O papel continua na lista dos produtos de maior impacto ambiental.
Para minimizar os danos, consumidores precisam rever seus
hábitos de consumo e exigir mudanças no modo de produção. É difícil acreditar que uma simples folha de papel em sua trajetória da matéria-prima ao descarte final cause tantos problemas pelo caminho. Mas os impactos da produção já são bem conhecidos, e tão desastrosos que há anos a Europa tratou de "terceirizar" o setor. É claro, para os países em desenvolvimento, onde a fragilidade das leis ambientais, a carência por postos de trabalho e a necessidade de gerar divisas acenaram, e ainda acenam, com boas-vindas para essa que é uma das mais impactantes indústrias do planeta.
Para produzir 1 tonelada de papel são necessárias 2 a 3 toneladas de madeira, uma grande quantidade de água (mais do que qualquer outra atividade industrial), e muita energia (está em quinto lugar na lista das que mais consomem energia). O uso de produtos químicos altamente tóxicos na separação e no branqueamento da celulose também representa um sério risco para a saúde humana e para o meio ambiente - comprometendo a qualidade da água, do solo e dos alimentos.
O alto consumo de papel e seus métodos de produção insustentáveis endossam o rol das atividades humanas mais nocivas ao planeta. O consumo mundial cresceu mais de seis vezes desde a metade do século XX, segundo dados do Worldwatch Institute, podendo chegar a mais de 300 kg per capita ao ano em alguns países. E na esteira do consumo, cresce também o volume de lixo, que é outro sério problema em todos os centros urbanos.
Para contornar a situação, algumas saídas têm sido apontadas, como a utilização de madeira de reflorestamento, para frear a derrubada nas poucas áreas remanescentes de matas nativas, a redução do emprego de cloro nos processos de fabricação e a reciclagem do papel. Porém, mesmo com essas medidas, e ao contrário do que as indústrias procuram estampar nos rótulos de seus produtos, ainda estamos muito longe de alcançar uma produção limpa e sustentável.
Deserto verde
Atualmente 100% da produção de papel e celulose no Brasil emprega matéria-prima de áreas de reflorestamento, principalmente de eucalipto (65%) e pinus (31%). Mas nem por isso podemos ficar tranqüilos. Segundo a consultora de meio ambiente do Idec, Lisa Gunn, utilizar madeira de área reflorestada é sempre melhor do que derrubar matas nativas, mas isso não quer dizer que o meio ambiente está protegido. "Quando o reflorestamento é feito nos moldes de uma monocultura em grande extensão de terras, não é sustentável porque causa impactos sociais e ambientais, como pouca oferta de empregos e perda de biodiversidade."
De acordo com algumas pesquisas científicas, a monocultura do eucalipto, por exemplo, consome tanta água que pode afetar significativamente os recursos hídricos. Segundo Daniela Meirelles Dias de Carvalho, geógrafa e técnica da Fase, uma organização não-governamental que atua na área sócio-ambiental, só no norte do Espírito Santo já secaram mais de 130 córregos depois que o eucalipto foi introduzido no estado.
Ainda segundo Daniela, a indústria de celulose chegou ao Espírito Santo na década de 1960, quando se iniciou um rápido processo de devastação da Mata Atlântica e expulsão de comunidades rurais.
"A empresa Aracruz Celulose invadiu áreas indígenas em processo de demarcação e expulsou índios tupiniquins e guaranis de 40 aldeias. No norte do estado, a empresa ocupou terras quilombolas, expulsando cerca de 10 mil famílias", afirma. De acordo com a Fase, atualmente restam apenas seis aldeias indígenas, que reivindicam 10.500 hectares indevidamente apropriados pela empresa, e 1.500 famílias quilombolas. "Junto com pequenos agricultores, essas comunidades, mesmo tendo resistido a pressões e permanecido em suas terras, sofreram perdas enormes e hoje vivem ilhadas entre eucaliptos, sujeitas às freqüentes aplicações de agrotóxicos", diz Daniela.Depois da Aracruz, vieram outras empresas para a região, como a Suzano e a Bahia Sul, que, segundo a geógrafa, ocupam as terras mais agricultáveis e áreas que deveriam ser de conservação permanente.
"Tudo com a conivência dos governos, que atuam como facilitadores liberando plantios, autorizando o desvio de rios (como o Rio Doce) para abastecer a fábrica e liberando recursos via BNDES para os programas de expansão das empresas", critica a geógrafa.A boa notícia é que a mobilização social na região vem crescendo e já obteve vitórias significativas. Atualmente já são mais de 100 ONGs integrantes do movimento Rede Alerta contra o Deserto Verde, como é denominada a monocultura do eucalipto. Uma importante vitória foi ter conseguido impedir que a Aracruz obtivesse o selo FSC (do Conselho de Manejo Florestal). Para obter a certificação, a empresa precisa do aval das comunidades do entorno. "Mas, se depender de nós, jamais vai conseguir", garante Daniela.
O preço da brancura
Matéria-prima básica da indústria do papel, a celulose é um material fibroso presente na madeira e nos vegetais em geral. No processo de fabricação, primeiro a madeira é descascada e picada em lascas (chamadas cavacos), depois é cozida com produtos químicos, para separar a celulose da lignina e demais componentes vegetais. O líquido resultante do cozimento, chamado licor negro, é armazenado em lagoas de decantação, onde recebe tratamento antes de retornar aos corpos d'água.
