Autor Tópico: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia  (Lida 2270 vezes)

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Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Online: 25 de Junho de 2006, 14:46:12 »
Citação de: Peter Achinstein
http://www.criticanarede.com/cien_demarcacao.html

O problema da demarcação
Peter Achinstein
Universidade de Johns Hopkins

O problema da demarcação consiste em distinguir a ciência das disciplinas não científicas que também pretendem fazer afirmações verdadeiras sobre o mundo. Os filósofos da ciência foram propondo vários critérios, incluindo o de que a ciência, diferentemente da não-ciência, 1) é empírica, 2) procura certezas, 3) procede utilizando um método científico, 4) descreve o mundo observável, não um mundo não observável e 5) é cumulativa e progride.

Os filósofos da ciência apresentam-nos pontos de vista discordantes acerca destes critérios. Alguns rejeitam completamente um ou mais deles. Por exemplo, enquanto alguns aceitam a ideia de que a ciência é empírica, os racionalistas rejeitam-na, pelo menos no que toca aos princípios fundamentais acerca do espaço, da matéria ou do movimento. Surgem divergências até mesmo entre os empiristas; por exemplo, entre aqueles que advogam que os princípios científicos devem ser verificáveis e aqueles que negam esta possibilidade, exigindo apenas a sua falsificabilidade.

Algumas versões destes cinco critérios — considerados como metas a atingir — poderão ser defensáveis.

1. "Em que consiste o problema e quando se coloca?"
A expressão "problema da demarcação" foi introduzida por Popper para se referir "ao problema de se encontrar um critério que nos permitisse distinguir as ciências empíricas, por um lado, da matemática e da lógica, entendidos como sistemas metafísicos, por outro" ([1934] 1959: 34). Apesar de Popper se referir à matemática e à lógica, outros autores preocupam-se em distinguir a ciência da metafísica e da pseudociência.

Alguns filósofos, incluindo Popper, colocam o problema movidos por um desejo intelectual de clarificar esta distinção. Os positivistas lógicos tinham também o objectivo de deitar por terra as disciplinas não científicas, tais como a metafísica e a teologia, as quais parecem descrever o mundo físico mas que, por serem inverificáveis, são (alegam os positivistas lógicos) desprovidas de sentido. Outros têm objectivos mais práticos. Num país como os EUA, que oficialmente procura separar a igreja do estado, a religião não deve ser ensinada nas escolas públicas, mas a ciência pode sê-lo. Então, a questão prática passa a ser o que devemos considerar ciência (por exemplo, dizendo se o nome "ciência criacionista" está bem empregue).

2. "A ciência é empírica"
A metafísica, a filosofia e a teologia não o são. O significado disto, todavia, pode variar conforme os pontos de vista. Segundo uma concepção habitual, a ciência é formada por proposições (tais como a lei da conservação da energia), que ou são directamente observáveis através da observação sensorial, ou podem ser inferidas a partir de observações deste tipo por meio de um raciocínio indutivo (que parte de alguns casos observados para uma conclusão sobre todos os membros de uma mesma classe), ou delas derivadas de forma dedutiva. Por contraste, as proposições metafísicas (por exemplo, "os universais de Platão existem") não conseguem satisfazer estes critérios. Newton, que defendia esta concepção empirista, dizia ter derivado as suas três leis do movimento e a lei da gravidade a partir de fenómenos observados, utilizando a indução e a dedução. Muitos empiristas defendiam pontos de vista semelhantes, incluindo J. S. Mill e os positivistas lógicos. Uma concepção empirista significativamente diferente é aquela que Popper abraça. Este, de acordo com Hume, considera que o raciocínio indutivo carece de justificação lógica. Para Popper, apesar de as leis científicas não poderem ser indutivamente verificadas, elas podem ser falsificadas através da observação de um único caso negativo. Assim, a falsificabilidade baseada na observação, mais do que a verificabilidade, é aquilo que dá à ciência o seu carácter empírico.

