Igreja anuncia novos pecados2006-04-14 - 00:00:00Passar demasiado tempo a ver televisão, navegar na internet ou ler jornais acaba de entrar no rol das actividades consideradas pelo Vaticano como “pecados”. A revelação, tão surpreendente quanto inesperada, surgiu terça-feira pela voz do cardeal norte-americano James Francis Stafford, penitenciário-mor durante o Rito da Reconciliação, celebração que era tradicional em Roma até ao Renascimento e que Bento XVI recupera agora.
O delegado do Papa para a cerimónia apresentou um longo elenco de perguntas a que os fiéis devem responder, em exame de consciência, antes de se aproximarem do sacramento da penitência.
Entre elas, coloca-se a questão relativa à forma como se passa o tempo, comparando-se o investimento nos media (televisão, internet e jornais) com o tempo despendido a “meditar e a ler a Sagrada Escritura”. Segundo a Santa Sé, passar muito tempo a ler jornais, a ver televisão ou a navegar na internet diminui a dedicação à fé cristã. Daí a justificação dada para o facto de estas actividades passarem a ser consideradas como “novos pecados”.
“Ridículo” é a palavra utilizada pelo bispo das Forças Armadas, D. Januário, para classificar as novas directrizes do Vaticano. “Se assim é, então eu sou um grande pecador. Leio muitos jornais, navego na ‘net’ o tempo que for preciso e vejo televisão, como toda a gente”, acrescentou o bispo.
Mas a crítica de D. Januário não se fica por aqui: “No limite, há ‘defeitos’ em tudo. O futebol, por exemplo. Também pode ser um pecado. O dinheiro que se gasta num bilhete podia ser dado aos pobres. Até em gestos simples encontramos, se quisermos, situações pecadoras. Um indivíduo que passeia à beira Tejo, se calhar, devia estar com a tia no hospital ou a fazer companhia aos netos”, disse.
“Levar estas coisas à letra é desagradável. Ver a Igreja apontar o dedo a quem lê muitos jornais é ridículo. Depois não se podem queixar quando dizem que a Igreja é reaccionária. Quem vê mais televisão: os reformados, os doentes, os idosos. Agora, passariam grandes pecadores. Não faz sentido”, acrescentou o bispo das Forças Armadas.
“Quero acreditar que há aqui um problema de comunicação. Alguma coisa não foi devidamente explicada ou entendida”, concluiu.
O padre Vaz Pinto faz uma interpretação diferente. Ouvido pela TSF, o sacerdote considera normal a condenação do Vaticano ao “uso e abuso” das novas actividades pecadoras.
“Não há dúvida de que hoje há um gasto imoderado de tempo que leva muitas vezes a grande passividade, à distracção do mais importante. Não há o melhor uso da nossa vida, tempo e amor. (...) Quem passa a vida na informação acaba por não poder intervir no resto da vida, deixando coisas mais importantes: a mulher, os filhos, o desporto, a cultura, serviço social e por ai fora”.
Mas a lista de “novos pecados” pode não ficar por aqui. Antonio Riboldi, bispo emérito de Acerra (Itália) já incluiu na lista o ‘piercing’, as tatuagens e o ‘lifting’.
Em entrevista ao jornal ‘Corriere del Mezzogiorno’, o prelado afirmou que aspirar a ser assistente de palco de um programa de televisão, em que o único objectivo é mostrar o corpo, não passa de uma manifestação de imoralidade, “um modo de se vender a qualquer preço”. Antonio Riboldi abre o livro de outros pecados do nosso tempo e fala do desrespeito ao código da estrada, ao abandono de animais, à ostentação da riqueza e a quem se veste de forma insinuante.
Quanto ao perdão, sobretudo quando se trata de crimes violentos contra crianças ou assassinatos em massa de inocentes, o cardeal que anunciou os “novos pecados” não deixa dúvidas: “A escuridão do pecado não poderá apagar nunca a luz da misericórdia divina”.
PADRES CIBERPECADORESOs novos pecados definidos ontem pelo Vaticano podem complicar a vida aos padres que investem o seu tempo a divulgar as paróquias e a evangelizar através da internet. Cada vez há mais sacerdotes com ‘sites’ e blogues na rede, mas com as novas orientações, em vez do título de ciberpadres, arriscam-se a passar por ciberpecadores.
Nos últimos tempos, o número de sacerdotes com presença assídua na rede tem aumentado. Só no portal Paróquias de Portugal (
www.paroquias.org) estão registados ‘sites’ de mais de 180 paróquias.
