Autor Tópico: O corpo e o espírito  (Lida 598 vezes)

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Rhyan

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O corpo e o espírito
« Online: 18 de Janeiro de 2006, 19:25:59 »
    O corpo e o espírito
    por João Nemo em 18 de janeiro de 2006

    Resumo: Uma derrota circunstancial do PT, porque os eleitores convenceram-se de que são “farinha do mesmo saco” ou, ainda, mais ladrões que os outros, pode ocorrer deixando intactos dois terríveis problemas de fundo: o aparelhamento público e o paradigma conceitual e ideológico intocado.

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    Comecemos a falar a respeito da saída de Lulla. Embora a oposição esteja atingindo requintes inimagináveis em matéria de bons modos, é quase absurdo pensar que o Apedeuta venha a emplacar um novo mandato. Continuo afirmando que o povo é muito menos idiota do que os políticos costumam acreditar e, além disso, há certo tipo de pesquisas eleitorais que, na verdade, não significam absolutamente nada. Lembro-me que quase tive um ataque quando, cerca de um ano antes das eleições para a Prefeitura de São Paulo, políticos “profissionais” do PSBD e do PFL garantiam que Marta Suplício era praticamente imbatível. Eu dizia que era vulnerável, fácil de desestabilizar e de ser derrotada por uma candidatura para valer. O estigma de “Martaxa”, o beicinho de garota mimada conservado no Botox e o papel de padroeira dos “gays”, pode atrair artistas e dar prestígio entre intelectualóides pedantes, mas não ajuda a ganhar votos do grosso da população. O perfil “gerentão” sempre funciona para prefeito e nisso, mesmo o indigesto José Serra, superava com folga a dondoca do Sion. Apoio da Rede Bobo e um rio de dinheiro ajuda, mas de forma alguma é suficiente para ganhar eleição. Todos deviam ter aprendido isso, pelo menos desde a antológica derrota de Fernandô Henriquê para Jânio Quadros. Mesmo que Deus, afinal, não seja mesmo brasileiro, se não estiver com muito ódio de nós, Lulla sairá no fim do ano que vem. Há risco de que não seja assim? Infelizmente há, mas é difícil. Seria preciso que as oposições superassem o seu próprio recorde de incompetência.

    Substituir Lulla, nem que seja por outra nulidade qualquer, já poderia ser algum lucro, mas é insuficiente. Uma derrota circunstancial do PT, porque os eleitores convenceram-se de que são “farinha do mesmo saco” ou, ainda, mais ladrões que os outros, pode ocorrer deixando intactos dois terríveis problemas de fundo: o aparelhamento público e o paradigma conceitual e ideológico intocado.

    O primeiro problema é bastante evidente e de fácil entendimento. O “Partido da Boquinha”, na definição do Senhor Garotinho (com licença da contradição) já entranhou todo o serviço público de tal maneira que o teremos contaminado por décadas. Isso não começou agora. Não é à toa que os sindicatos de funcionários são maciçamente “cutistas” há muito tempo, mas com esse governo a coisa atingiu e ainda atingirá os píncaros. Duvido que não haja pelo menos uma tentativa, provavelmente marota, de incorporar estatutariamente mais uma legião antes do fim do mandato. Como se pode ver, o sorridente demagogo fluminense deu a sua contribuição, pela perspicácia que ninguém lhe pode negar, para uma melhor compreensão do figurino político petista. Seja quem for o próximo governante, não poderá evitar a dificuldade de comandar uma nau onde grande parte da tripulação abriga outras lealdades que não as formais e onde os sindicatos adquiriram o direito de fazer greves infindáveis, remuneradas e sem correr qualquer risco. Já vi casos em que o funcionário leva para casa as chaves dos laboratórios, por exemplo, impedindo quem quer que seja de usá-los, como se fossem de sua propriedade. Repasse permanente de informações íntimas do sistema, resistência passiva e sabotagem, não serão coisas a estranhar e é necessária muita sabedoria, estratégia e firmeza para poder lidar com isso.

    Muita gente não entende como os petistas podem estar no governo e, ao mesmo tempo, verbalizar críticas como se oposição fossem. Atribuem isso apenas ao costume e à safadeza. É claro que existe a força do hábito e, também, a safadeza, mas há algo mais: estão no governo, mas não no tipo de governo que gostariam. Estão no poder, mas não no tipo de poder que almejam. Os poderes da República, as instituições e tudo o mais, não respondem como desejariam ao projeto de encabrestamento, demolição, reconstrução e concentração decisória pretendida. Ainda há dificuldades e entraves para modelarem o mundo à sua imagem e semelhança. Assim, têm mesmo queixas e insatisfações em relação ao desempenho do governo no seu aspecto impessoal, principalmente aqueles que estão um pouco mais distantes dos cargos relevantes ou, então, como o próprio Apedeuta, ocupam o centro do poder, mas têm que conjugar insatisfação com a necessidade tática de vender uma paisagem otimista.

