Autor Tópico: Reflectindo de Forma Islâmica  (Lida 2571 vezes)

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Pug

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Reflectindo de Forma Islâmica
« Online: 07 de Fevereiro de 2006, 17:03:58 »
Reflectindo de Forma Islâmica

Por: M. Yiossuf Adamgy (Director da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán)

Enquanto que, uma vez mais, os Muçulmanos auto-permitem-se cair na ratoeira reaccionária que lhes foi montada, confirmando, assim, a tese dos cartoons ofensivos, ao reagirem furiosa e violentamente, consideremos preferível reflectir sobre a súplica do Profeta (s.a.w.), proferida nos primórdios do Islão, em Taif. Esta é a súplica (duá) por ele proferida, com as sandálias cobertas de sangue, feridas espalhadas pelo corpo e terrivelmente insultado, caluniado e ridicularizado pelos habitantes de Taif. O mais importante a reter, é que isto teve lugar após um longo boicote de três anos sofrido às mãos dos Coraichitas, em consequência do qual os Muçulmanos viram-se obrigados a comer erva e a viver em árvores.

O que foi dito pelo Profeta (a paz esteja com ele), ao abandonar a cidade de Taif:

“A Oração de Taif”

“Ó Allah! A Ti me queixo da minha fraqueza,
Da minha falta de recursos e da humilhação a que fui sujeito.
Ó Todo-Misericordioso para com aqueles que são misericordiosos;
Ó Senhor dos fracos e meu Senhor também.

A quem me confiaste Tu?
A uma pessoa distante, que me recebeu com hostilidade?
Ou a um inimigo, a quem concedeste poderes sobre aquilo que é a minha missão?
Nada me preocupa, desde que não estejas zangado comigo.

A Tua protecção é o que eu tenho de mais precioso.
É sob a luz do Teu Rosto que procuro refúgio,
Esse Rosto que faz com que toda a escuridão se dissipe
E regula todo e qualquer assunto deste e do Outro Mundo.

Receio ter-Te desagradado e que a Tua fúria recaia sobre mim.
É meu desejo agradar-Te e satisfazer-Te.
Não existe outro poder para além do Teu,
E ninguém é tão poderoso como Tu”.

Se aqueles que afirmam amar tanto o(s) Profeta(s), ao ponto de estarem dispostos a infringir o comportamento profético devido à raiva e à fúria cega que sentem, reflectissem um pouco a respeito desta oração, isso seria para eles uma luz orientadora e uma indicação clara de como um Muçulmano deve agir face à actual situação. Este é também o único caminho que permite a almas e corações atormentados encontrarem a paz, pois não será em piquetes ou em manifestações exageradas e com violência que a encontrarão. Tais actos não podem e não devem ser usados como métodos para a clarificação da nossa reverência para com o sagrado e o divino.

A quem foi que o Profeta (s.a.w.) disse o seguinte: “O Islão nada mais significa, a não ser possuidor de um bom carácter?”.

Estamos a readoptar às normas tribais pré-Islâmicas, as quais defendiam a vingança e a retaliação, quando devíamos encarar o sucedido como uma oportunidade para alterarmos a nossa maneira de sentir e agir, seguindo o exemplo do nosso bem amado Profeta, que se manteve calmo e compassivo face ao ódio e à inimizade de que era alvo.

Estaremos nós a ceder ao pior dos pecados, que é a violência gerada pela falta de esperança? Isto quando devíamos seguir o exemplo do Profeta (s.a.w.), que nunca a perdeu? E que, já fora de Ta’if, respondeu da seguinte forma: “Não, espero que um dia este povo adore a Allah somente”, quando o Anjo, em resposta à sua súplica, se ofereceu para destruir todas as montanhas em redor da cidade, reduzindo-a a pó?

A menos que possuamos a calma e a consciência do Profeta (s.a.w.) de Allah, segundo a qual, todo e qualquer acontecimento, favorável ou não, é representativo da oportunidade de fortalecermos o relacionamento que mantemos com Deus, continuaremos a ser vítima de todo e qualquer estratagema ou truque.