Apesar de a grande maioria dos autores influentes que escreveram sobre a ciência terem defendido que as proposições científicas são empíricas, há excepções relevantes, especialmente no que toca aos princípios fundamentais acerca do espaço, da matéria e do movimento. Descartes acreditava que os princípios mais fundamentais da física (não menos que os da metafísica) podem ser conhecidos a priori, através do uso das intuições da razão e de deduções feitas a partir delas. Os outros aprioristas incluem Kant, que afirmava que estes princípios são sintéticos a priori, e Poincaré, que defendia que se tratam de convenções linguísticas. Whewell propõe uma concepção mista segundo a qual, apesar de as ciências terem primeiro que chegar à proposições pela via empírica, à medida que as suas ideias científicas se vão clarificando apercebem-se que estas proposições são necessárias e cognoscíveis a priori.

3. "A ciência procura certezas"
No que toca a este critério, a ciência parece-se com a matemática e é diferente da metafísica, da teologia e da astrologia, as quais, alegadamente, nunca poderão ser senão especulativas. Nas Regulae ad directionem ingenii (Regras para a direcção do espírito) (1620-c.9) a segunda regra de Descartes diz-nos que "importa lidar apenas com aqueles objectos para cujo conhecimento certo e indubitável os nossos espíritos parecem ser suficientes" . Os empiristas encontram-se mais divididos. Newton, que rejeitou a ideia de Descartes de que a ciência deveria procurar proposições indubitáveis, reconhece na sua quarta regra do método científico que qualquer proposição, por muito sustentada que seja, está sujeita a confrontar-se com excepções, à medida que novos fenómenos vão sendo observados. Ainda assim, os cientistas deveriam sempre esforçar-se por procurarem as maiores certezas que as suas investigações empíricas lhes permitissem. Essas certezas podem ser obtidas "deduzindo proposições a partir dos fenómenos e generalizando-as através da indução".

Entre os empiristas, no outro extremo oposto a Newton, estão Popper e Laudan. Para Popper, a ciência não pode ter um elevado grau de certeza, uma vez que a utilização de quaisquer generalizações indutivas que poderia gerar essa certeza carece de justificação. Tampouco é desejável, uma vez que os cientistas fariam as generalizações mais fortes possível, logo, as mais improváveis. Para Laudan (1977) a ciência procura oferecer soluções "adequadas" para problemas "interessantes", para os quais as questões da verdade, da certeza ou mesmo da probabilidade são irrelevantes.

Uma perspectiva empirista que se situa entre estes dois extremos é a de Carnap e de outros probabilistas. Os cientistas devem procurar provas empíricas que sustentem uma dada teoria, aumentando a sua probabilidade, mas sem que necessariamente esta probabilidade seja elevada (para uma crítica, veja-se Achinstein 1983).

4. "Os cientistas seguem um método científico"
Os praticantes das não ciências não o fazem. Um método científico é um conjunto de regras que os cientistas deveriam seguir para descobrir e testar leis e teorias. Se tais regras existem e, assim sendo, qual é a sua formulação, se são universais para todas as ciências ou dentro de uma dada ciência, se mudam de uma época para a outra, são questões calorosamente disputadas.

De acordo com uma perspectiva, existem regras destinadas a testar as teorias científicas que se aplicam a toda a ciência em todas as épocas. Esta perspectiva foi abraçada por Descartes, que propôs vinte e uma dessas regras; foi também defendida por Newton (1687), que propôs quatro "Regras de pensamento para a filosofia [natural]", consistindo em duas para inferir causas de coisas, e duas para produzir generalizações indutivas a partir de fenómenos observados.

As duas mais importantes posições empiristas empenhadas num método científico universal são o hipotético-dedutivismo e o indutivismo. Perante os dados e os problemas o cientista começa por propor uma hipótese, a qual não é indutiva ou dedutivamente inferida a partir dos dados ou de qualquer outra coisa, mas simplesmente apresentada como uma conjectura. Partindo dela e, possivelmente, de outras suposições, são deduzidas conclusões observáveis, geradas por via dedutiva, utilizando a lógica e, frequentemente, a matemática. Se as conclusões são confirmadas pela observação, a hipótese é provisoriamente aceite. Se se descobrir que são falsas, a hipótese é rejeitada e é proposta outra nova hipótese. Esta é a perspectiva de Popper.

