Como vc encara o conflito entre o medo do desconhecido, e a vontade de sair da rotina?
COMO SERÁ O FUTURO
J.A. GAIARSA
"As pessoas vivem entediadas com a monotonia da vida, seja a do trabalho, seja a da família e, ao mesmo tempo, vivem defendendo tenazmente as grades de sua prisão".
Sobre poucos assuntos se pensa, se preocupa e se escreve tanto quanto sobre esse. Planejamento é talvez o coração da administração. Planejar é invariavelmente tentar adivinhar o futuro, previsão hoje mais difícil do que em qualquer época. Título de um livro recente para empresários: Surfing the Edge of Caos (Surfando na Beirada do Caos). Pouco se diz sobre o desejo de animar tantas buscas.
Nenhum desejo mais evidente: desejo de segurança e de certeza ou, o que dá no mesmo, temor do inesperado e do imprevisível, daquilo que "não estava nos planos".
Esses desejos estão implícitos (ocultos) em duas frases comuns:
Medo do desconhecido.
Medo da morte, O "medo de morrer" poderia ser transcrito para "medo de não poder fazer/sentir/gozar" tudo o que nos é dado. Nosso desejar é tão ilimitado quanto nossa criatividade. Fazer tudo o que tenho vontade de fazer é difícil e perigoso. Então vivo inventando mil desculpas para não fazer o que desejo, mil razões para a não-ação.
Começam sempre assim: "Eu sei que devia..." A segunda dessas mil desculpas é o uso leviano que fazemos da palavra "desejo". Nas conversas usuais, desejar é simpático, mas não é importante, e só deseja quem não tem - ou não faz. O fato é que desejos exprimem necessidades e não caprichos. Cada desejo é um broto vital. Frustrar desejos é lutar permanentemente contra o crescimento. Só desejos realizados amadurecem. Na verdade, só ao se realizarem os desejos amadurecem - se transformam em outros desejos. Outros retomam - como a fome -, mas realizá-los de novo é um prazer.
Tanto a fome como o gosto são diferentes a cada refeição. Negar-se a realizar os desejos é impedir a formação da Árvore de Vida. Jung comparou o desenvolvimento da individualidade ao de uma árvore - "galhos" em todas as direções tendendo a formar uma esfera. A especialização e o desenvolvimento preconceituoso, feito "por força de vontade" ou por dever, mais se assemelham a edifícios ou a estruturas metálicas, verticais, cada vez mais altos e fazendo-se cada vez mais instáveis.
O medo da morte - sempre que me foi dado acompanhar pessoas em estado terminal-,-ligava-se à incapacidade de se desprender de ligações pessoais cristalizadas, de bens de fortuna - até de rotinas! O medo da morte ligava-se, depois, ao apego tenaz a tudo quanto foi desejado e não foi realizado: "Não quero morrer antes de fazer tudo o que desejei, que podia ter feito e não fiz".
O Juízo Final- o de verdade - ocorre nessa hora da despedida: o que fiz de minha vida, o que fiz com minha vida, o que fiz para minha vida? O medo da morte liga-se - ele também - às repressões sofridas pela pessoa, a tudo o que a impediu de fazer o que ela quis, a tudo o que a amarrou e limitou, a tudo o que a impediu de viver.
O medo da Morte é fruto da nossa educação. Por isso existe, negação final da nossa inexistência. Se não vivi como posso morrer?
O QUE VOCÊ PREFERE? MEDO DO DESCONHECIDO OU TÉDIO DO CONHECIDO?
As pessoas vivem entediadas com a monotonia da vida, seja a do trabalho, seja a da família e, ao mesmo tempo, vivem defendendo tenazmente as grades de sua prisão. Falamos demais em medo do desconhecido, mas pouco falamos do tédio do conhecido, do que é seguro, garantido, do que se repete, da vida vivida "como se deve" e não da vida vivida "como se deseja" ou "como se gostaria".
Princípio da Não-contradição Existencial: é impossível sentir-se seguro e sentir-se vivo ao mesmo tempo. A alma da aventura é o inesperado, o desafio, a ameaça!
As pessoas lutam contra o que mais desejam, lutam contra tudo aquilo e somente aquilo que lhes permitiria sentirem-se vivas. No lugar da transformação contínua que somos nós, preferimos os noticiários intermináveis: o mundo está se transformando: mudam as modas no trajar, os remédios para celulite, calvície e obesidade, os sabões em pó lavam "cada vez mais branco", os aparelhos de ginástica farão de você um Adônis em quinze dias, o próximo capítulo da novela de TV, o equipamento eletrônico de última geração chegando a cada seis meses, o carro do ano...
DESEJO E TEMOR DE MUDAR
Na raiz dessa contradição existencial, há um processo básico do funcionamento neurológico: nossa sensibilidade só é tocada, só se manifesta - ou, ainda, só me dou conta de existir - quando há variação de estímulo. Diante de estímulos monótonos sabe-se, as pessoas tendem a deixar de percebê-los, acostumam-se a eles, e tudo se passa como se não existissem - nem o estímulo nem o sujeito!
Assim também somos um só na percepção quando em contato de pele com o outro... Na sensação de contato, qual a sensação dela e qual a minha?
Se o Universo fosse newtoniano - tudo previsível-, deixaríamos aos poucos de perceber o que estamos fazendo, onde estamos, o que estamos sendo, para onde estamos indo - se é que estaríamos indo a algum lugar...
Complementando Freud, podemos dizer que o desejo de segurança é, no mesmo ato, desejo de inconsciência e/ou de irresponsabilidade - instinto de morte. Nesses termos acredito que ele existe. É o medo de fazer escolhas, de se comprometer sem saber as conseqüências. Medo de correr riscos - eternamente inevitáveis-, pois não há dois momentos iguais em Universo algum ("igual" é questão de escala, lembra-se?).
Logo, o desejo de ser ou de estar inconsciente - repetindo-se eternamente - é um desejo profundo, uma intenção sempre ativa, mas sempre perturbada pela consciência, pelas "tentações" do mundo ou pelos instintos primários. São deveras profundas as raízes do tanto que se faz e pensa a fim de prever e "garantir" o futuro, quando toda a evidência nos diz que essa previsão é impossível.
Nietzsche falava muito dessas coisas - os iluminados também.
Em agosto de 2000, um Concorde explode logo após a decolagem. Havia uma barra de metal na pista - assim dizia o noticiário - e ao recolher o trem de pouso o avião arremessou a barra contra os tanques de gasolina contidos na asa. E explodiu! "No meio do caminho tinha uma pedra", cantou o poeta.
Hoje os biólogos começam a falar de optoptose - suicídio espontâneo da célula ou do ser vivo, programado no DNA e ativado quando a célula ou o ser vivo não tem mais ou nunca teve função. A "execução" é realizada por fatores psiconeuroimunológicos (!). Fatores psicológicos, quando a vida é um contínuo tédio sem sentido, uma repetição estúpida ou um desamparo sem medida. Neurológicos porque então os neurônios produzem enxurradas dos neurotransmissores inibidores, enquanto são liberados no sangue os hormônios do estresse.
Depressão, medo crônico de tudo, vontade de morrer. Imunológicos, enfim, porque o sistema defensivo do organismo esgota-se pelo esforço inútil de permanecer vivo. Talvez a morte pela Aids seja isso. Não confundir soropositividade com a "doença" Aids - se ela existir.
A Aids é uma bênção dos céus para as indústrias farmacêuticas, sem esquecer que cabe como luva - ou como uma camisinha!- nas repressões sexuais que não existem mais.