Em lugar de reagirmos com violência e fúria, deveríamos intensificar o nosso trabalho na partilha da bonita e misericordiosa mensagem do Islão, especialmente agora, que o Profeta (s.a.w.) é notícia nos meios de comunicação em massa. Permitamos que a oração proferida pelo Profeta (s.a.w.) em Taif seja publicada em jornais Europeus, como exemplo da sua magnanimidade e paciência.

Violência, ameaças de morte e fúria servem apenas para denunciar a falta de confiança no poder e na luz do Sagrado; confiança, essa, perfeitamente ilustrada pela experiência do Profeta (s.a.w.) no jardim exterior a Taif, quando pessoas que ouviram a sua oração sentiram-se movidas a aderir ao Islão. Além disso, e após este incidente, quando regressava a Meca, muitos que haviam ouvido a recitação do Alcorão por parte do Profeta (s.a.w.), aquando da sua oração nocturna, converteram-se também ao Islão. E, pouco depois da sua oração nocturna, o Profeta (s.a.w.) ascendeu ao Céu. De facto, após a tempestade vem a bonança.

Contudo, com o anúncio ontem feito por eminentes eruditos do Islão, intitulado “Um Dia de Ofensas”, receio que nada mais sejamos, a não ser sabotadores. Porque não “Um Dia para Recordar o Profeta”, ou “Um Dia de Características tremendamente Proféticas”? Porque não ”Um Dia da Oração de Taif”?

Dado o momento que vivemos, recomendo que façamos circular “A Oração de Taif”, a qual servirá como antídoto de toda a loucura e veneno do turbilhão emocional a que assistimos. E manifestemos sim, forte e firmemente, o nosso protesto. Mas dentro da lei.

Que Allah nos oriente para aquilo que é justo e nos conceda a sorte imensa de olharmos os nossos inimigos como se de amigos chegados se tratassem (ver Alcorão, 41:34–36), e aos quais temos o dever de transmitir o amor e a mensagem de Allah e do Seu Profeta (s.a.w.). Ámen.

«Jamais poderão equiparar-se a bondade e a maldade! Retribui (ó Mohammad) o mal da melhor forma possível, e eis que aquele que nutria inimizade por ti converter-se-á em íntimo amigo!
Porém a ninguém se concederá isso, senão aos tolerantes, e a ninguém se concederá isso, senão aos bem-aventurados.
Quando Satanás te incitar à discórdia, ampara-te em Deus, porque Ele é o Omniouvinte, o Omnisciente.» — Alcorão, 41:34–36.

Offline Marcelo Terra

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #1 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 17:15:30 »
Pra que isso?

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #2 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 17:25:11 »
Desmistificar

Offline Stéfano

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #3 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 17:41:20 »
"Alternative and mainstream Medicine are not simply different methods of treating ilness. They are basically incompatible views of reality and how the material world works." Arnold S. Relman

Offline uiliníli

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #4 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 17:53:26 »
Muito bom. É bom ver que existe auto-crítica dentro do islamismo.

Mas Pug, é impressão minha ou no Oriente Médio os liberais não têm muita força política?

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #5 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 18:14:01 »

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #6 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 18:18:15 »
Muito bom. É bom ver que existe auto-crítica dentro do islamismo.

Mas Pug, é impressão minha ou no Oriente Médio os liberais não têm muita força política?

Minha impressão é idêntica, os passos dados são muito tímidos, mas são dados, incluíndo Arábia Saudita.

Os países menos propicios a mudanças são precisamente os que mantêm um conflito com Israel/EUA, como Síria e Irão.

Se Israel devolvesse os montes golan, seria um problema a menos no MO, afinal Israel devolveu o sinai ao Egipto.
Problema é que a Síria e Israel não se entendem sobre a linha de fronteira.
« Última modificação: 07 de Fevereiro de 2006, 18:20:45 por Pug »

Offline uiliníli

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #7 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 18:20:58 »
O que você acha da Turquia, Pug, a sua tentativa de se integrar à União Européia está a tornando um país melhor, no sentido de ser mais democrático, mais liberal, mais tolerante? Ou não?