Contrastando com ela, os indutivistas exigem mais um passo: um argumento indutivo que dê um apoio independente à hipótese ou à teoria. Este consiste em aplicar aquilo que se observou num número limitado de casos a todos os casos abrangidos por uma dada lei, ou em procurar causas semelhantes para efeitos semelhantes. Indutivistas como Newton ou Mill rejeitaram o método hipotético-dedutivo com a justificação de que diferentes hipóteses incompatíveis podem implicar os mesmos dados. Aquilo de que se necessita é que uma delas tenha um suporte indutivo independente.

A existência de um método científico universal tem sido contestada por vários autores do Século XX, especialmente a partir dos anos 60. Thomas Kuhn (1962), defendendo uma abordagem histórica e relativista, afirma que numa dada época os cientistas trabalham dentro de um "paradigma", o qual consiste num conjunto de conceitos, práticas, parâmetros de avaliação, regras de pensamento e métodos de observação que variam consideravelmente de uma ciência e de uma época para outra. O paradigma define os problemas que têm que ser resolvidos e os métodos para o fazer. Não há um método científico comum a todos os paradigmas.

Para terminar, foi advogada uma abordagem sociológica da ciência (veja-se, por exemplo, Pinch 1986), da qual existe uma versão forte que rejeita que se recorra às regras metodológicas para explicar os procedimentos dos cientistas. As teorias, sendo subdeterminadas pelos dados, não podem ser inferidas desses dados através de regras. Dever-se-ia, em vez disso, observar dentro da comunidade científica os factores sociais que explicam a forma como uma teoria científica se desenvolve e o grupo "negoceia" a sua aceitação.

5. "A ciência descreve apenas o mundo observável"
A metafísica, a teologia e, até, a matemática descrevem mundos que subjaze, ou que estão para além, ou que são independentes daquilo que pode ser observado. Este é um ponto de vista defendido pelos instrumentalistas e outros "anti-realistas", e rejeitada pelos realistas. Os anti-realistas consideram que o fito da ciência é "preservar os fenómenos" formulando teorias que preverão correctamente o que é observável. Alguns anti-realistas como, por exemplo, Duhem e Fraassen, acreditam na existência de um mundo não observável, mas negam que o objectivo da ciência seja descrevê-lo. Para Duhem, esse é o objectivo da metafísica e da teologia. Outros anti-realistas, como os positivistas lógicos dos anos 50 e 60, por exemplo, defendem uma posição instrumentalista forte, de acordo com a qual as afirmações que a ciência apresenta acerca de coisas não observáveis devem ser formuladas não como se se estivesse a falar de entidades reais, mas como instrumentos linguísticos de uma teoria destinados a gerar afirmações sobre coisas observáveis. Segundo estes autores, tanto a ciência como a metafísica introduzem termos que designam objectos não observáveis que não denotam objectos do mundo. A diferença entre estas duas disciplinas é que os cientistas, ao contrário dos metafísicos, ligam estes termos a objectos observáveis, de maneira a fazerem previsões observáveis.

Em contraste, os realistas afirmam que existe um mundo físico independente das nossas mentes, das nossas observações e das nossas teorias. Este mundo contém não apenas coisas e acontecimentos que os cientistas podem observar (por exemplo, os planetas), mas também outros que não podem ser observados (por exemplo, quarks). A tarefa do cientista é descrever tanto o mundo observável como o mundo não observável. A aceitação de uma teoria implica que se tome por verdadeiro aquilo que ela diz acerca de ambos. Para um realista, a distinção entre ciência e metafísica não pode ser traçada dizendo que a ciência, ao contrário da metafísica, fala daquilo que é observável.

6. "A ciência é cumulativa e progride"
O mesmo não acontece com a metafísica, a teologia e a filosofia. A história da filosofia, por exemplo, é apenas uma história de teorias que se sucedem. Quanto maiores são as diferenças da nova teoria em relação à anterior, quanto mais discorda dela, tanto maiores são as suas hipóteses de ser tida em conta. Pelo contrário, a ciência desenvolve-se de uma forma crescente e progressiva, preservando grande parte daquilo que já edificou e continuando a construir sobre essa base. Além disso, à medida que avança, a ciência detém mais e mais verdades acerca do mundo (ou preserva mais e mais fenómenos); a filosofia não o faz.

