O artesão
Havia, em tempos distantes, tão distantes que quiçá nem tenham existido, uma vila. Vila esta um tanto simplória, em que ainda se vivia de lavrar a terra, sem energia elétrica ou qualquer outra coisa do mundo moderno. Havia fome e havia pobreza; era pobre até mesmo o governante da vila, que, embora gozasse de alguns privilégios a que os demais habitantes não tinham acesso, como uvas de terras distantes ou espelhos, não poderia se dar ao luxo de usar pasta de dentes ou viajar para longe por puro lazer.
Apesar disso, pode-se dizer que as pessoas de lá eram felizes. Não porque não fossem tristes, mas porque não tinham tempo ou disposição pra pensar em sua miséria. Tinham, afinal, tudo do que achavam que precisavam, ou que julgavam possível ter; quando não eram assolados pelas secas e anos ruins na colheita, não passavam fome. E as secas, ora, fugiam ao controle de todos, não havia a quem culpar por elas senão aos deuses.Também não sentiam falta de pasta de dentes, decerto por nunca a terem conhecido.
Residia na vila um artesão muito talentoso e dedicado. Fazia bugigangas e trocava com os conterrâneos por alfaces, batatas, enfim, coisas necessárias pra continuar vivendo. Mas mesmo apesar de ter tudo o que queria, o artesão dedicava-se cada vez mais e mais.
Suas obras, bugigangas e afins, impressionavam a todos, rendiam respeito dos demais e batatas em fartura. Seus produtos passaram a ser almejados por toda a vila. Não era possível fazê-los pra todos, no entanto. O artesão não dispunha do tempo nem da dedicação sobre-humana pra tal tarefa. Premiava, então, com seus produtos aqueles que pudessem melhor lhe recompensar.
No geral, a produtividade de todos aumentou; queriam os produtos. E colocariam mais empenho na colheita da batata, do alface, até havia quem iria pra longe buscar uvas. Não tardou até aparecerem aprendizes, e gente de todo os lugares para desfrutar da vida naquela vila próspera, em que não faltavam batatas e tinha as ruas adornadas por tão talentoso artesão. Seca não mais havia. Tal era a atividade econômica que mesmo nos tempos difíceis não faltava o que era elementar..
Algumas décadas se passaram, e a vila produzia tanta batata, tanto alface... Tinha uvas e cerâmicas até de além do mar. Naturalmente, havia quem não pudesse desfrutar de tudo. Apesar de encontrar toda noite na mesa batatas e alfaces, havia quem queria mais. Queria os produtos do artesão. Mas o artesão tornou-se demasiadamente consagrado; nestes dias, para conseguir qualquer produto seu era preciso muito, pois havia gente que tinha muito a oferecer. De repente, batatas não seriam o suficiente para o artesão, talvez nem uvas.
Na praça, indignação. Muita gente queria os produtos, mas só podia oferecer batatas. Discursavam dia após dia, praguejando contra o artesão e contra aqueles que compravam seus produtos. Todos trabalhavam, ora! Não seria o mais justo que todos tivessem acesso ao que havia de melhor naquela vila? Que mérito tinha o presidente da companhia de comércio, que trazia as uvas de longe? Ficava o dia inteiro sentado enquanto eles plantavam batatas! Às armas!
Começou o conflito. As ruas, as casas, as lojas, todas pilhadas. O artesão acabou morto no meio da confusão, com uma enxadada na cabeça. Já estava velho mesmo. Os aprendizes fugiram para onde puderam. A sede foi saciada, estavam, enfim, todos fatigados; já haviam conseguido o que queriam; da obra do artesão, o que não foi destruído, ficou com quem conseguiu pegar.
As uvas e os produtos de além mar, no entanto, gradualmente sumiram; já não havia mais por que levá-los pra lá. As batatas que eram colhidas não enchiam nem um sexto do depósito, já não havia mais para que colhê-las com tanto esforço. Os aldeões eram tristes, agora; não tinham pasta de dentes e não ligavam, mas sabiam que as uvas, as obras do artesão e as demais coisas provavelmente nunca voltariam. Contentar-se-iam, de novo, com batatas e alfaces. Quando os houvesse.
...
...
...
bom, precisa ainda de alguns (muitos) reparos. acho que começou bem, mas ficou meio mal acabado.