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #8 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 18:41:39 »
O que você acha da Turquia, Pug, a sua tentativa de se integrar à União Européia está a tornando um país melhor, no sentido de ser mais democrático, mais liberal, mais tolerante? Ou não?

Totalmente, seria um erro crasso recusar a entrada da Turquia na UE.
Minha posição pode parecer suspeita hehe.

A Turquia tem feito enormes esforços para preencher os critérios pedidos para a sua inclusão na UE, mudanças no seu sistema juridico,( questão tortura, pena de morte, direitos das minorias..) diminuir o peso do exercito.
Tudo feito por um  partido conservador ( islão)

A Turquia não é muito uniforme como nação, uma pessoa que visite Istambul pensa estar na europa,não falo geograficamente, mas no modo de vida,  o resto do país mostra outra realidade...

Mesmo assim temo que a xenofobia europeia a vá manter por muitos anos fora da europa, espero que os turcos sejam pacientes, e continuem as reformas, é preferível fazer-se as coisas no tempo certo...
« Última modificação: 07 de Fevereiro de 2006, 18:44:19 por Pug »

Offline Perseus

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #9 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 18:55:42 »
Gostei do texto.. álias, algo que falta aqui no Ocidente, é gente com capacidade de pensar como um Islâmico.

Afinal, meter o pau é facilississimo. Qualquer um faz a qualquer momento... mas conseguir entender o que passa na cabeça dos muçulmanos em geral... acho que vi apenas uma coluna dejornal uma única vez que abandonasse o status quo e tentasse fornecer outro ponto de vista... acho que foi do Carlos Heitor Cony, na Folha..
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Offline uiliníli

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #10 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 19:03:50 »
Mas então o que você acha que levou a Turquia nesse caminho, Pug, seria simplesmente a questão econômica de ser beneficiada pelo ingresso na UE ou poderia ser uma questão cultural que faz da Turquia mais propícia a aceitar um regime democrático e quem sabe até laico do que o resto do Oriente Médio? Em outras palavras, o que está dando certo na Turquia que não deu em outros países da região?

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #11 Online: 07 de Fevereiro de 2006, 19:36:37 »
Turquia surge com o fim do império Otomano, tratava-se de uma potência europeia, readaptou-se á sua nova condição de largar seu império...

O médio oriente viveu essencialmente ocupado e governado por uma força estrangeira durante os últimos séculos, e até as nações que existem hoje foram desenhadas pela europa...

penso que explicação deve andar por aí, questão histórica...

no fundo isto serviu para dizer que não faço a minima ideia hehe, mesmo se o que digo deva ser parte da explicação.
« Última modificação: 07 de Fevereiro de 2006, 19:38:48 por Pug »

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #12 Online: 08 de Fevereiro de 2006, 07:15:10 »
Acrescentado...

MO, passa por um periodo em que busca sua identidade, as sociedades estão um pouco como no periodo pré-islamico, divididas segundo conceitos algo tribais, o que o islão unificou, hoje por circunstâncias da história voltaram a épocas remota...

Misto de uma sociedade arcaica com a modernidade, que acaba gerando a confusão aos olhos dos ocidentais...

Offline uiliníli

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #13 Online: 08 de Fevereiro de 2006, 13:27:35 »
E o pior é que a Europa tem a sua parcela de culpa...

Offline Pregador

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #14 Online: 09 de Fevereiro de 2006, 11:26:43 »
Uhm, uma coisa que eu acho muito interessante que contribuiu para a Turquia se relacionar mais com o ocidente foi eles terem adotado o alfabeto usado no ocidente abcde... Isso ajudou muito a aproximar culturalmente a Turquia.
"O crime é contagioso. Se o governo quebra a lei, o povo passa a menosprezar a lei". (Lois D. Brandeis).

