a ligação era significativa. Em 1996, nós publicamos um estudo muito parecido na revista "Science" sobre o gene transportador de serotonina. Descobrimos uma relação forte com a ansiedade. Outros dois estudos não viram associação; a amostra era muito pequena. Desde então, houve 800 outros estudos experimentais e 14 meta-análises. Os resultados validam completamente o achado original. Este agora é o resultado mais amplamente aceito da genética comportamental. Jornalistas tendem a interpretar uma não-replicação de uma característica controversa como a homossexualidade como sendo uma invalidação.Folha - Seguindo o seu raciocínio, haveria pessoas sem capacidade bioquímica para a crença, ou "ateus inatos", por assim dizer?Hamer - Todo mundo tem essa capacidade. Só que algumas pessoas têm um pouco mais, assim como todo mundo tem a capacidade de chutar uma bola de futebol, mas algumas pessoas têm mais talento.Folha - Os psicólogos evolutivos, como Steven Pinker, da Universidade Harvard (Estados Unidos), recusam-se a enxergar a evolução da religião como uma característica adaptativa, encarando-a como um subproduto de alguma outra adaptação. O sr. concorda?Hamer - O problema com a biologia evolutiva é que não há teste experimental conclusivo de nada. Então, a única maneira de ter certeza é montar um experimento no qual eu controlo as variáveis e depois ver o resultado. Não posso fazer isso com evolução porque não posso rebobinar a fita, criar um novo Universo e testar as coisas. Então, eu acho que a religião é muito disseminada e muito conservada para ser simplesmente um subproduto. Mas não posso ter certeza absoluta. Ele [Pinker] também não (risos). Há um preconceito da ciência contra a religião, especialmente forte nos EUA, e às vezes ele aparece nas opiniões das pessoas.Folha - O sr. menciona no seu livro que milagres e curas religiosas estão ficando raros porque as pessoas tendem a confiar mais em médicos do que em padres. Ao mesmo tempo, a religião está cada vez mais forte, como atesta o fundamentalismo cristão nos EUA e o islâmico no Oriente Médio. Não há uma contradição aí?Hamer - Sim. O que acontece é que a religião, como é algo memético [que se propaga por idéias, não por genes], não tem as limitações de ser boa para os seres humanos como a espiritualidade. Os memes [religiosos] têm vida própria, e agora eles estão em seu momento de florescimento máximo na história humana. E isso é muito perigoso para o mundo. As pessoas se preocupam muito com bombas atômicas e poluição... eu acho que religião é um perigo muito maior para as pessoas -a religião que não é delimitada pela espiritualidade. E dou um exemplo: a Igreja Católica declarou que as pessoas não devem usar preservativos. O problema é que, com a disseminação do HIV, isso se torna uma sentença de morte para algumas pessoas. Para mim, não é muito espiritual dizer às pessoas que elas não podem fazer algo para proteger sua vida.
Os genes de Deus[/size]Raízes biológicas explicam de onde vem a inclinação humana para a religiosidade e como o cérebro experimenta a transcendênciaCamila ArtoniAtômica StudioCrescimento de 7,5% ao ano das igrejas evangélicas brasileiras, um milhão de católicos presentes ao velório do papa João Paulo II no Vaticano, conversões em massa, na Índia, ao hinduísmo: o que esses eventos têm em comum? Dizer "Deus" é apostar em uma resposta arriscada. Se existe um deus, ou vários, ou não, é um dado que a ciência ainda não é capaz de provar, talvez nunca seja. Mas por que cremos é algo que já pode ser mais bem compreendido. E trabalhos recentes afirmam que as bases da fé estão nos nossos instintos primitivos, como a nossa tendência natural a comer mais do que precisamos, nossa preferência por parceiros fortes e saudáveis para a reprodução e a nossa capacidade de ser feliz (ou a falta dela).Até um quarto de século atrás, os cientistas acreditavam que o comportamento religioso era produto da socialização ou da educação recebida em casa. Não é o que diz a pesquisa de Laura Koenig, psicóloga americana da Universidade de Minnesota, que acaba de divulgar o resultado de seus estudos com gêmeos. Em seu relatório, Koenig atribui ao DNA cerca de 40% de participação no nível de religiosidade de uma pessoa. É um número que impressiona. Para se ter uma comparação, sabe-se que