o autor do texto original foi processado na década de 80:
"As Viagens de Gulliver é certamente a mais virulenta denúncia do gênero humano jamais feita por um escritor. Sua atualidade é espantosa: nos anos 70, publiquei em Porto Alegre uma sátira de Swift aos advogados, que encontramos na viagem ao País dos Houynhnhms. Minha crônica, na qual eu citava devidamente o autor, foi republicada sem minha permissão em um jornal de Peruíbe, São Paulo, em 1983. Algum tempo depois, os editores do jornal andavam à minha procura, me implorando que escrevesse uma carta ao juiz local, dizendo ser a crônica de minha autoria, sem nenhuma alusão a personagens vivos ou mortos de Peruíbe. Ocorreu que três advogados de Peruíbe se sentiram difamados com o texto e julgaram que Janer Cristaldo fosse um pseudônimo do editor da Tribuna de Peruíbe. Um juiz, demonstrando nada dever em matéria de cultura aos três advogados, aceitou a denúncia e processou o diretor do jornal. Que também jamais havia ouvido falar de Swift. Imagino que, naqueles dias, o deão deve ter dado boas gargalhadas em sua tumba na catedral de Saint Patrick.
Swift escreveu As Viagens em 1726. Dois séculos e meio mais tarde, foi processado por calúnia em Peruíbe.(1) Entrincheirado em sua catedral, isolado do mundo e distante até mesmo de suas duas amadas, Stella e Vanessa, o deão passou seus dez últimos anos mergulhado na loucura. Certa vez, ao ver uma árvore cuja copa fenecia, disse: “morrerei como aquela árvore”. Assim feneceu."
NOTA:
(1) ACORDAM, em Décima Primeira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação unânime conceder a ordem para determinar o trancamento de ação penal instaurada contra os pacientes.
Os doutores Plínio Pinto Teixeira e Ary Oswaldo Mattos impetraram habeas corpus em favor de Félix Pinheiro Rodrigues e Helena Pereira, afirmando estarem estes sofrendo coação ilegal por parte do Juízo de Primeira Vara Criminal e de Menores da Comarca de São Vicente, ao receber queixa-crime que lhes é movida, inicialmente dirigida a Solon Borges dos Reis, pelos advogados Drs. Sérgio Miranda Amaral, Nelson Egídio Novi e Eli da Glória Camargo. Em síntese, com fulcro nos artigos 21 e 22 da Lei 5.250. de 1967, expõem os querelantes terem sido atingidos em sua honorabilidade pessoal e decoro, na condição de militantes da advocacia, ante a publicação de matéria no jornal “TRIBUNA DE PERUÍBE”, da qual são os suplicantes diretores, edição nº 15 da primeira quinzena de agosto de 1983, intitulada “Piedade, Excelência”, da autoria do professor catarinense Janer Cristaldo, inspirada na obra “Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift. Pleiteiam o trancamento da ação penal, por faltar-lhe justa causa, desde que ausente o elemento subjetivo dos apontados crimes contra a honra. Alegam não haver expressões que possam identificar os querelantes como alvos de difamação ou injúria, ter havido posterior retratação no número seguinte do jornal, estarem seus responsáveis dispostos a publicar qualquer resposta e ser bom o relacionamento que desfrutam junto a advogados.
Prestadas as informações, a douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pela concessão de ordem.
É o breve relatório.
Merece acolhida a súplica, porquanto inexiste justa causa a lastrear a referida ação penal.
Como diretores do periódico “Tribuna da Imprensa”, os pacientes fizeram nesta reprodução do artigo sob título “Piedade Excelência”, por acharem-no curioso e interessante. Fora o mesmo já divulgado anteriormente por outro jornal (fls.18). Trata-se de mera crônica, em que o autor, o professor Janer Cristaldo, devidamente indicado, externa o seu desencanto pelo exercício da advocacia, após completado o curso de bacharelato, certamente devido a problemas vocacionais. Emoldurou-o com toques de erudição, trazendo à baila uma passagem da obra universal de Jonathan Swift, “Viagem de Gulliver”. E o trecho a calhar ao propósito do cronista, refere-se à narrativa que o personagem principal transmitia a um monarca, tudo sob o manto da ficção, sobre a aplicação das leis positivas em seu país, com exemplos em que se inserem a conduta de certos advogados e a submissão do povo aos éditos judiciais.
Ora, trata-se de referência sob o color literário e em estilo elevado, notadamente quando se sabe ter sido aquela obra-prima, que deu nome ao escritor irlandês do século XVIII, a par de seus encantos a todas idades e gerações, indisfarçável sátira arremetida à sociedade inglesa e à civilização da época. Como muitos então deveriam ter torcido o nariz, em desaprovação, por seguro não receberá o professor Janer aplausos de todos os seus leitores. Entretanto, manda o bom senso eximir-nos de atitudes desapropriadas, como os querelantes, vez que ali tudo se quedou em idéias, esboços e no plano singelamente hipotético, de conformidade com a criatividade do seu autor.
Tribuna de Peruíbe, 1ª quinzena de março de 1985
(Comunicação feita na 7ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, RS, 05.09.97)
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/lerjornais.htmlaliás, esse ebook do janer é muito legal. atento pro texto "indústria textil" (sem acento circunflexo, mesmo).