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #15 Online: 09 de Fevereiro de 2006, 16:11:59 »
A Grécia não usa o alfabeto latino e está na UE.

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #16 Online: 09 de Fevereiro de 2006, 19:28:29 »

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #17 Online: 09 de Fevereiro de 2006, 19:32:20 »
Principios no islão para uma sociedade democrática (no limite até laica).

shura (consulta)

itijahd (argumentação independente)

ijma (consenso)

injonção corânica de que não existe compulsão em matéria de religião.




Offline Marcelo Terra

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #18 Online: 11 de Fevereiro de 2006, 08:46:07 »
Uhm, uma coisa que eu acho muito interessante que contribuiu para a Turquia se relacionar mais com o ocidente foi eles terem adotado o alfabeto usado no ocidente abcde... Isso ajudou muito a aproximar culturalmente a Turquia.

Obrigado por me avisar que o alfabeto usado no ocidente é aquele que usa as letras 'abcde...' :?

O ENCOSTO

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #19 Online: 11 de Fevereiro de 2006, 14:56:43 »
Principios no islão para uma sociedade democrática (no limite até laica).

shura (consulta)

itijahd (argumentação independente)

ijma (consenso)

injonção corânica de que não existe compulsão em matéria de religião.





Bacana PUG.

Conta ai para o pessoal como o islã encara o relacionamento gay?

Penso eu que em uma sociedade laica, deus não preve nenhuma punição para casais gays não muçulmanos. É isso mesmo?

Tem algum link lá do forum portugues para nos ajudar? Se achar melhor, eu mesmo posso postar o link de um debate que tive com o male.


Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #20 Online: 13 de Fevereiro de 2006, 08:51:59 »
Entrevista: Tariq Ramadan
Chega de destruição

O filósofo muçulmano diz que
a ponte entre o Ocidente e o Islã
é possível e desejável


Antonio Ribeiro, de Londres

Se o Islã fosse um califado, o terrorista Osama bin Laden teria hoje o turbante mais alto. Mas, se dependesse da pureza da linhagem, o acadêmico suíço Tariq Ramadan poderia, perfeitamente, reivindicar o comando. Ele é neto do egípcio Hassan al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana, o primeiro movimento de renascimento islâmico, fonte inspiradora do terror em nome de Alá. Seu pai, Said, um dos fundadores da Liga Mundial Islâmica, foi expulso do Egito e se refugiou na Suíça. As armas de Ramadan são as idéias. Ele é autor de vinte livros que projetam sua visão reformista de um mundo muçulmano integrado aos valores liberais do Ocidente. Professor de filosofia européia e estudos islâmicos no Saint Antony's College, em Oxford, na Inglaterra, ele transformou-se em guru dos jovens muçulmanos europeus. Ramadan está proibido de pisar numa meia dúzia de países árabes e também nos Estados Unidos. Na semana passada, enquanto multidões saíam às ruas em vários países em protesto contra a publicação das caricaturas de Maomé, Ramadan, 43 anos, entrou num café em Ealing Broadway, em Londres. Pediu um cappuccino e conversou com VEJA.   

Veja – O mundo seria melhor se os conflitos entre povos e nações fossem resolvidos por meio de guerras de caricaturas?
Ramadan – Caricaturas e humor dependem da realidade de cada um. Certas coisas são universalmente engraçadas, outras não. Devemos ter cuidado com aquilo em que achamos graça. Num universo de tantas referências, algumas pessoas podem não achar graça nenhuma em determinado assunto. Os muçulmanos não estão habituados a fazer piada com religião. Por outro lado, os países ocidentais estão acostumados com isso há pelo menos três séculos. Um mundo melhor seria aquele em que todos nós, sendo razoáveis, escutássemos uns aos outros, e não se tentasse impor aos outros o nosso senso de humor.

