FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Coordenação divulga números confusos sobre valores recebidos e custos para a realização do encontro
Fórum não esclarece como é financiado
RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
A coordenação local do Fórum Social Mundial em Caracas divulgou ontem números confusos sobre os valores já recebidos para o financiamento do evento e sobre os custos estimados.
Pelos valores fornecidos, o governo de Hugo Chávez já destinou ao fórum uma quantia maior do que os gastos operacionais estimados até o final do encontro -sem contar o patrocínio de empresas venezuelanas como a PDVSA (a estatal Petróleos de Venezuela), o empréstimo de salas do governo e a utilização pelo fórum de funcionários do Estado.
Questionado pelos repórteres durante uma entrevista coletiva, o coordenador de comunicação do grupo facilitador local, Julio Fermin, afirmou que os custos operacionais estimados são de cerca de US$ 50 mil -valor bastante inferior aos cerca de R$ 4 milhões despendidos no fórum do ano passado no Brasil. Ele acrescentou, no entanto, que aí não estavam incluídos os "patrocínios" de empresas, a maioria deles vindos do próprio governo, e que não tinha como fornecer valores consolidados naquele momento.
Ainda segundo Fermin, o governo Chávez contribuiu com US$ 69 mil para a fundação que administra os recursos financeiros do fórum. Organizações internacionais teriam contribuído com US$ 100 mil.
A transparência que faltou na comunicação dos valores à imprensa também se reflete no interior do fórum, pelo menos até agora. Integrantes do Conselho Internacional, principal comitê do fórum, não sabem estimar os custos e os valores recebidos até esse momento. O empresário Oded Grajew, membro do grupo, disse que os números serão conhecidos, já que o conselho receberá essas informações.
Num fórum que, pelos números fornecidos, é financiado de maneira praticamente integral pelo governo Chávez, integrantes do Conselho Internacional já questionam a autonomia do encontro.
O brasileiro Cândido Grzybowsky, do conselho e do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), em entrevista ao diário venezuelano "El Universal", afirmou: "Em Caracas, seremos quase totalmente dependentes de Chávez, o que restringe nossa capacidade para ter um discurso autônomo".
Questionado sobre o valor estimado de gastos, Grajew, que participou da organização dos fóruns no Brasil, afirmou que "o governo deve ter dado mais, não em dinheiro". Depois, enumerou as ajudas em fornecimento de infra-estrutura e funcionários. Disse crer que naquele momento de fato faltava transparência, mas que os valores seriam esclarecidos.
Questionado se teme pela independência do fórum, Grajew, que havia dito ver problemas na participação de membros do governo no comitê local, disse: "Tudo serve como aprendizado. Faremos certamente um balanço depois".
Com broche de Chávez, Dirceu marcha no fórumDO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
Até o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT-SP) aderiu ontem ao tom "chavista" da marcha de abertura do 6º Fórum Social Mundial. Com um broche do presidente venezuelano, Hugo Chávez, no peito, Dirceu recebia cumprimentos e tirava fotos com muitos do grande número de brasileiros presentes ao encontro.
Acima da foto de Chávez, no broche, podia-se ler: "Contra o imperialismo".
Além dele, muitos petistas levaram a bandeira do partido durante a passeata, que teve a participação prevista de 100 mil pessoas, segundo a organização do fórum.
Muitos dos venezuelanos presentes faziam parte de alguma organização do Estado e traziam camisas vermelhas que os identificavam como pertencentes à prefeitura de Caracas -"Com Chávez, um só governo"- ou a missões culturais e sociais montadas pelo governo da Venezuela.
Fermin Guerrero, 24, da Frente Bolivariana Francisco de Miranda, disse que bolivarianos (que são apoiadores de Chávez) vieram do país inteiro para participar da abertura do fórum.
Entre gritos pró-Palestina, anti-Bush e anti-imperialismo -"ola, ola, ola, fuera coca-cola"-, os tradicionais militantes do fórum, como movimentos de minorias e sindicatos, também carregavam faixas e cartazes.
Num deles se lia: "Se os padres engravidassem, o Vaticano distribuiria anticoncepcionais".
No final da marcha, manifestantes assistiram a uma apresentação da orquestra da Petrobras. (RC)
O PRÓ-CHAVISMO
Americana que teve filho morto na Guerra do Iraque condena governo Bush
Chávez é herói, diz militante dos EUADO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
A militante americana contra a Guerra do Iraque Cindy Sheehan, 48, principal destaque da passeata contra o imperialismo realizada ontem em Caracas, capital da Venezuela, disse à Folha que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, é seu "herói", por ter tido a coragem de enfrentar o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.
Sheehan, cujo filho Casey, de 24 anos, foi morto no Iraque em abril de 2004, apenas cinco dias depois de chegar ao país, tornou-se o principal emblema do movimento americano contra a guerra ao montar acampamento em frente ao rancho do presidente Bush, no ano passado.
Folha - Por que a sra. decidiu vir ao Fórum Social Mundial?
Cindy Sheehan - Fui convidada por uma organização americana. Creio que essa reunião mundial é extremamente importante, porque todos temos que trabalhar juntos para promover a paz e a justiça. E também sempre quis vir à Venezuela e conhecer Hugo Chávez, que é um dos meus heróis.
Folha - Por quê?
Sheehan - Porque ele é independente e quer permanecer independente dos EUA. Não creio que haja nada de errado com isso. Ele está no seu país e deveria poder fazê-lo com o apoio das pessoas que ele governa. Ele não tem a obrigação de ser subserviente aos Estados Unidos.
Folha - A sra. já tinha ouvido falar do fórum?
Sheehan - Não antes de eu ser convidada, não. Sou relativamente nova nesse tipo de atividade. Faço isso desde que meu filho morreu.
Folha - E Chávez? A sra. já o conhecia?
Sheehan - Ah, sim. Não creio que o meu país tenha nenhum direito de se meter na política de outros países e no modo como eles são governados.
Folha - Por que a sra. resolveu protestar?
Sheehan - Não foi algo que eu tenha escolhido. Algumas semanas depois que meu filho morreu, eu quis expor às pessoas as mentiras que o governo do meu país conta sobre a guerra, e também quis por uma face humana nas questões ligadas à guerra.
FOLHA DE S. PAULO