Esta ideia, energicamente defendida pelos positivistas lógicos, veio a ser fortemente contestada nos anos 60, em particular por Feyerabend e Kuhn. Ambos argumentaram que geralmente uma teoria predecessora não é derivável de uma teoria sucessora. Por vezes, notou Feyerabend, as duas nem são logicamente compatíveis. Por vezes as duas são "incomensuráveis": utilizam conceitos cujos significados dependem de teorias diferentes e não podem ser traduzidos de uma teoria para a outra. Para Kuhn isso acontece quando, como nos casos da mecânica newtoniana e na mecânica da relatividade, as teorias fazem parte de paradigmas diferentes.

7. "Poderá haver algum critério de demarcação?"
Poder-se-ia supor que não, tendo em conta estas controvérsias sobre o que é a ciência. De facto, até a necessidade de um critério de demarcação tem sido contestada por alguns filósofos, especialmente por aqueles que consideram que a filosofia é ou deveria ser desenvolvida como parte da ciência (por exemplo, Quine 173).

Ainda assim, tendemos a distinguir a ciência de outras disciplinas. A mecânica de Newton é uma teria científica, mas a sua teoria do método científico não o é; trata-se de uma teoria filosófica. Talvez nos fosse útil pegarmos numa determinada época da ciência, ou até numa ciência em particular, como a física de uma dada época, e fazer algumas afirmações sobre os objectivos comuns àqueles que nessa época a praticaram, ao mesmo tempo que se reconhece que estes objectivos podem mudar e que nem todos os cientistas os aceitam. Tendo isto em mente, poderíamos dizer que as referidas afirmações reflectiriam objectivos científicos que em dado momento haveria que atingir.

Por exemplo, na física moderna, tal como noutras ciências, um objectivo é o de apresentar ideias empiricamente testáveis — ainda que no momento (como acontece com a teoria dos supercondutores) não se saiba como testar empiricamente essas ideias. Quando em 1897 J. J. Thompson afirmou que os raios catódicos são partículas carregadas, e não ondas, não lhe bastava postular que assim era. Ele pretendeu mostrar como em princípio esta afirmação poderia ser empiricamente testada através da demonstração de que os raios podem ser deflectidos electronicamente — algo que antes não havia sido conseguido. O objectivo de formular hipóteses empiricamente testáveis é comummente partilhado pelos físicos, mas não pelos filósofos. Os físicos podem ser tão especulativos como os metafísicos, mas não podem sê-lo por demasiado tempo.

Outro objectivo é o de atingir certezas, pelo menos tanto quanto o possível, através da realização desses testes. Apesar de os filósofos, teólogos e matemáticos poderem ansiar por atingir certezas, o meio de que dispõem para as atingir é a argumentação a priori, em vez de testes empíricos. (Para um ponto de vista contrário acerca do estatuto da filosofia da ciência, veja-se Donovan et al. 1988) Este objectivo está relacionado com dois outros. Mesmo que tanto os físicos como os metafísicos postulem entidades "inobserváveis", um dos objectivos da física, que não da metafísica, é o de eventualmente torná-los "observáveis" — detectá-los e medi-los. Para Thomson não bastava postular a existência das partículas, ou mesmo descrever um processo experimental de os deflectir e de medir o ratio entre a sua massa e a sua carga eléctrica. Ele também tentou (com sucesso) levar a cabo o experimento. E o assunto não ficou por aqui. Thomson procurou demonstrar a sua teoria das partículas carregadas a partir dos resultados dos seus experimentos. Fê-lo, como Newton e Mill sugeriram, utilizando quer a dedução, quer a generalização indutiva. (veja-se Achinstein 1991). Para se obter tanta certeza quanto a possível através de testes empíricos é preciso utilizar argumentos lógicos, seguindo um "método científico". Sem este tipo de argumentos, a mera "negociação" no interior do grupo não é suficiente.

Para concluir, a física actual é mais cumulativa e progride mais do que a metafísica ou outras áreas da filosofia. Um físico pode surgir com ideias completamente novas, mas quando delas tenta retirar consequências é conveniente que utilize princípios gerais, tais como as leis da conservação, que têm uma base empírica sólida. Doutro modo, as deduções cujas conclusões podem ser testadas seriam muito mais raras do que já o são. Na filosofia contemporânea, pelo contrário, poucos ou nenhum princípios gerais são considerados pela maior parte dos filósofos como solidamente estabelecidos.

