É culpa dos cristãos! Mandem-nos aos leões!
"Yes, after more than 100 million deaths by government in our own century, after Hitler and Stalin, we are still to be constantly worried about events Pope Sixtus IV authorized many centuries ago that killed several thousand over centuries. This is one of a thousand examples of the wholly unjustified anti-religious bias of our time. The assumption of most intellectuals and their media echo chamber is that believers, particularly Christians, are a danger to society and to liberty. Sure, people should have freedom of religion, so long as their religion is private, invisible, politically ineffectual, and culturally irrelevant. The Church is to be hounded as a menace, and the State heralded as liberator of mankind."
(Lew Rockwell)
A competição é dura, mas certamente a reação mais imbecil aos atentados terroristas foi a dos campeões da diversidade cultural que se puseram a criticar a imprensa ocidental por seus "preconceitos religiosos" contra o islamismo. Essa crítica pressupõe que ainda existe na imprensa ocidental algum vestígio de cristianismo e que em nome dessa religião "ocidental" a imprensa está cometendo o crime dos crimes - "discriminando" outra cultura.
É óbvio que não há "preconceitos religiosos" na imprensa, porque, com exceção de um ou outro colunista isolado, ninguém nela tem religião alguma além do Estado todo-poderoso, suas múltiplas manifestações e seus inúmeros pretextos ideológicos - democracia, justiça social, igualdade, combate ao racismo etc. Como li não lembro onde, os "modernos" não acreditam em pecado ou salvação, em bem ou mal; eles acreditam no aperfeiçoamento do ser humano através da educação e do aprimoramento das instituições. Não lembro quem ele era, mas lembro que o autor não apenas achava isso bom, como parecia crer que qualquer outra posição não é digna de um ser humano civilizado.
Preconceitos anti-religiosos
Longe de expor tenebrosos "preconceitos religiosos", a imprensa aproveitou a ocasião para chutar um cachorro quase morto, e atacar a própria idéia de religião. E, como fanatismo anti-religioso não é privilégio nem da direita nem da esquerda, Matthew Parris (um comentarista sensato quando não está tentando filosofar nem está exibindo seu gay pride), na "Spectator", e Richard Dawkins, no "Guardian", apresentaram rigorosamente o mesmo argumento: os atentados terroristas são frutos da crença no paraíso. Pessoas que acreditam no "perigoso nonsense", espalhado pela religião, de que existe alguma coisa após a morte são capazes de cometer os atos mais terríveis.
Perdoem-me a franqueza, mas esse é o tipo de raciocínio que, se desenvolvido numa redação escolar, levaria à reprovação do aluno, porque - e isto é de uma obviedade gritante - as conclusões simplesmente não se seguem às premissas.
É inteiramente absurdo afirmar que foi a crença no paraíso, por si só, que fez que os terroristas seqüestrassem um avião sabendo que matariam milhares de pessoas - inclusive a si mesmos. A única maneira de relacionar as duas coisas - crença no paraíso e atentados terroristas - é introduzir uma outra noção: a de que matar milhares de pessoas é uma maneira de subir ao paraíso. E essa noção não decorre de nenhum preceito cristão, de nenhum preceito judaico, de nenhum preceito islâmico.
Supondo que os terroristas eram realmente muçulmanos (o que, como demonstrou Robert Fisk, é extremamente duvidoso, em vista do texto encontrado em suas coisas), eles só puderam crer que seu ato os levaria ao paraíso porque - e aqui o termo usado por Taki é apropriado - algum guru psicopata os doutrinou para que acreditassem nisso. Mas não foi o princípio religioso em si mesmo que os transformou em assassinos; foi, sim, uma determinada pregação assassina que assumiu a forma religiosa. Assim, aquilo que qualquer cristão perceberia como provável causa de danação eterna tornou-se causa de salvação na imaginação de certos terroristas doutrinados por facínoras.
Ironia macabra
Não deixa, aliás, de haver uma certa ironia macabra no fato de que dois imbecis venham falar na vocação assassina das religiões imediatamente depois de um século em que mais de cem milhões de religiosos foram assassinados por seguidores de doutrinas atéias. Por isso, aliás, Dennis Sewell respondeu a Parris, em carta à Spectator:
Matthew Parris argumenta que um mundo sem religião seria mais pacífico. É difícil combinar esse argumento com a contagem dos corpos. Mais pessoas foram assassinadas no último século, em nome de credos ateus, por tipos como Stalin, Mao e Pol Pot, do que em todas as guerras de religião da história somadas. E isto é pouco surpreendente. Afinal, aqueles que acreditam que a vida humana não representa nada além das conseqüências biológicas de um acidente genético dificilmente darão muito valor a ela.
Sewell não menciona o nazismo, mas poderia mencioná-lo lembrando ainda as palavras de Viktor Frankl sobre os efeitos da concepção reducionista do homem e do mundo:
Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão raciocínio lógico e conseqüente.
A fonte dos males
O ponto que mais irrita Dawkins e Parris é a crença religiosa no destino da alma após a vida, a crença no inferno e no paraíso. Essa é, para eles, a fonte de todos os males.