os genes são responsáveis por 27% dos casos de câncer de mama, por exemplo.Mais de 250 pares de gêmeos, idênticos e não-idênticos, responderam a perguntas sobre a freqüência de serviços religiosos, orações e discussões teológicas em suas vidas. Dados sobre pais e outros irmãos também foram coletados. Conclusão: quando eram mais novos e conviviam mais com outros membros da família, todos tendiam a ter um nível de espiritualidade semelhante, demonstrando forte influência do ambiente na decisão; na idade adulta, somente os univitelinos (que têm carga genética 100% igual) continuavam compartilhando os mesmos índices. "Quando os filhos saem de casa e entram na universidade ou no trabalho, a interferência dos pais começa a enfraquecer", diz a pesquisadora. "Nesse ponto, temos de tomar as nossas próprias decisões e a biologia passa a falar mais alto." Em suma: sejamos crentes ou céticos, a "culpa", em grande parte, é da nossa genética.A idéia de um "gene de Deus" refere-se ao componente inato do homem para a espiritualidade. Não significa que exista um gene que faça com que as pessoas acreditem em Deus, e sim que a predisposição a ser espiritual (seja seguir preceitos religiosos fechados, acreditar na existência de um ser superior ou buscar uma origem esotérica para o mundo) é herdada por nós geneticamente.O trabalho de Koenig não é o primeiro a fazer essa proposição. Ano passado, Dean Hamer publicou "The God Gene", livro em que explica como a fé está fortemente conectada ao nosso DNA. Chefe do laboratório de bioquímica do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, Hamer foi ainda mais longe e deu nome aos bois. Ele afirma que pelo menos um gene específico é responsável pelo controle das substâncias envolvidas na emoção e na consciência religiosas.A cara da sua féGetty imagesOs genes moldam nossa propensão para a espiritualidade, mas a religião que adotamos é decidida pelo meio. As pesquisas com os chamados "genes de Deus" contemplam essa característica: não importa qual a fé da pessoa avaliada, as chances de pontuações altas e baixas nas escalas são as mesmas.É possível, porém, que a hereditariedade se manifeste de forma diversa em diferentes culturas e tradições. Seguidores de religiões mais rigorosas podem ser mais influenciados pela genética do que seitas mais liberais, ou vice-versa. Ainda faltam estudos que analisem a questão. O que várias pesquisas demonstram é que, na maioria dos casos, o ambiente de criação é a influência mais forte, não apenas pela óbvia facilidade de se freqüentar a mesma comunidade espiritual dos pais, mas também pelos valores que aprendemos como corretos.Fortes porque crêemÉ preciso ter cautela aqui. O VMAT2, como é chamado o gene, pode ser importante, mas certamente não responde sozinho pelo funcionamento de algo tão complexo. "Não há um gene para a religiosidade", diz Laura Koenig. "O efeito genético está relacionado, na verdade, aos genes que influenciam a personalidade. É isso que faz com que algumas pessoas sejam mais propensas a acreditar em religiões do que outras."Se a religiosidade está mesmo sob influência da genética, fica implícito que esse traço foi selecionado durante o processo evolutivo. O que nos leva a crer que, provavelmente, trouxe vantagens adaptativas para os primeiros crentes. Algumas descobertas sugerem quais podem ter sido. Sabe-se que a espiritualidade já foi associada, por exemplo, com o comportamento altruísta, e a falta dela com índices maiores de criminalidade. No plano físico, estudos demonstram que o otimismo promovido pela fé está relacionado a uma saúde mais forte, avaliada pela menor incidência de derrames e enfermidades cardíacas. As taxas de abuso de drogas, alcoolismo, divórcio e suicídio são muito mais baixas entre os religiosos, que também sofrem menos de depressão e ansiedade do que a população em geral, e quando sofrem se recuperam mais rápido. Com certeza, traços que ajudaram nossos antepassados a viver mais.Hamer admite que há provavelmente dezenas de outros genes, ainda por serem identificados, que desempenham papéis na capacidade de ser religioso. Mas a origem genética, insiste, é inegável. Para ele, só uma inclinação biológica para a espiritualidade poderia explicar o número cada vez maior de adeptos de seitas não-tradicionais e a presença de centenas