Admitindo que estes representam os objectivos de muitos físicos (mas não dos filósofos ou de outros "não-cientistas"), uma tarefa dos filósofos da ciência é fornecer uma análise crítica e sistemática dos mesmos. Os filósofos da ciência podem também tentar determinar até que ponto estes objectivos, assim classificados e sistematizados, podem ser os de outros cientistas de outras áreas e de diferentes momentos históricos.

Peter Achinstein


Offline Huxley

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #1 Online: 27 de Junho de 2006, 17:33:38 »
Alguns filósofos chegaram a argumentar que não existe um limite preciso entre ciência e não-ciência, devido a tese de Duhem-Quine que diz que nada pode ser falseado se você quiser fazer ajustes adequados em outro lugar em seus comprometimentos teóricos.A priori, a astrologia poderia ser científica se seus praticantes expusessem os seus enunciados sob testes rigorosos, mas estes viram o rosto para a primeira evidência contrária que aparece.

Até pode ser que a tese de Duhem-Quine esteja enganada (acredito que esteja) , mas é difícil saber quando é a situação em que uma teoria é inadequada (não estou falando na "falsidade" da teoria).Dado que ciência resiste a revoluções, será que é apenas quando vemos os cientistas ‘alternando’ uma visão para outra, como abordou Thomas Kuhn?
« Última modificação: 27 de Junho de 2006, 17:35:34 por Huxley »
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Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #2 Online: 27 de Junho de 2006, 23:24:44 »
Alguns filósofos chegaram a argumentar que não existe um limite preciso entre ciência e não-ciência, devido a tese de Duhem-Quine que diz que nada pode ser falseado se você quiser fazer ajustes adequados em outro lugar em seus comprometimentos teóricos.A priori, a astrologia poderia ser científica se seus praticantes expusessem os seus enunciados sob testes rigorosos, mas estes viram o rosto para a primeira evidência contrária que aparece.

Até pode ser que a tese de Duhem-Quine esteja enganada (acredito que esteja) , mas é difícil saber quando é a situação em que uma teoria é inadequada (não estou falando na "falsidade" da teoria).Dado que ciência resiste a revoluções, será que é apenas quando vemos os cientistas ‘alternando’ uma visão para outra, como abordou Thomas Kuhn?


Se o ajuste for a adição de uma hipótese testável, então continua valendo dentro do popperianismo. Havia uma teoria t 1.0 que não passou num teste, então criou-se uma nova teoria t 1.1 que consiste em t 1.0 + h, sendo que h é testável, então t 1.1 também é. E assim a ciência evolui.
Se h for um ad hoc não testável, por exemplo "Só parece que o Universo tem muito mais de 6000 anos, mas o fato é que Deus, a 6000 anos atrás, criou o Universo parecendo que ele já era velho", o popperianismo invalida.
O que Popper não explica bem é até que ponto pode-se ir ajustando t 1, quando já seria hora de adotar outra teoria t 2.0. Lakatos, discípulo de Popper, aborda bem mais este aspécto.

Definir "ciência" como aquilo que os cientistas fazem tem implicações como ser arbitrário ensinar darwinismo e não criacionismo nas escolas.
Compensa muito mais olhar para a história da ciência e ver qual tipo de atitude produziu conhecimento e qual criou estagnação.

Offline Huxley

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #3 Online: 29 de Junho de 2006, 18:58:04 »

Se o ajuste for a adição de uma hipótese testável, então continua valendo dentro do popperianismo. Havia uma teoria t 1.0 que não passou num teste, então criou-se uma nova teoria t 1.1 que consiste em t 1.0 + h, sendo que h é testável, então t 1.1 também é. E assim a ciência evolui.
Se h for um ad hoc não testável, por exemplo "Só parece que o Universo tem muito mais de 6000 anos, mas o fato é que Deus, a 6000 anos atrás, criou o Universo parecendo que ele já era velho", o popperianismo invalida.
O que Popper não explica bem é até que ponto pode-se ir ajustando t 1, quando já seria hora de adotar outra teoria t 2.0. Lakatos, discípulo de Popper, aborda bem mais este aspécto.