Veja – As charges de Maomé deveriam ser publicadas?
Ramadan – Do ponto de vista legal, sim. No contexto de nossas sociedades cada dia mais pluralistas, com diferentes sensibilidades, eu diria que não é sábio publicá-las. Liberdade de expressão exige responsabilidade. É preciso ser razoável. Diga o que você tem a dizer, sem ofender as pessoas. Na Europa, os jornais não ferem a sensibilidade dos judeus. Por quê?   

Veja – Como determinar o que é sábio publicar?
Ramadan – Existem a letra fria da lei e o cotidiano das pessoas. São coisas distintas. A discussão começou na Dinamarca, entre jornalistas. Alguns achavam que as caricaturas deveriam ser publicadas, outros que era pura provocação. Quando a provocação vai gerar reações exageradas? Se alguém disser que esses parâmetros são subjetivos, que tudo deve ser baseado na lei, estará certo. Mas a vida é assim?

Veja – O que o senhor quer dizer com isso?
Ramadan – A vida nunca é uma questão de escolher entre o sim e o não. Isso é uma visão binária do mundo, da qual discordo. Porque sou livre, faço o que quero. Então faça, e você terá o confronto. Do lado dos muçulmanos, porque é proibido, não faça. Essa atitude preta ou branca é perigosa. Não conduz as pessoas ao diálogo, mas à disputa por poder. Essas questões são uma projeção da vida, merecem respostas com nuances.

Veja – As referências não devem ser claras?
Ramadan – Convivemos com pessoas que não dividem os mesmos valores e sensibilidades. O que devemos fazer? Eu ou você? Eu contra você? O que precisamos é de conhecimento mútuo. Se eu não sou igual a você, nós precisamos nos conhecer. Uma sociedade democrática nunca irá reduzir o convívio das pessoas apenas ao aspecto legal. A Europa tem valores intocáveis. Quem for viver aqui deverá respeitá-los ou estará ferindo a consciência européia. Costuma-se fazer piada na Europa e nos Estados Unidos com o sofrimento judeu? Não. E concordo plenamente que não se deve fazê-lo, mesmo que seja legalmente permitido. A precaução intelectual quando se abordam questões sensíveis é o ponto de partida do humanismo.

Veja – Quais são os limites a ser respeitados quando se fala em liberdade de expressão?
Ramadan – É preciso respeitar a sensibilidade coletiva. O problema é que muitos europeus notaram que o continente onde vivem mudou, tornou-se ainda mais diverso do que já era. Não é mais possível encarar o Islã como algo estrangeiro. Veja o meu caso. Como muitos filhos de imigrantes, sou europeu e muçulmano. Portanto, a liberdade de expressão deve respeitar também a sensibilidade muçulmana. Ao mesmo tempo, digo aos muçulmanos, tomem uma atitude crítica e intelectual diante da realidade, não reajam apenas emocionalmente. Eles devem levar em conta que os europeus viveram de acordo com essas regras durante séculos.

Veja – Muitos europeus temem que os muçulmanos não estejam atrás de respeito, mas de submissão?
Ramadan – Por que submissão? Quem pensa assim não tem confiança em si próprio. É medroso, sua atitude não emana do orgulho, mas do medo. "Esses caras estão colocando minha identidade e valores em risco." Eu falo em convivência, em viver juntos. Estou interessado em construir pontes entre as pessoas, para criar um futuro comum.

Veja – A reação muçulmana às caricaturas foi exagerada?
Ramadan – Não foi apenas exagerada, mas insana. Acho errado ameaçar governos e a imprensa, promover boicotes econômicos, queimar embaixadas e bandeiras. Não é isso que devemos fazer. Muito menos essa competição de ofensas contra os judeus lançada pelos jornais iranianos.