A etapa seguinte, e a mais crítica, é o branqueamento da celulose, um processo que envolve várias lavagens para retirar impurezas e clarear a pasta que será usada para fazer o papel. Até pouco tempo, o branqueamento era feito com cloro elementar, que foi substituído pelo dióxido de cloro para minimizar a formação de dioxinas (compostos organoclorados resultantes da associação de matéria orgânica e cloro). Embora essa mudança tenha ajudado a reduzir a contaminação, ela não elimina completamente as dioxinas. Esses compostos, classificados pela EPA, a agência ambiental norte-americana, como o mais potente cancerígeno já testado em laboratórios, também estão associados a várias doenças do sistema endócrino, reprodutivo, nervoso e imunológico.
Mesmo com o tratamento de efluentes na fábrica, as dioxinas permanecem e são lançadas nos rios, contaminando a água, o solo e conseqüentemente a vegetação e os animais (inclusive os que são usados para consumo humano). No organismo dos animais e do homem, as dioxinas têm efeito cumulativo, ou seja, não são eliminadas e vão se armazenando nos tecidos gordurosos do corpo.
A Europa já aboliu completamente o cloro na fabricação do papel. Lá o branqueamento é feito com oxigênio, peróxido de hidrogênio e ozônio, processo conhecido como total chlorine free (TCF).
Já nos Estados Unidos e no Brasil, e em favor de interesses da indústria do cloro, o dióxido de cloro continua sendo usado.Ao negligenciar medidas de segurança, as indústrias de papel também ficam vulneráveis a acidentes ambientais graves, como ocorreu há pouco mais de um ano na Fábrica Cataguazes de Papel, em Cataguazes (MG). O rompimento de uma lagoa de tratamento de efluentes provocou o derramamento de cerca de 1,2 bilhão de litros de resíduos tóxicos no Córrego Cágados, que logo chegaram aos rios Pomba e Paraíba do Sul. A contaminação atingiu oito municípios e deixou cerca de 600 mil habitantes sem água. Com a morte dos peixes, pescadores e populações ribeirinhas ficaram sem seu principal meio de subsistência.
Reciclagem
Reciclar papel e papelão não só ajuda a reduzir o volume de lixo como evita a derrubada de árvores. No Brasil, apenas 37% do papel produzido vai para a reciclagem. De todo o papel reciclado, 80% é destinado à confecção de embalagens, 18% para papéis sanitários e apenas 2% para impressão.
O atual desafio é aumentar a produção e construir um mercado mais competitivo para os reciclados. Porém, o setor esbarra na precariedade do sistema de coleta seletiva ou na completa inexistência dele na maior parte do país.
Faltam também leis, a exemplo do que ocorre em alguns países europeus, que responsabilizem os fabricantes e comerciantes pela coleta e reciclagem de embalagens, jornais, revistas e outros materiais pós-consumo.
Outro ponto a observar é que a reciclagem também é uma indústria que consome energia e polui. Por isso, se o que almejamos é uma produção sustentável, capaz de garantir os recursos naturais necessários para a atual e as futuras gerações, o melhor a fazer é reduzir o consumo e começar a exigir que as empresas adotem medidas mais eficazes de proteção ambiental. Como consumidores, esse é o nosso papel.
Números do setor
De acordo com a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a produção brasileira de celulose em 2002 foi de 8 milhões de toneladas, sendo que 30,4% desse volume foi exportado (principalmente para a Europa, Ásia e América do Norte. A produção de papel ficou em 7,7 milhões de toneladas, 13,4% para exportação. Na última década, o setor ampliou as exportações de US$ 1 bilhão em 1990 para US$ 2,1 bilhões em 2002, mais de 100%. E para exportar ainda mais, até 2012 pretende investir US$ 4,4 bilhões e dobrar a área reflorestada, de 1,4 milhões para 2,6 milhões de hectares (86% de crescimento).
Sob o argumento de gerar divisas e criar postos de trabalho, a indústria do papel não encontra dificuldades para obter financiamentos do BNDES. Entretanto, o número de empregos não é exatamente um ponto forte do setor, que é altamente mecanizado tanto na indústria como nas áreas de reflorestamento. A expansão do setor, com objetivo de atender ao mercado externo, seria vista com mais cautela se na balança comercial fossem pesados também os custos ambientais.
Dicas de consumo
- Reduza o uso de papel (e de madeira) o máximo possível.
- Evite comprar produtos com excesso de embalagem.
- Ao imprimir ou escrever, utilize os dois lados do papel.
- Revise textos na tela do computador e só imprima se for realmente necessário.
- Dê preferência a produtos reciclados ou aqueles que trazem o selo de certificação do FSC.
- Evite consumir papel cujo branqueamento seja feito com cloro ou hidróxido de cloro. Ligue para o SAC das empresas e exija que elas adotem uma produção mais limpa e com controle de efluentes.
- Use filtros, guardanapos e toalhas de pano em vez dos de papel.
- Recuse folhetos de propaganda que não sejam de seu interesse.
- Separe o lixo doméstico e doe os materiais recicláveis para as cooperativas de catadores. Saiba que 80% do papel que consumimos é na forma de embalagens.
- Organize-se junto a outros consumidores para apoiar ações sócio-ambientais e pressionar o governo a fiscalizar empresas, criar leis de proteção ambiental e programas de incentivo à produção limpa.
Serviço
Para saber mais sobre os impactos da produção de papel, acesse o site da WWF (
www.wwf.org.br) e da Fase (
www.fase. org.br). Sobre reciclagem, acesse www. cempre.org.br (Compromisso Empresarial para Reciclagem). Sobre certificação, acesse
www.fsc.org.br (Conselho Brasileiro de Manejo Florestal).
http://www.idec.org.br/rev_servicosambiente.asp