Definir "ciência" como aquilo que os cientistas fazem tem implicações como ser arbitrário ensinar darwinismo e não criacionismo nas escolas.
Compensa muito mais olhar para a história da ciência e ver qual tipo de atitude produziu conhecimento e qual criou estagnação.


Não há dúvidas que o modelo dedutivo-nomológico e o teste da falsificação é um dos instrumentos mais poderosos de testes para teorias.Entretanto, ela possui alguns problemas no que se diz respeito às ciências históricas.Na astronomia, geologia e na biologia evolutiva não existem leis naturais como na física e na química.Nestes casos, podem ser adotado um tipo especial de teoria hipotética-dedutiva chamada lei de cobertura, em que há retrodições (e não predições) das condições iniciais.Por exemplo, pela teoria da evolução de Darwin nunca existirão fósseis de coelhos no Cambriano, novas espécies sendo estabelecidas sem espécies ancestrais, vacas compartilhando mais retrovírus endógenos com nós do que com chimpanzés, etc. Mas há um questionamento da adequação deste modelo nestas ciências devido ao papel do acaso e da aleatoriedade em eventos biológicos, geológicos e cosmológicos.Porque o caso particular de uma aparente refutação de determinada lei pode não ser mais que uma exceção, como é comum nestas ciências.


Outra questão que me faz cético ao critério de demarcação é o caráter único de um alto percentual de fenômenos biológicos, geológicos e cosmológicos.Alguns eventos, por exemplo, a explicação da extinção dos dinossauros, pode ser que a extinção de uma fauna por um meteoro tenha acontecido uma única vez na história da terra, então como vamos retrodizer as condições iniciais de algo que pode ter ocorrido uma única vez?Cientistas certamente usam a metodologia das narrativas históricas aqui e não leis e experimentos.O melhor é admitir que o critério de demarcação de Popper não fornece um limite preciso entre ciência e pseudociência, uma coisa que um número razoável de filósofos eminentes observaram.

No mais, concordo com você.Teorias ad hocs não são “tentativas de salvar anomalias”. A proliferação de teorias diferentes muitas vezes é responsável pelo crescimento do conhecimento.A ciência não se deve se fechar para teorias únicas.

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #4 Online: 01 de Julho de 2006, 01:12:40 »
Não tem problema algum de incompatibilidade com o popperianismo uma teoria ou ciência não fazer predições, mas retrodições. A questão é lógica:
Se uma teoria A procede, então um prognóstico B dedutível de A também procede. Se as evidências comprovam que B não procede, conclui-se por Modus Tollens que a teoria A também não procede.  A saber:



Claro que existem casos mais complexos também, onde são duas teorias juntas que fazem um prognóstico. Neste caso, se os testes negarem o prognóstico, fica em aberto qual das duas (se não forem ambas) são falsas. Como no exemplo:
Se a física newtoniana está correta e o número de planetas no sistema solar é 6, então as órbitas dos planetas estão de acordo com nossos cálculos.
As órbitas dos planetas não estão de acordo com nossos cálculos.
Logo, a física newtoniana está errada ou o número de planetas não é 7.

Até já li em algum lugar que Popper falava de uma certa "seleção natural" das teorias. Aquelas que fazem mais predições tem mais chances de prevalecer, como é o caso da física de Newton em relação ao número de planetas.

Mas é isto... é só uma questão de lógica então não importa se o prognóstico seja predição ou retrodição. O darwinismo é científico segundo os critérios popperianos, já que existem falseadores potenciais:
- Fósseis fora do lugar, como cetáceos na Era Mezozóica ou répteis mamaliformes no Pré-Cambriano
- Existência de pseudogenes em desacordo com o esperado pelas filogenias ( i.e. homens compartilhando mais retrovírus endógenos com elefantes do que com sagüis )

Offline Latorre

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #5 Online: 04 de Julho de 2006, 17:36:12 »
O problema da demarcação consiste em distinguir a ciência das disciplinas não científicas que também pretendem fazer afirmações verdadeiras sobre o mundo.

