Reportagem mais completa, abordando mais os aspectos econômicos
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Petrobras entra com tudo no BiodieselA maior empresa do Brasil quer ser também uma potência do campo. Prepare-se: esse movimento tem tudo para revolucionar o agronegóciopor Fabiane Stefano
O efeito é semelhante ao do choque de placas tectônicas. Esse terremoto – no bom sentido – está sendo provocado pela Petrobras e poderá revolucionar o agronegócio brasileiro. Afinal, quando a maior empresa brasileira, que fatura R$ 136 bilhões por ano, move-se numa determinada direção, os efeitos são sentidos a milhas e milhas de distância. É isso que está ocorrendo exatamente agora numa área estratégica: a do biodiesel. De um lado, a Petrobras acaba de apresentar ao mundo o H-Bio. O processo, inventado por engenheiros da empresa, produz diesel a partir da mistura do petróleo com óleo vegetal, feito a partir de várias fontes, em especial a soja. A tecnologia implica acrescentar, em princípio, até 18% do produto verde ao material fóssil para a obtenção de um combustível idêntico ao comercializado hoje. De outro, a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, iniciou a venda de biodiesel em 700 postos. É uma mistura que adiciona 2% de óleo vegetal ao diesel tradicional. “Demos um passo decisivo para criar um novo tipo de economia no mundo”, disse à DINHEIRO RURAL José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras (leia entrevista). “Em breve, a venda de biodiesel será uma atividade de rotina, assim como a de gasolina ou álcool”, completa Graça Foster, presidente da BR Distribuidora. A Ale Combustíveis, pioneira nesse mercado, já vende o produto em 168 postos.
Para dimensionar o impacto dessa entrada da Petrobras no agronegócio, basta reparar no que aconteceu em Araucária, no Paraná, no fim de junho. Só para finalizar os testes do H-Bio na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, a Repar, foi necessário 1,8 milhão de litros de óleo de soja – quantidade suficiente para uma produção de apenas quatro dias. A produção inicial com a técnica do H-Bio, que será feita em apenas três refinarias da companhia, irá demandar 256 mil metros cúbicos por ano. O volume representa 10% das exportações de óleo de soja do Brasil. Por outro lado, a chegada do produto de origem vegetal possibilita a redução de 15% do diesel importado pela Petrobras, trazendo uma economia de US$ 145 milhões por ano aos cofres da companhia. “A tecnologia do H-Bio, complementar ao biodiesel, permite um avanço na independência energética do País”, diz Gabrielli.
No agronegócio, a tecnologia cria um novo mercado para a soja. Embora outras oleaginosas como girassol, dendê e mamona possam ser utilizadas no H-Bio, a descoberta da Petrobras demanda uma escala que, por enquanto, só a soja atende. Um hectare do grão rende cerca de 585 litros de óleo vegetal. Isso significa que para atender à demanda inicial da Petrobras de 256 mil metros cúbicos são necessários 437 mil hectares de lavoura. Para se ter uma idéia, o grupo Maggi, maior produtor individual do grão do mundo, tem uma área plantada de 190 mil hectares com soja, milho e algodão. A estatal vai consumir cerca de 2% da área plantada de soja do Brasil para viabilizar o H-Bio. Mas o fato é que dificilmente a Petrobras por si só estimulará a abertura de novas frentes agrícolas. Hoje, o País exporta mais da metade da produção nacional, na casa dos 53 milhões de toneladas, de acordo com a última estimativa da Conab. Logo, a expectativa é que essa nova demanda interna acabe por desviar uma parcela do grão que seria exportado para ser consumido em forma de óleo. “É uma opção local para fortalecer a industrialização de soja”, diz Juan Ferrés, sócio da Granol, empresa que faz biodiesel de soja. “O mercado de energia deve valorizar o óleo vegetal, melhorando a renda do produtor agrícola”, completa.