Antes de discutir as conseqüências dessa crença, é preciso lembrar que não há nada de mais "científico" ou "racional" na posição tomada por eles. Para não precisar me repetir, reproduzo o que escrevi recentemente sobre observação idêntica de Moacyr Scliar:
Tomemos o ponto de vista "científico, racional" na mesma acepção de Scliar - o equivalente da visão materialista. Desse ponto de vista, qual é a evidência que se tem do que há depois da morte?? A única resposta honesta é dizer - não temos nenhuma. Nem num sentido, nem no outro. Não há absolutamente nada de mais "científico" ou mais "racional" em acreditar que a morte é o fim absoluto. Trata-se de um puramente de um ato de crença.
Mas essa crença no nada não tem exatamente o mesmo sentido da crença religiosa, porque esta é a crença na palavra de Deus, com todo o peso das evidências trazidas pela Revelação. A crença no nada é apenas uma recusa de aceitar essas evidências.
Podemos voltar a citar a crítica de Brian Sewell, direto de onde paramos:
Ainda assim, o Sr. Parris claramente dá valor [à vida humana]. Primeiro, ele postula um universo sem Deus que é, basicamente, arbitrário e sem significado; depois ele atribui valor e significação a coisas contidas nele.
Mas por quê? Por que ele deveria dar a mínima? A resposta parece ser algum tipo de "fé" no aqui e agora que eu considero exatamente tão inexplicável quanto ele considera minha fé em milagres.
É fato que a crença no Juízo Final faz que a vida na Terra deixe de ser o valor supremo para o ser humano. O valor supremo passa a ser a salvação da própria alma - ainda que a custo de perder a própria vida. No cristianismo, essa salvação é misteriosa e inteiramente dependente da Graça divina, mas ela é, de alguma forma, relacionada à obediência aos mandamentos e à prática das virtudes. É justamente por isso que essa crença pode produzir fenômenos de heroísmo e santidade incompreensíveis para os que compartilham a mentalidade de Hawkins e Parris.
O ponto a notar é que, se a crença no paraíso, misturada com elementos de fanatismo assassino, pode levar as pessoas a cometer atrocidades, a descrença, também temperada com fanatismo assassino, pode igualmente produzir atrocidades iguais ou piores (e piores elas efetivamente foram, ao longo da História); mas só a crença no paraíso produz o tipo de heroísmo e santidade que surge quando as pessoas sabem que o triunfo ou fracasso neste mundo não tem importância e que o que efetivamente importa é aquele momento em que estaremos diante do Criador e teremos de perguntar, olhando em retrospecto nossa vida: "Fiz o suficiente? Fui fiel à dignidade que o Senhor me conferiu, ao me dar uma alma imortal?"
Lembrando um martírio
Por exemplo, no século III A.D., durante o reinado de Septimus Severus, a adesão ao cristianismo era punida com penas severas em todo o Império. Por esse "crime", uma jovem chamada Perpétua foi presa, em março de 203, junto com quatro acompanhantes. Perpétua era filha de um importante político pagão, que inúmeras vezes foi visitá-la no cativeiro para suplicar-lhe que não sujasse o bom nome da família e que se curvasse ao Imperador. Para livrar-se das torturas e do cativeiro, para salvar sua vida, ela só precisava apostasiar; ela só precisava abandonar o Cristo e aceitar os deuses pagãos; ela só precisava aceitar o Imperador como autoridade suprema. Mas ela sabia que a apostasia lhe salvaria a vida ao preço de perder-lhe a alma. E ela foi morta pelos leões do Imperador romano.
É claro que, se Santa Perpétua e todos os milhões de mártires conhecidos e desconhecidos da história da Igreja são modelos de conduta para os cristãos, eles são um exemplo de loucura para Parris e Hawkins. Mas nem em seus piores delírios anticristãos eles podem afirmar que esses mártires são os assassinos. É compreensível que eles não admirem os mártires, mas é absolutamente inadmissível que eles invertam os dados e transformem as vítimas em algozes.
Cristãos contra o Estado
É inadmissível, mas não é propriamente incompreensível. Existe um detalhe nessa mesma história de Santa Perpétua que talvez explique o desconforto que os mártires provocam nos ateus militantes e nos estatistas em geral - desconforto que chega ao ponto de fazê-los distorcer a própria noção de martírio (não custa lembrar: sofrer um martírio não é matar pela fé, é morrer por ela; nesse sentido, é óbvio que os terroristas não são mártires). Notem que Santa Perpétua, em última análise, foi morta em função de um ato de desobediência civil; ela recusou-se a se curvar à autoridade secular, porque fazê-lo significaria trair o verdadeiro soberano, trair a verdadeira Autoridade.
Esse é o ponto desagradável dos religiosos. Eles não aceitam o Estado como autoridade suprema, e, portanto, não estão inteiramente submetidos à "autoridade" dos intelectuais cortesãos que, representando o "consenso científico", guiam os governantes no "aperfeiçoamento das instituições" e na erradicação do mal no mundo.
Ora, quanta petulância! Não é à toa que os intelectuais, não satisfeitos com o banho de sangue do século XX, se esforcem para inventar um pretexto para matar mais alguns deles.
Lew Rockwell citou certa vez a afirmação de Tertuliano de que o Estado romano sempre culpava os cristãos por todos os males, mesmo os desastres naturais. "Não interessando o que acontecesse, surgia um brado - 'Mandem os cristãos aos leões! Morte aos cristãos!'" Quase dois milênios depois, o brado continua.
http://oindividuo.com/alvaro/alvaro81.htm