Em princípios bem simples, a ciência admite a existencia da verdade, mas admite também, que somos (nós, humanos) passíveis de erro. Assim, a ciência admite a impossibilidade de alcançar a certeza de ter alcançado uma verdade. Em sumo, jamais saberemos se chegamos na verdade ou não e, portanto, duvidar sistematicamente e embasar factualmente as suposições seria o caminho mais seguro.

Me corrijam, por favor, se estou errado mas... nestes termos, não consigo imaginar que possam existir outras disciplinas que também pretendam chegar a verdade, porém de outra forma que não a científica (ou seja, admitindo a falibilidade humana), e que mesmo assim sejam úteis. É claro que podemos chegar a verdade através da filosofia pura, da tentativa-e-erro e até perguntando a um oráculo. Quem garante que a resposta não poderia vir correta??

E o problema é justamente nessa falta de garantia. De que vale uma resposta cuja probabilidade de estar correta ou incorreta é de exatos 50%?

"If a man will begin in certainties, he shall end in doubts. But if he will be content to begin in doubts, he shall end in certainties." (Francis Bacon)

Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #6 Online: 04 de Julho de 2006, 19:32:53 »
O problema da demarcação consiste em distinguir a ciência das disciplinas não científicas que também pretendem fazer afirmações verdadeiras sobre o mundo.

Em princípios bem simples, a ciência admite a existencia da verdade, mas admite também, que somos (nós, humanos) passíveis de erro. Assim, a ciência admite a impossibilidade de alcançar a certeza de ter alcançado uma verdade.

Fraca sua definição. Então uma pessoa que cautelosamente levanta um conhecimento ordinário acerca do mundo, estando sempre aberta a rever sua posição, está fazendo ciência?
Se meu pensamento metafísico admite a impossibilidade de alcançar a certeza de ter alcançado uma verdade, ele é científico?
A matemática não é ciência só porque posso ter a certeza absoluta que o teorema de Pitágoras segue dos postulados de Euclides?
Um cientista cujo entusiasmo é farto e o esclarecimento epistemológico é pouco pode muito bem acreditar que seus experimentos estão levando-o, sem sombra de dúvidas, a uma verdade. O que ele faz não é ciência por causa disto?

Repare em seu próprio julgamento: é impossível alcançar a certeza de ter alcançado a verdade.
Ou você adimite que ele é um julgamento de uma metafísica que pode garantir verdades, ou ele recai em paradoxo de auto-referência:
Se "é impossível alcançar a certeza de ter alcançado a verdade" é uma proposição verdadeira, então não posso ter certeza de que ela é verdadeira.
« Última modificação: 04 de Julho de 2006, 19:38:39 por Dante, the Wicked »

Offline Rodion

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #7 Online: 05 de Julho de 2006, 08:17:08 »
dante, o que acha do enquadramento das humanas em ciência?
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #8 Online: 08 de Julho de 2006, 01:19:47 »
dante, o que acha do enquadramento das humanas em ciência?

É tão possível que os economistas já fazem ciência faz muito tempo: descrevem a parcela do mundo que sua ciência se propõe a estudar e fazem prognósticos testáveis.
Mas meus colegas das ciências sociais ainda tem muito o que aprender o que é ciência.
O mesmo vale para os historiadores brasileiros que em sua maioria não fazem outra coisa além de forçar a interpretação da história segundo o motor econômico e !@@#$$%&.
Os historiadores americanos - ao menos pelo que vejo nos documentários - fazem ciência própriamente dita, na medida que formulam teorias para explicar fenômenos históricos, sendo que estas são testáveis pela arqueologia, medicina forense, análise de documentos históricos etc.
 