Nos próximos dois meses, a empresa começa a desenhar o processo de compra do óleo vegetal, já que em dezembro a Refinaria Gabriel Passos, a Regap, em Minas Gerais, começa a industrializar o H-Bio. Em 2007, a Repar e a Refap irão refinar o produto. Nas três unidades, os investimentos somam US$ 38 milhões. “Serão feitos contratos de fornecimento contínuo de óleo vegetal”, explica Gabrielli. Nesse caso, as grandes esmagadoras como Bunge, Cargill e ADM saem na frente, já que têm grandes volumes à disposição e capacidade de negociar melhores preços. Mas o que deve pesar de fato na escolha dos fornecedores é a logística. De imediato, os Estados do Sul se beneficiam da novidade. Em 2008, outras duas unidades da Petrobras vão adotar o processo: Reduc, no Rio de Janeiro, e Replan, em São Paulo. Juntas, elas receberão US$ 23 milhões em investimentos. Com isso, o volume de óleo de soja demandado pela Petrobras deve chegar a 425 mil metros cúbicos.
Além do avanço tecnológico e do ganho financeiro que o H-Bio representa, na prática, a novidade resolve um certo desconforto da estatal em relação ao projeto de biodiesel do governo Lula. Lançado em 2004, o programa que privilegia a produção de oleaginosas por meio da agricultura familiar queria acertar dois coelhos com um tiro só. Ao mesmo tempo que incentiva o desenvolvimento da bioenergia, também dá um empurrão aos pequenos agricultores. Fortemente amparado em subsídios, o projeto de Lula desagradava aos sojicultores, que, sem os incentivos governamentais, perderiam uma fatia desse mercado. Diante desse quadro, a Petrobras decidiu investir em um caminho próprio. Mesmo assim, a ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, chamou Gabrielli a Brasília e pediu maior participação da estatal no projeto. Os resultados foram imediatos. Nos únicos dois leilões de biodiesel que a ANP organizou, a Petrobrás comprou todo o lote de 230 milhões de litros. A empresa também anunciou a construção de três usinas de biodiesel no País, nos Estados de Minas Gerais, Ceará e Bahia. Cada uma terá capacidade para produzir 40 milhões de litros por ano e o custo dos três empreendimentos totalizará R$ 90 milhões. Além disso, hoje cerca de 700 postos da rede BR distribuem o diesel.
Conceito de bioenergia. O fato é que com o H-Bio a Petrobras adota de vez a bioenergia em sua matriz energética. “Agora, o Brasil terá duas rotas tecnológicas. E, quanto mais produzirmos H-Bio e biodiesel, menor será a importação do combustível derivado de petróleo”, diz Gabrielli. Pelas contas do presidente da Petrobras, somando a produção de H-Bio e a adição obrigatória de 5% de biodiesel ao combustível tradicional a partir de 2013, o Brasil deverá reduzir em 50% as importações de diesel estrangeiro. “Esse não é um número nada desprezível”, diz Gabrielli. Ainda restam algumas pendências jurídicas em relação à novidade. A estatal vai discutir com a Agência Nacional de Petróleo se há a necessidade de o H-Bio receber o acréscimo compulsório de biodiesel – porcentagem que inicialmente será de 2% a partir de 2008 e só cinco anos depois chegará a 5%. Embora tecnicamente viável (a mistura de biodiesel e H-Bio seria feita na distribuidora), a medida se tornaria redundante. “Não faz sentido trazer biodiesel do Nordeste, juntar com o H-Bio e devolver o combustível para o Nordeste”, diz Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento. Na prática, as duas rotas tecnológicas vão acabar dividindo o País da agroenergia. No Norte e Nordeste, haverá o biodiesel da agricultura familiar. No Sul e Sudeste, haverá o H-Bio do agronegócio. Graças à Petrobras. ”
A pioneira ALE vira produtoraEm março de 2005, a distribuidora mineira Ale Combustíveis foi a primeira a apostar alto no biodiesel. Começou vendendo 50 mil litros mensais num posto de Belo Horizonte. Hoje, as vendas mensais somam 10 milhões de litros, representam um faturamento de R$ 192 milhões/ano e crescem em ritmo exponencial. Dos 486 postos da rede, 168 já vendem o biodiesel e 300 estarão em operação até o fim do ano. “O negócio deu tão certo que decidimos investir na nossa própria produção de biodiesel”, revela Cláudio Zattar, superintendente da Ale. Serão duas usinas. Uma produzirá o biodiesel a partir da soja e ficará em Mato do Grosso do Sul, na região de Campo Grande. Outra, que usará como matéria-prima o pinhão manso ou o girassol, estará localizada no norte de Minas Gerais. Hoje, a Ale compra todo o seu biodiesel da Agropalma, que produz o combustível a partir do dendê no Pará. O biodiesel ainda é mais caro do que o diesel tradicional. Mas a diferença é mínima, de R$ 0,005, uma vez que a mistura é de apenas 2% – ela será de 5% em 2013. “Nós arcamos com o custo”, diz Zattar. Mas não se trata de favor algum. Pesquisas internas da Ale constataram que os postos que vendiam 32 mil litros/mês de diesel saltaram para um volume de 50 mil litros quando houve a substituição pelo biodiesel. E até mesmo o consumo de gasolina aumentou nesses postos em cerca de 10%. “O subsídio é compensado pelo ganho de volume e também de imagem”, diz Zattar.