de religiões no mundo inteiro.De fato, a religiosidade faz parte da experiência humana desde sempre. Mais de 30 mil anos atrás, nossos ancestrais já pintavam em suas cavernas imagens de sacerdotes e feiticeiros. Ao longo dos tempos, as fés institucionalizadas e tribais se espalharam de tal forma que não há lugar algum no globo que escape das estatísticas.Só que o conceito da espiritualidade inata está longe de ser consenso. A própria psicologia bate o pé contra isso. Mesmo reconhecendo que os genes possam ser dominantes sobre o comportamento, o papel do ambiente não deixa de ser importante. A pesquisadora da Universidade de Minnesota ressalta esse ponto. "Influências do meio continuam tendo alto impacto sobre a religiosidade. Os indivíduos de uma determinada cultura podem ser extremamente observantes por razões culturais, as pequenas variações no nível de religiosidade entre eles é que se explicam pela genética", explica Koenig.Essa força universal também foi explicada por outra área do conhecimento, a psicologia analítica, introduzida pelo psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961). Segundo sua teoria dos arquétipos (conteúdos simbólicos da mente, compartilhados por toda a humanidade), a busca por Deus - ou pela plenitude, ou por si mesmo - é um elemento básico da psique humana.Experiência universalEm termos religiosos e espirituais, é como se a necessidade de encontrar um sentido místico para a vida estivesse impressa na nossa alma. Pessoas que não são capazes de crer estariam desconectadas dessa necessidade primordial.Enquanto as ciências humanas explicam a fé como um processo cognitivo, a abordagem neurológica vai em outra direção. Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, decidiu olhar para os rastros da espiritualidade no cérebro. Usando imageamento cerebral, ele pôde ver de perto o que acontece quando alguém medita ou reza. Medindo o fluxo da corrente sanguínea dos voluntários, avaliou que áreas eram responsáveis pela sensação de transcendência.Quanto mais fundo as pessoas vão na prática, descobriu Newberg, mais ativos ficam o lobo frontal e o sistema límbico. O primeiro é onde se localiza nossa capacidade de concentração e atenção; o segundo é onde sentimentos poderosos, inclusive o êxtase religioso, são processados. Ao mesmo tempo, a região que controla nossas noções de tempo e espaço fica entorpecida. A combinação desses efeitos é uma experiência espiritual riquíssima. "Deus não é resultado de um processo de raciocínio", diz o neurocientista. "Ele foi descoberto misticamente, pelo próprio maquinário cerebral. O homem não inventou Deus, o experimentou."Estágios da féGenes à parte, a espiritualidade não tem um botão que pode ser ligado e desligado, e uma tendência a crer não significa garantia de vida religiosa estável feliz. De acordo com o professor de teologia James Fowler, o desenvolvimento dessa área da vida segue o padrão de qualquer outro processo psicológico humano, ou seja, acontece por fases. A jornada religiosa completa começaria na infância, a partir de um estágio em que vemos o mundo como mágico, e seguiria até uma sexta etapa, em que o crente é um místico capaz de experimentar um profundo senso de unidade com o universo.E Deus nessa história?A maioria dos teólogos recusa-se a aceitar que a experiência de Deus seja reduzida a reações químicas no cérebro. Em geral, as religiões preferem a idéia de uma revelação vinda "de cima". Para a ciência, a comprovação de uma origem genética para a fé e o mapeamento da crença no cérebro não dizem nada sobre a existência de Deus. As pesquisas apenas explicam por que há diferentes graus de envolvimento religioso entre as pessoas e que tipo de elevação provam aqueles que crêem.Mas tudo isso pode, ainda, ser invenção de Deus. Há quem defenda até que os genes façam parte do sofisticado projeto divino para a humanidade. Enquanto as origens e os efeitos da religiosidade podem ser medidos pela ciência, a existência de Deus, só pela fé. Mas isso não significa ter de mantê-las separadas. Como bem apontou Albert Einstein, a ciência sem religião é manca e a religião sem ciência é cega.Para ler• "The God Gene", Dean Hamer. Doubleday. 2004• "Why God Won't Go Away", Andrew Newberg. Ballantine. 2002• "Religion Explained", Pascal Boyer. Basic Books. 2001