O Vazio
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"Quando se olha muito tempo para um abismo,
o abismo olha para você."F. Nietzsche
Por
Alexandre Cherman , Colunista da Revista CIÊNCIAONLINE (*)
Já foi dito por alguém mais eloqüente do que eu que, ao longo de todo o processo editorial, o único participante que tem que encarar o vazio é o escritor. Editor, ilustrador, fotógrafo, diagramador, revisor, todos partem de algo; o escritor parte do nada. Por "nada" entendia-se uma folha em branco, prontamente substituída, em tempos modernos, pela tela do computador. Se em condições normais de temperatura e pressão confrontar o vazio já é temeroso, substituir um colega que súbita e prematuramente se foi deste mundo é algo pior.
O colega é Eduardo Barcelos, arrancado do nosso convívio por um infeliz acidente. E por essas tristes vias, chegou a mim a responsabilidade de escrever a coluna. E por essas tristes vias, cabe a mim, agora, encarar o vazio.
Reconforta-me saber que o vazio não é tão vazio assim, e para isso apóio-me na Mecânica Quântica. Em 1927, o físico alemão Werner Heisenberg publicou um artigo explicando o que chamou de "princípio da incerteza". Heisenberg argumentou que, ao tratarmos do mundo microscópico, teremos sempre um certo grau de incerteza em nossas medições. Há certas grandezas que coabitam um certo espaço matemático e estão amarradas através dessa incerteza. O mais comum é ouvirmos falar do princípio da incerteza através da posição e da velocidade…
Posição e momento linear (que nada mais é do que a velocidade multiplicada pela massa do corpo que está se movendo) são grandezas físicas ligadas entre si através do princípio da incerteza de Heisenberg. Se eu sei a posição da partícula com 100% de acurácia, nada saberei sobre o seu momento linear (e, portanto, sobre sua velocidade). Ou seja, parece injusto, mas se eu sei onde a partícula está agora, nada saberei sobre para onde ela vai! Matematicamente, a relação é simples: a incerteza na medição da posição multiplicada pela incerteza na medição do momento angular jamais será zero; há um valor mínimo ( x. p constante).
Fisicamente, podemos entender essa afirmação da seguinte forma: imaginemos uma mesa de bilhar, completamente no escuro. Se quisermos saber a posição de uma bola de bilhar, basta iluminarmos essa bola e observarmos onde ela se encontra. Mas se em vez de uma bola de bilhar tivermos partículas microscópicas, o simples fato de jogarmos luz sobre ela fornecerá energia suficiente para que ela se movimente. Portanto, o ato de efetuar uma medição afeta o objeto sendo medido (algo que é verdadeiro tanto para a Mecânica Quântica quanto para a Antropologia… a chegada de um pesquisador à aldeia altera o modo como os nativos agem).
Em resumo: se sabemos onde o objeto está, não sabemos para onde ele vai. Se sabemos para onde ele vai, não sabemos onde ele está. O melhor que podemos almejar é saber cada grandeza de forma aproximada. Podemos falar de uma certa região do espaço onde a probabilidade de encontrarmos a partícula é grande, e podemos falar de direções preferenciais que a partícula pode seguir. Quanto menor a região do espaço (quanto maior a precisão espacial), maior o número de direções possíveis (maior a incerteza na velocidade). O ideal é firmarmos um compromisso entre as duas medições, de modo que possamos trabalhar com probabilidades, tanto nas posições quanto nas velocidades.
(Ao perceber que o princípio da incerteza de Heinsenberg transformava a Física em uma ciência probabilística - em oposição ao determinismo newtoniano -, Einstein rompeu com a Mecânica Quântica. Foi por essa ocasião que proferiu sua famosa frase: "Deus não joga dados com o Universo".)
Mas eu falava do vazio, e sobre como ele não é tão vazio assim. Uma vez entendido o princípio da incerteza, através das grandezas posição e momento linear, podemos investigar sua relação com outro par de grandezas: a energia e o tempo. Energia e tempo também obedecem ao princípio da incerteza ( E. t constante) e, portanto, não há como definirmos um ponto no espaço como sendo completamente vazio. Eu explico…
Dizer que um ponto no espaço é completamente vazio significa dizer que sua energia é zero em um certo instante de tempo. Sim, pois o vazio é a ausência de algo e esse algo pode ser matéria ou energia (lembrem-se da mais famosa equação da Física, E=mc2: energia e matéria são intercambiáveis). Ora, saber que em um dado instante temporal a energia de um ponto possui um valor específico (no caso, zero) é violar o princípio da incerteza. O que podemos dizer é que em um certo intervalo de tempo a energia de um ponto é nula. Mas quanto menor for o intervalo de tempo estudado (quanto maior for a precisão no tempo), maior será a incerteza em relação à energia.
Um determinado ponto aparentemente vazio pode, em intervalos curtíssimos de tempo, conter uma energia grande o suficiente para gerar, espontaneamente, partículas subatômicas. Quem sabe até gerar um Universo inteiro…
Em Física, não existe o vazio. E se não há o vazio, a tarefa do escritor fica muito facilitada. Até a próxima.
(*) Alexandre Cherman é astrônomo do Planetário do Rio, mestre em Ciências Físicas, autor dos livros "Cosmo-o-quê? Uma introdução à Cosmologia" (Fundação Planetário, 2000) e "Sobre os ombros de gigantes" (Jorge Zahar, 2004).
FONTE