Texto interessante.
Gazeta do Povo, 08/03/2004 - Curitiba PR
Indústria silenciosa.
Juliana Girardi "Consultoria em Metodologia Científica. Assessoria educacional. Digitação e pesquisa. Regras da ABNT".
É muito comum encontrar cartazes com os dizeres acima espalhados pelos
murais das universidades. O que muita gente nem imagina é que, por trás
desse tipo de serviço, esconde-se uma verdadeira indústria de trabalhos
acadêmicos. Há opções para todos os gostos e necessidades: dissertações,
artigos, resenhas de livros, pesquisas, monografias e até teses de mestrado
e doutorado. Basta explicar o tema e, é claro, pagar a quantia necessária. A
reportagem do Caderno do Estudante esteve em uma faculdade particular de
Curitiba e encontrou quatro anúncios de empresas que prestam "auxílio
acadêmico" aos alunos. Simulando o interesse de uma estudante de Comunicação
às voltas com uma monografia sobre o tema "História da comunicação
empresarial no Brasil e no mundo", a reportagem detectou que, dos quatro
contatos, três vendem trabalhos a estudantes.
Se, há algum tempo, os trabalhos eram feitos por colegas da própria classe,
que tinham necessidade de complementar a renda mensal, hoje existem empresas
especializadas na área. Não é preciso nem indicar referências
bibliográficas. Um dos estabelecimentos procurados pela reportagem conta,
inclusive, com uma equipe de professores freelancers que realizam as
pesquisas. Quanto mais complexa a produção, mais alto é o preço, que,
segundo essas mesmas empresas, pode variar de R$ 350 a R$ 5 mil. Mas, assim
como todo o resto, o pagamento também é facilitado, podendo até ser
parcelado, de acordo com negociação. Apesar de ilegal, é cada vez maior o
número de estudantes que procuram esse tipo de serviço, que têm como
princípio ético básico a discrição. "A empresa é sigilosa. O aluno não deve
comentar nada com seus colegas, nem com os professores", orienta a
funcionária de uma das firmas procuradas pela reportagem. E é graças a essa
procura que termos como indústria, negócio e mercado não soam exagerados
quando aplicados para designar esse "nicho". Fabricantes de notas - Um dos
principais motivos que leva um estudante a pagar por um trabalho acadêmico é
a falta de tempo - reclamação que Fernanda (por motivos óbvios, ela e os
outros entrevistados dessa matéria não quiseram revelar seus nomes
verdadeiros), 21, que faz trabalhos sob encomenda para complementar a renda,
já ouviu à exaustão. "As pessoas dizem que não têm tempo. Eu acho engraçado,
pois curso duas faculdades, tenho um emprego, faço os meus trabalhos e mais
os das outras pessoas. Acho que, na verdade, elas ficam é com preguiça",
analisa. Aluna de Letras-Português e Direito, Fernanda não faz parte do
esquema industrial de elaboração de trabalhos e sua produção pode ser
considerada caseira. Como é uma boa aluna, sem querer acabou sendo
procurada por colegas que andavam meio "sem tempo". E quando, no primeiro
período de faculdade, foi contratada por um deles para fazer todos os
trabalhos do ano, recebendo um salário mínimo por mês como pagamento, viu
que o negócio poderia render bons lucros. Hoje, a estudante conta com cinco
clientes fixos e vários esporádicos, que, de acordo com ela, só a procuram
"quando o calo aperta".
De tanto lidar com alunos, digamos assim, não muito aplicados, a jovem já
demonstra um forte tino comercial na hora de definir o preço dos serviços.
"Procuro fazer um equilíbrio entre quanto o cliente pode pagar, quanto quero
ganhar e quanto posso arriscar no preço. Mas tudo depende do tamanho da
vadiagem da pessoa. Há alguns realmente muito vagabundos, que vêm pedir
trabalhos precisando de notas bem altas. Aí eu cobro caro mesmo", conta.