    Seja quem for o próximo governante, encontrará o caos na máquina oficial e, quando seria necessário reduzi-la e ganhar eficiência, talvez só consiga melhorá-la, em diversas áreas, sobrepondo mais uma camada sobre a massa de pessoal já existente. Em outras, quem sabe, tentando remotivar funcionários desiludidos. De qualquer modo, um trabalho impossível de fazer da noite para o dia mesmo em organizações privadas, que se dirá no “estatossauro” nacional.

    O segundo problema, como se esse já não fosse imenso é, ainda, mais amplo, mais profundo e não se restringe ao PT. Faz o primeiro parecer até gerenciável. É que, na verdade, o universo conceitual que domina os corações e mentes dos brasileiros foi tão deformado, que a grande maioria e mesmo alguns ferrenhos adversários nominais dos socialistas e socializantes, só conseguem argumentar através das categorias lingüísticas e teóricas deles. Até gente que se diz oposição afirma coisas do tipo: o PT traiu seus ideais; frustrou as esperanças do povo mais humilde, etc. Ora, o “povo mais humilde”, as pessoas mais simples e até analfabetas, sempre acharam que para ser Presidente da República era preciso ter estudo e, de preferência, ser bastante capaz. Quem sonhou com um operário inculto dirigindo a Nação, sem nunca ter administrado nem uma banca de frutas, foram os ditos intelectuais e mais uma porção de artistas. Além de gostar de miséria, como diria Joãozinho Trinta, parece que intelectual que se presa também curte incompetência. Acabaram conseguindo o objetivo numa eleição com opções deploráveis. Em 2002, dadas as circunstâncias e largas conivências com o engodo, o país decidiu jogar roleta russa e se não fosse a providencial defecção de um mercenário, talvez detonasse o coco de vez com mais um mandato.

    As pessoas, candidamente, continuam acreditando que a solução está, obrigatoriamente, no Estado. Não enxergam que este tornou-se mais aliado dos problemas que das soluções. O exemplo mais evidente desse “nonsense” é perceptível sempre que vem ao cume um episódio de corrupção qualquer ou mesmo quando alguma coisa, seja ela qual for, simplesmente não funciona. Depois de um pouco de falação, o diagnóstico e a saída proposta é sempre a mesma: precisamos mais fiscalização. É curioso, porque é justamente nos sistemas de fiscalização e outros veículos de coerção social que as dificuldades são criadas e o mercado de facilidades viceja. Não há corrupção e, talvez, nem haja crime organizado digno desse nome que não envolva o aparato fiscal e repressor e não tire proveito da sua complexidade, quando não da conivência. É claro que não estou propondo a eliminação de toda e qualquer fiscalização, mas esta só poderá ser eficaz onde haja muita transparência, os procedimentos sejam simples, as regras claras, predomine o auto-controle do sistema e a responsabilidade de cada um pelo que faz, com seu méritos, deméritos e conseqüências. Em outras palavras, passemos a adultos e evitemos criar frestas e labirintos para esconder malandros; transgredir seja exceção e não regra; haja mais fé em punição que em complicados aparelhos de prevenção que custam um absurdo, ganham vida própria e só servem para atormentar inutilmente a todos. Na imaginação dos brasileiros hoje, governo bom seria aquele capaz de controlar todo mundo. Na cabeça do nosso alto empresariado, o governo ideal seria um “parceiro” todo poderoso ao qual tenham acesso garantido e privilegiado, como requer a elevada importância da sua atividade. Seria ter o Estado moldando e avalizando as regras necessárias para obter sucesso sem correr risco.

    Nos jornais, nas entrevistas especializadas, os comentaristas falam como se a economia acontecesse no governo e não na sociedade. A parte ativa da economia parece desenrolar-se toda nos Ministérios, no Banco Central, Conselho Monetário, Fundos etc. O trabalho, o consumo e a poupança das pessoas, das famílias, das empresas de variado porte, dos proprietários e empreendedores, comerciantes, industriais e prestadores de serviços, autônomos e profissionais em geral, é mero detalhe aparentemente pouco relevante para determinar os macro-indicadores. O PIB recua, a carga tributária avança, mas a economia, segundo tais análises, está indo muito bem, obrigado. Resta saber aonde nos levará esse caminho.

    O atual governo, além de contribuir com as bandalheiras de sua própria lavra, exacerbou tudo de pior que já havia, mesmo embrionariamente, no caráter nacional. Por um caminho ou outro, vem submetendo aos ditames politicamente corretos dos estatólatras, não só o ensino, que já ia avançado nesse caminho, mas, também, a filantropia, o mecenato e outras expressões desejáveis de uma sociedade com vida própria. Não se perde uma oportunidade para estimular a inveja e o ressentimento. Em discurso recente, salvo engano, feito em Montes Claros, escutei o Apedeuta dando uma “clínica” sobre vários assuntos, inclusive odontologia e tratamento de canal: “agora não é só rico que vai pudê tratá us dente”, prometia. Em torno, um punhado de áulicos e bajuladores riam admirados da performance do grande líder.

    Aproveitando a deixa odontológica, eu digo que extrair o corpo, simbolicamente representado pelo Presidente, é para este ano. Mas como extrair essa mentalidade doente, esse espírito que nos paralisa, nos remete à ignorância e nos infelicita? Isso leva mais tempo e exige líderes que ainda não despontaram.[/list:u]

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