Acrescem as muitas paróquias que nem sequer estão associadas aos portais e as dezenas de blogues pessoais de padres, onde são relatadas experiências de fé ou disponibilizados conselhos espirituais.
Os sacerdotes que seguiram os conselhos de João Paulo II, ao usar as novas tecnologias para espalhar a fé, terão agora que repensar o seu comportamento.
Num comunicado emitido em 2002, o Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais pedia aos católicos, “a todos os níveis da Igreja”, que aproveitassem a internet “de maneira criativa, para assumirem as responsabilidades que lhes cabem e para ajudarem a Igreja a cumprir a sua missão”.
De acordo com o documento, a ‘web’ permitiria à Igreja “informar o mundo sobre o seu credo e explicar as razões da sua posição sobre cada problema ou acontecimento” de forma mais rápida.
Para Francisco Pereira, o ciberpadre que criou um blogue e uma página ‘on-line’ para divulgar a paróquia do Souto da Carpalhosa (Leiria), estas indicações não foram postas em causa.
O que o Vaticano fez foi “alertar as pessoas para usarem a internet de forma responsável e com regra”, afirmou o sacerdote.
AS MÁS INTENÇÕES E OS PECADOS ORIGINAISO pecado representa o Mal. Pode dizer-se que o pecado é tudo o que viola o bom senso e o interesse do bem comum, reservando sempre um papel fundamental para a consciência individual: tudo o que é feito com má intenção é reprovável aos olhos de Deus, mesmo que não acabe em crime, asneira ou prejuízo para terceiros. Para além do respeito pelos Mandamentos de Deus e da Igreja, os fiéis têm ainda de ter em atenção os chamados pecados sociais, como é o caso da fuga aos impostos e a falha noutras obrigações cívicas.
“A César o que é de César”, respondeu Jesus quando confrontado pelos fariseus sobre se era lícito o pagamento de impostos. É uma questão de compromisso individual com a comunidade.
CRIMES E MANDAMENTOS RELIGIOSOSMORTAIS
Os sete pecados mortais da tradição cristã são: inveja, avareza, cobiça, orgulho (ou soberba), preguiça, luxúria e gula. A ordem é indiferente.
MANDAMENTOS
O desrespeito pelos Dez Mandamentos da Lei de Deus, como matar, cometer adultério, roubar, cobiçar o alheio ou faltar à verdade, é pecado.
IGREJA
Os Cinco Mandamentos da Igreja incluem: confissão e comungar pelo menos na Páscoa; contribuir para as despesas do culto e ir à missa ao domingo.
PAPA CONTRA 'ACTIVISMO FRENÉTICO'PADRES DEVEM SER 'HOMENS DE ORAÇÃO'
O Papa considerou ontem, durante a Missa Crismal, que os sacerdotes devem ser “amigos de Cristo” e “homens de oração” para fazerem face ao “activismo frenético” de que sofre o mundo dos nossos dias. “O agir extremo, no final de contas, fica sem frutos e perde eficácia se não nasce da profunda e íntima comunhão com Cristo. O tempo que empenhamos para ela é, verdadeiramente, tempo de actividade pastoral”, disse Bento XVI.
SACERDOTES ESTÃO IDOSOS E FRÁGEISCRISE DE VOCAÇÕES PREOCUPA D. JOSÉ POLICARPO
“Um número significativo dos nossos sacerdotes começa a sentir o peso dos anos e a fragilidade da doença”, alertou ontem D. José Policarpo, manifestando deste modo a sua preocupação com as consequências da falta de padres.
Falando durante a homilia da Missa Crismal, na Sé de Lisboa, o Cardeal Patriarca acrescentou: “Procuraremos sempre que não falte a nenhuma comunidade a graça própria do ministério sacerdotal. Mas não podemos satisfazer todas as exigências das pessoas e das comunidades”.
O bispo do Porto, D. Armindo Coelho, também centrou a sua homilia na crise vocacional, atribuindo as ‘culpas’ à cultura dominante. “A cultura actual, secularizada, religiosamente neutra e indiferentista, agnóstica ou ateísta, individualista e economicista, não favorece, contraria ou anula muitos dos sinais de esperança que despertam na juventude, nomeadamente quanto à vocação para o presbiterado, a consagração religiosa e o matrimónio religioso”, lamentou.
Correio Manhã