Offline Huxley

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #9 Online: 16 de Julho de 2006, 20:43:33 »
O que eu tenho protestado aqui é pelo critério de base empírica de alguns filósofos (como Carl G. Hempel )que acreditam que uma explicação só é científica se for através do modelo dedutivo-nomológico, dedutivo-estatístico ou indutivo-estatístico.Estes modelos não são adequados e sofisticados para retirar tudo de importante de explicações de fenômenos tido como "complexos" como estados mentais conscientes e intencionais e os aspecto funcionais de traços nos organismos.Qualquer explicação científica que tem um aspecto narrativo, e tem o poder de gerar uma representação crível do assunto que é seu objeto, leva a um tipo particular de explanação do fenômeno, coisas que ocorrem na biologia funcional e na psicologia. 
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Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #10 Online: 16 de Julho de 2006, 22:33:55 »
O que eu tenho protestado aqui é pelo critério de base empírica de alguns filósofos (como Carl G. Hempel )que acreditam que uma explicação só é científica se for através do modelo dedutivo-nomológico, dedutivo-estatístico ou indutivo-estatístico.Estes modelos não são adequados e sofisticados para retirar tudo de importante de explicações de fenômenos tido como "complexos" como estados mentais conscientes e intencionais e os aspecto funcionais de traços nos organismos.Qualquer explicação científica que tem um aspecto narrativo, e tem o poder de gerar uma representação crível do assunto que é seu objeto, leva a um tipo particular de explanação do fenômeno, coisas que ocorrem na biologia funcional e na psicologia.

Hempel era positivista. Corrente que preza muito mais o carater instrumental da ciência do que o descritivo.

Offline DDV

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #11 Online: 19 de Julho de 2006, 04:31:43 »
Citação de: Dante, the Wicked
Se o ajuste for a adição de uma hipótese testável, então continua valendo dentro do popperianismo. Havia uma teoria t 1.0 que não passou num teste, então criou-se uma nova teoria t 1.1 que consiste em t 1.0 + h, sendo que h é testável, então t 1.1 também é. E assim a ciência evolui.
Se h for um ad hoc não testável, por exemplo "Só parece que o Universo tem muito mais de 6000 anos, mas o fato é que Deus, a 6000 anos atrás, criou o Universo parecendo que ele já era velho", o popperianismo invalida.

O que Popper não explica bem é até que ponto pode-se ir ajustando t 1, quando já seria hora de adotar outra teoria t 2.0. Lakatos, discípulo de Popper, aborda bem mais este aspécto.

Segundo Popper, o ajuste t 1 pode prosseguir indefinidamente dese que a hipótese auxiliar seja testável. Na prática, é muito difícil continuar formulando hipóteses auxiliares falseáveis e impossível fazer isso indefinidamente, já que a quantidade de parâmetros a serem atendidos cresceria mais e mais. Em suma, não é tão simples e automático assim formular hipóteses auxiliares não ad-hoc para teorias científicas, uma hora trava.

Citação de: Dante
Definir "ciência" como aquilo que os cientistas fazem tem implicações como ser arbitrário ensinar darwinismo e não criacionismo nas escolas.
Compensa muito mais olhar para a história da ciência e ver qual tipo de atitude produziu conhecimento e qual criou estagnação.


O que os cientistas fizeram no passado, apesar de serem exemplos e lições, não deve obrigatoriamente ser seguido se pudermos fazer melhor. O mais correto seria definir os objetivos da ciência e com base nisso formular racionalmente o método que permita melhor atingi-los.
Não acredite em quem lhe disser que a verdade não existe.

"O maior vício do capitalismo é a distribuição desigual das benesses. A maior virtude do socialismo é a distribuição igual da miséria." (W. Churchill)

Offline Hugo

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Re: Onde começa e onde termina a ciência segundo a filosofia
« Resposta #12 Online: 19 de Julho de 2006, 09:31:23 »


No mais, concordo com você.Teorias ad hocs não são “tentativas de salvar anomalias”. A proliferação de teorias diferentes muitas vezes é responsável pelo crescimento do conhecimento.A ciência não se deve se fechar para teorias únicas.



Olha, salvar "anomalias" não, mas salvar teorias que têm seu nucleo duro bem definido, sim. Temos vários exemplos sobre isso e o próprio Imre Lakatos dá esses exemplos para defender a sua tese de Pesquisa Científica.

Caramba... acabei de pagar as disciplinas de Filosofia das Ciências e Hist. da Filosofia das Ciências Humanas e é tudo isso que voces estão debatendo. Porque esse tópico não foi aberto mês passado???  |( |( |(

Em todo caso, voces já disseram tudo, ou quase tudo, mas um ponto que gostaria de abordar é a pergunta que o Bruno fez (vou só refazer a pergunta): " É possível Ciência do Espírito?, isto é, é possível Ciências Humanas?". "E se é possível, como então?"



"O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião". (Thomas Hobbes, Leviatã)

 

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