"PARECE MAS NÃO É"...
Bruno Porto.
A Internet acrescentou vários hábitos à vida do homem. Um deles é encaminhar às pessoas próximas ou nem tanto textos de medalhões das Letras. A intenção de quem faz isso é quase sempre boa, mas muitas vezes o remetente presta, sem querer, um desserviço ao(s) destinatário(s). É que uma boa parte desses textos não foi escrita por quem os assina.
Recém-lançado pela Editora Agir e organizado pela jornalista Cora Rónai, colunista do GLOBO e editora do caderno “InformáticaEtc”, o livro “Caiu na rede” reúne alguns desses textos. A maioria deles circula há anos pela rede e, por isso, é reconhecida de imediato pelos internautas mais experientes.
— Isso (a proliferação de textos falsificados) também acontece lá fora, mas não em proporções endêmicas, como no Brasil — diz Cora.
Com a ajuda do pesquisador Fred Leal, ela foi atrás dos verdadeiros autores dos textos. Em alguns casos, os dois tiveram sucesso. Em outros, não. Entre os autores que mais vêem seu nome assinando textos de outras pessoas está Arnaldo Jabor. Ele conta que quase brigou com um jornalista há alguns anos por causa de um artigo.
— Fiquei sabendo que tinha um texto com o meu nome circulando na Internet. Critiquei publicamente seu conteúdo e pouco depois descobri que o autor era um jornalista. O sujeito ficou uma fera — lembra Jabor, que diz que os textos que circulam pela Internet fazem sucesso porque “as pessoas gostam de m...”.
Jabor, que é colunista do GLOBO, diz que já cansou de ser parado na rua em função de textos de outros autores.
— Elas acabam ficando duplamente irritadas comigo. Primeiro, porque eu digo que o tal texto não é meu. Segundo, porque geralmente os textos são ruins e eu digo isso para as pessoas — explica.
Disparado o escritor que mais “assina” textos que não são seus, Luis Fernando Verissimo já escreveu sobre o assunto. Numa crônica publicada pelo GLOBO no ano passado, Verissimo contou que estava sendo muito elogiado por um texto chamado “Quase”, que ele não escrevera. No final da crônica, ele diz que foi incluído numa coletânea francesa dedicada a escritores brasileiros. “Eu estava entre Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros escolhidos, adivinha com que texto? Em francês ficou “Presque”.
No ano passado, Verissimo descobriu que o autor de “Quase” é a universitária catarinense Sarah Westphal Batista da Silva, de 22 anos. Sarah escreveu o texto depois de levar um fora de um menino.
A escritora gaúcha Martha Medeiros, colunista do GLOBO, também teve problemas com a Internet. Ela descobriu que vários textos seus estavam circulando pela rede assinados por outras pessoas. Martha arrisca uma explicação para a propagação dos textos falsificados. Ela diz que as pessoas sempre gostaram de compartilhar quando lêem algo que amam e ressalta que antes da Internet isso era mais difícil.
— Você podia no máximo indicar o livro em que havia lido o texto ou então copiar frase por frase e remeter pelo correio. Com a Internet você dá duas tecladas e passa adiante com facilidade. E a rapidez é tanta que as pessoas nem param para pensar se aquele texto é mesmo do autor indicado — diz.
Deve ser assim que começam as adulterações: alguns por distração, outros por preguiça de checar, e uns poucos por maldade.
Na introdução de “Caiu na rede”, Cora Rónai chama a atenção para os “falsários anônimos”. São pessoas que escrevem textos e os assinam com o nome de um autor famoso. Professora de informática da PUC, Carla Leitão diz que o que move os falsários anônimos é o desejo de ver seu texto difundido.
— A possibilidade de o texto de um anônimo circular é pequena. Se ele usar o nome do Verissimo, isso pode mudar. Ele acha que é visto mesmo sem ser visto — diz Carla, que é doutora em psicologia.
Martha Medeiros acha que muita gente assina com outro nome para se proteger.
— Escrever é uma brutal exposição e muitos não têm coragem de tornar públicas suas idéias, suas frustrações. De repente, eles fazem sua catarse na hora de escrever mas, na hora de divulgá-lo para o mundo, preferem se proteger — conclui Martha.
Segundo Carla, analisar a autenticidade desses textos pode ser um bom exercício de leitura para os vestibulandos.
Mesmo que não o façam com más intenções, as pessoas que assinam textos próprios ou de terceiros com o nome de autores famosos podem ser punidas judicialmente. É o que diz Marisa Gandelman, professora de direito autoral da PUC.
— O autor pode pedir uma quantia por danos morais ou exigir que o texto saia de circulação. Ele ainda pode exigir uma retratação — explica Marisa.
Existe um terceiro tipo de texto falsificado circulando pela Internet: os que trazem a assinatura correta mas tiveram trechos seus alterados.
— Já recebi um texto meu, corretamente assinado por mim, inteiramente modificado — conta Cora, que dá um conselho para os falsários anônimos. — Parem de ser covardes e criem seus blogs. O que é bom é bom. E o que é ruim vai continuar sendo, por mais Verissimo que se tasque na assinatura.