Além da estratégia de preço, que pode variar de R$ 60 a R$ 200, Fernanda
também procura se antecipar quando os professores pedem as tarefas. "Faço os
meus trabalhos com bastante antecedência e, mesmo sem encomendas, já vou
fazendo outros, pois sei que quando está perto do prazo de entrega a galera
fica desesperada", explica. Como chega a fazer até cinco trabalhos sobre o
mesmo tema, para alunos da mesma turma, Fernanda desenvolveu uma técnica
para garantir a qualidade e assegurar que um não ficasse parecido com o
outro. "O que muda é o enfoque. Em um posso colocar uma notícia para dar uma
ilustrada, em outro insiro opiniões de profissionais do assunto. Vou
salpicando coisinhas diferentes em cada um", ensina. O resultado é, na
maioria das vezes, satisfatório para os clientes. Mas, de acordo com a
jovem, existem alguns professores que conhecem bem os alunos e sabem
reconhecer o estilo do texto e o desempenho de cada um - o que, às vezes,
acaba baixando a nota do trabalho feito por ela. "Imagino que os professores
percebam quando o aluno não é autor do trabalho. Mas eles não podem fazer
nada, pois não têm como provar. Então, o jeito é baixar a nota", observa. A
esperteza dos clientes, que preferem pagar para não ter trabalho, é superada
pela perspicácia de Fernanda, que só vê vantagens no que faz. "Ganho
dinheiro, tenho acesso a temas das minhas áreas pelos quais não me
interessaria normalmente e exercito estilo e linguagem. A vantagem é só
minha!", analisa.
Altruísmo remunerado - Com o mesmo intuito de Fernanda, a psicóloga
Caroline, 55, foi, durante os cinco anos de faculdade, uma fabricante
profissional de tarefas acadêmicas. Dessa época, restaram boas histórias.
"Tinha um grupo de três alunas da PUC-PR que encomendavam todos os
trabalhos. Um dia, elas vieram com a proposta de eu fazer o estágio exigido
pelo curso no lugar delas", lembra. A experiência de Caroline, que tinha
como especialidade teses de graduação, mestrado e doutorado, a permite
traçar um perfil dos consumidores assíduos de trabalhos sob encomenda. "São
pessoas que não querem ter esforço, preferem pagar. A maioria é de jovens,
estudantes de cursos diurnos em faculdades particulares, que não trabalham e
vivem às custas dos pais", dispara. Para a psicóloga, a falta de estímulo,
somada à preguiça e à conivência das instituições, são os fatores que
determinam a grande procura por esse tipo de serviço. "Na universidade
brasileira os professores fingem que cobram e os alunos fingem que fazem. Eu
já vi gente colocando frases do tipo 'Professor, se o senhor ler até aqui
ganha um brinde' no meio do trabalho e não acontecer nada. Passa batido",
critica. Algum tempo após o término da faculdade, Caroline, que ainda fazia
trabalhos sob encomenda, deparou-se com uma triste realidade. "Percebi que,
graças a mim, muita gente tinha títulos e eu ainda não. Na hora de concorrer
a uma vaga, ficava atrás dos meus clientes nas provas de titulação. Então,
vi que estava na hora de parar", conta. Hoje, Caroline está devidamente
titulada e aproveita toda a sua experiência na elaboração de teses,
prestando orientação para mestrandos.
Vadiagem total - A leitura de um livro grosso sobre um tema desinteressante
foi o motivo que levou a estudante de Comunicação Lúcia, 23, a arrancar um
dos folders do mural da faculdade pela primeira vez. "Tinha uma semana para
fazer uma resenha de livro e não estava nem um pouco a fim de ler", explica.
Por R$ 15, Lúcia se livrou da árdua tarefa e ainda por cima tirou 9,5 no
trabalho. Quando contou para os amigos, que haviam virado a noite terminando
a resenha, viu que o negócio era ter ficado calada. "Todo mundo queria o
telefone da garota. Mais tarde, ela chegou a fazer quatro trabalhos ao mesmo
tempo para colegas meus", conta.
Quem também descobriu o serviço foi o primo de Lúcia, que, por coincidência,
estudava na mesma sala da garota que fazia os trabalhos e passou a solicitar
encomendas constantemente. Tanto que Lúcia acabou ouvindo dele reclamações
do tipo "desse jeito vou ter que dar metade do meu salário para essa
menina". Até o fim da graduação, Lúcia chegou a encomendar aproximadamente
seis trabalhos, alguns com até um mês de antecedência, mas sempre tomando
alguns cuidados no caso de ser pega. "Eu lia todo o trabalho e tirava uma
cópia para mim. Se algum professor desconfiasse e viesse me perguntar sobre
o conteúdo, saberia o que responder", explica. Desonestidade à parte, Lúcia
está formada e garante que ainda não precisou de nenhum dos conteúdos que
comprou. "Era tudo teoria. Se precisar de alguma coisa, tenho os livros em
casa", afirma. Quando questionada sobre o motivo que a levou a comprar
trabalhos, sinceridade é o que não falta. "Vadiagem total!", diverte-se.