Veja – Por que não se viu no mundo islâmico a mesma indignação depois dos ataques terroristas em Nova York, Madri e Londres?
Ramadan – Porque no início houve aquela atitude paranóica de achar que se tratava de uma conspiração internacional e de que "não temos nada com isso". Grande parte da elite muçulmana condenou os ataques, mas no nível popular não houve comoção. Desta vez, a questão toca mais de perto a sensibilidade popular que está, claramente, sendo instrumentalizada. Estive em Copenhague em outubro e ainda não havia ameaças. Mais tarde, alguns muçulmanos dinamarqueses visitaram países árabes e passaram a mensagem alarmista. Ou seja, houve uma múltipla instrumentalização por parte de governantes que se diziam defensores de valores islâmicos e de ditadores árabes que apontavam os países ocidentais como responsáveis por todas as frustrações de seus povos. Na Europa, a extrema direita também aproveitou para dizer que os muçulmanos não têm condições de integrar a sociedade ocidental.

Veja – Por que não há ninguém do lado israelense e da comunidade judaica tocando fogo em embaixadas?
Ramadan – Porque os judeus entenderam que isso é pura provocação. E também os israelenses não vivem, como 80% dos árabes, na miséria e ignorância. Eles não têm as mesmas frustrações, tampouco o sentimento paranóico de estar sendo ameaçados, continuamente, pelos países ocidentais. E, dizendo isso, vou ser proibido de entrar em outros países, além da Síria, Arábia Saudita, Egito, Tunísia...

Veja – Em que sentido a pobreza influenciou a reação violenta à publicação das caricaturas?
Ramadan – Miséria e ignorância propiciam reações populares puramente emocionais. É mais fácil para os governos locais, sob pressão para abrir sua sociedade e adotar a democracia, direcionar essa fúria para longe deles e na direção do Ocidente. É por isso que os incidentes mais graves ocorreram nas nações muçulmanas que estão em confronto aberto com os países ocidentais. Líderes fundamentalistas também se utilizam com freqüência desse discurso do estilo "nós contra eles". Eles acabaram beneficiados pelo fato de uma caricatura ter mostrado o profeta Maomé com uma bomba no turbante. Esse detalhe reforçou a idéia de que os ocidentais não gostam do Islã. O muçulmano moderado sentiu-se ofendido ao ser visto no Ocidente como um terrorista.

Veja – Por que os muçulmanos europeus reagiram de forma mais comedida?
Ramadan – Os muçulmanos europeus entenderam de cara o desafio que a questão das caricaturas impunha e o perigo que ela representava. Os muçulmanos franceses tomaram a iniciativa de processar os jornais. Embora eu não concorde, é uma atitude menos emocional e, de certa forma, uma abordagem mais construtiva. Ou seja, não caíram na tentação iraniana de querer se exibir como o líder da resistência ao imperialismo ocidental. Os muçulmanos europeus devem permanecer firmes contra essa insanidade.

Veja – Estamos vivendo um confronto de civilizações?
Ramadan – Não, o que estamos presenciando são confrontos dentro de cada civilização. Tanto no Ocidente como no mundo islâmico existem aqueles que defendem a necessidade de enfatizar os valores comuns das duas sociedades. Os obtusos, em oposição, acham que seus princípios são melhores e devem ser seguidos pelos outros, nem que seja na base da imposição. Minha posição é a seguinte: os moderados devem se unir e rejeitar as polarizações. Se o Ocidente e o Islã partirem para o confronto de civilizações, os dois lados sairão derrotados.

Veja – O Islã é compatível com as liberdades ocidentais?
Ramadan – Claro que sim. É compatível com o Estado de direito, com a igualdade de cidadania, com a separação das esferas pública e privada, com governos transparentes. A percepção de que o Islã é dominador, dogmático e violento, enquanto o mundo ocidental é livre, democrático e racional, representa uma visão maniqueísta, completamente sem sentido, baseada no desconhecimento da história do Islã. Tivemos nosso período das luzes e também de trevas. Há uma boa dose de influência islâmica nos valores ocidentais. Do ponto de vista cultural, considero-me ocidental e, portanto, favorável à democratização dos países islâmicos e à liberdade de expressão.   