"Haverá ganhos sociais"Gabrielli garante compra do pequeno produtor DINHEIRO RURAL – Como será feito o processo de compra do óleo vegetal?
JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI – Vai depender de uma série de questões logísticas. O H-Bio pode utilizar diferentes fontes de oleaginosas, como soja, mamona, girassol e dendê. Mas temos de ter uma logística que minimize as flutuações cíclicas e otimize a logística para a entrega. Não faz sentido trazer o dendê do Amazonas para processar em uma refinaria do Sudeste e depois devolver para o Maranhão.
DR – A Petrobras já foi procurada pelas grandes empresas do setor, como Bunge e Cargill?
GABRIELLI – Estamos ainda em fase inicial de montagem na cadeia de logística. Primeiro, precisamos cadastrar os fornecedores. Temos uma preocupação com o componente social na cadeia de fornecedores. Então, vamos ter de viabilizar uma cadeia de fornecedores sociais que tenham condição de competir com o fornecedor mais empresarial.
DR – O H-Bio será o diesel do agronegócio?
GABRIELLI – Hoje, o grande produtor de soja tem condições de fornecer mais rapidamente para a Petrobras. Isso não quer dizer que o pequeno fornecedor de biodiesel, que tenha condições competitivas e que esteja logisticamente bem situado, não possa também contribuir para a cadeia do H-Bio.
DR – O pequeno agricultor tem condições de competir com os grandes?
GABRIELLI – Teremos de montar um mecanismo de equivalência competitiva. Os agricultores familiares não podem fornecer com as mesmas condições de prazo, preço e qualidade que a cadeia do agribusiness. Então, tem de se intervir para gerar uma equivalência.
DR – O que determinará o preço do óleo?
GABRIELLI – O mercado de combustível. Assim também deve ser com o etanol. Hoje, o preço do álcool ainda é determinado pelo mercado de açúcar, que é muito maior. No futuro, o que vai determinar o preço do etanol será uma fração de 70% do preço da gasolina, que é o equivalente energético.
DR – Qual será o impacto no agronegócio?
GABRIELLI – Esse é um novo desafio. Já tratamos com os produtores de álcool. Temos momentos bons, outros ruins. É uma história que sempre foi complicada, sobretudo em função de subsídios cruzados. Hoje, a forma com que a empresa está entrando em biocombustíveis é completamente diferente do passado. Também o desenvolvimento do agronegócio brasileiro hoje é muito maior. Há uma visão mais empresarial, com a capacidade de gerar uma cadeia produtiva eficiente.
DR – O H-Bio é uma forma de responder a uma demanda do presidente Lula?
GABRIELLI – A Petrobras começou a perceber que áreas de energias alternativas e biocombustíveis seriam importantes para uma companhia integrada de energia. E ela começou a atuar nisso, comprando biodiesel. Agora, como compradora, ela não está em uma posição muito adequada. Por isso, ela vai se transformar também em uma produtora.
DR – E a competição internacional?
GABRIELLI – A aceleração do biodiesel tem a ver com a manutenção do preço alto do petróleo. É uma alternativa viável. O Brasil tem condições de produzir fontes de energia vegetal e animal a custos muito, mas muito menores mesmo do que outros países.
A PETROBRAS NA AGROENERGIA256.000 m³ é o volume de óleo de soja para abastecer as três primeiras usinas, mas, a partir de 2008, serão necessários 425.000 m³.
437 mil hectares é a área necessária para a primeira fase do projeto H-Bio.
US$ 38 milhões é o investimento inicial da Petrobras para adequar as refinarias para o H-Bio.
10% será a diminuição da importação de diesel.
700 postos da BR já distribuem biodiesel.
http://www.terra.com.br/revistadinheirorural/capa21.htm