Veja – O Islã precisa de um Voltaire (nome literário de François-Marie Arouet, 1694-1778, escritor francês notável por suas idéias anticlericais e pela cruzada contra a tirania)?
Ramadan – O Islã precisa de mais estudiosos, de intelectuais com disposição autocrítica. O que temos hoje não é progresso, mas regressão. Existe um imenso abismo entre nossos ideais e nossa prática. Portanto, precisamos de reformas – e elas não podem vir de fora, ou terão efeito contrário. O mundo ocidental tem um papel importante a desempenhar, que é dar espaço a uma reforma autônoma do Islã. Mas é preciso admitir que o Islã nunca será exatamente como o Ocidente quer.   

Veja – Que tipo de reformas o senhor defende para o Islã?
Ramadan – Precisamos parar com essa mania de achar que todos os nossos problemas são causados pelo Ocidente. Há anos venho pregando reformas em livros, artigos e conferências. No mundo islâmico, muita gente prefere me acusar de ser fantoche dos americanos. Fui convidado para lecionar na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos. Mas o governo americano negou o meu pedido de visto com base na legislação antiterror criada depois dos atentados de 2001. Ou seja, nem entrar no país eu posso. De que adiantaria eu assumir o papel de vítima, como sempre fazem os muçulmanos, achando que todos os problemas vêm de fora?

Veja – Por que o senhor pediu uma moratória na prática de apedrejamento das mulheres adúlteras no Islã, e não um banimento total?
Ramadan – Porque essa punição está escrita no Corão, que é a palavra de Alá. Não é possível simplesmente pedir para retirar esse trecho do livro santo. O mais importante é parar com a prática até que ela se torne um hábito em desuso. Depois, precisamos avançar com a idéia de que, se há texto, também há contexto. Apesar de tudo, eu disse para quem quisesse ouvir na Arábia Saudita e na Nigéria que sou contra apedrejamento, punições físicas e pena de morte. É preciso ir devagar.   

Veja – O que deve ser feito para acalmar os fundamentalistas?
Ramadan – Precisamos traçar uma linha divisória. Alguns radicais pregam não só atitudes estranhas, mas também contra a verdadeira natureza do Islã. Essa prática precisa ser condenada sem hesitação. Mas não basta, é preciso que a repugnância seja comunitária.   

Veja – Qual o melhor caminho para reduzir a tensão entre o Islã e o Ocidente?
Ramadan – O fato de existirem milhões de descendentes de árabes e muçulmanos vivendo no Ocidente causa um impacto tremendo no Islã. O mundo islâmico está de olho em nós. Se conseguirmos estabelecer uma boa convivência, sob uma base de confiança mútua, estaremos enviando o sinal de que é possível repetir essa experiência num patamar mais amplo, entre o Islã e o Ocidente. O maior atrito ocorre na Europa, mas é também onde há maiores possibilidades de diálogo. O desafio é tremendo. O caso das caricaturas é o sonho da extrema direita européia e também dos extremistas islâmicos, pois atrapalha o entendimento. Os muçulmanos europeus precisam estar totalmente comprometidos com a identidade européia e convictos de que esta sociedade é também a deles.   

Veja – Como o senhor provocaria mais admiração no seu pai?
Ramadan – Construindo pontes entre os dois mundos aos quais pertenço, e que hoje estão surdos e se vendo como caricaturas.   

Offline Barata Tenno

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #21 Online: 13 de Fevereiro de 2006, 09:38:19 »
Pug, parabens, gostei do texto, de verdade.........
He who fights with monsters should look to it that he himself does not become a monster. And when you gaze long into an abyss the abyss also gazes into you. Friedrich Nietzsche

Pug

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #22 Online: 13 de Fevereiro de 2006, 10:52:27 »
Lord Barata, espero que um dia mais vozes equilibradas como a de Tariq se façam ouvir.


Offline Barata Tenno

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Re: Reflectindo de Forma Islâmica
« Resposta #23 Online: 13 de Fevereiro de 2006, 11:05:04 »
É o que tb espero............
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