Quando desligar os aparelhos?
http://zh.clicrbs.com.brMédicos discutem normas para garantir a interrupção de tratamentos
JAISSON VALIM
A classe médica intensificou, nas últimas semanas, o debate sobre uma proposta que influirá no futuro de três em cada 10 pacientes das Unidades de Tratamentos Intensivo (UTI) brasileiras. O Conselho Federal de Medicina (CFM) discute o rascunho de uma resolução que permite aos médicos interromperem os tratamentos que prolongam a vida de doentes em fase terminal, com autorização do paciente ou da família.
O texto também dá licença para desligar os aparelhos dos pacientes com morte encefálica que não doarão seus órgãos para transplante. A entidade não tem previsão da data de publicação da resolução, mas pretende fazê-lo ainda este ano.
- A ciência evoluiu tanto que consegue manter a vida de forma indefinida. A resolução virá para orientar a sociedade para assegurarmos a morte de um paciente sem estender o sofrimento por procedimentos fúteis e desnecessários - diz o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Luiz Augusto Pereira.
Embora o esboço não expresse a palavra em seus cinco artigos e médicos como Pereira rejeitem sua utilização, a nova medida formalizará a ortotanásia - a dispensa de recursos extraordinários para o prolongamento artificial da vida. Um paciente de câncer sem tratamento possível, por exemplo, receberia apenas anestesia e medicações contra a dor, quando ele ou o representante legal concordassem com essa ação. Caso o coração parasse de bater, o doente não seria ressuscitado por aparelhos.
O presidente da Comissão Especial de Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), Ricardo Rauber, diz que a resolução serve como orientação ética para a classe médica, mas não tem valor legal. Para a legislação brasileira, interpreta Rauber, não há diferença entre a ortotanásia e a eutanásia. Os dois casos configuram homicídio doloso, para o qual o Código Penal prevê uma prisão de até 20 anos.
O presidente do Cremers, porém, discorda. Ele afirma que a resolução tem amparo no artigo 5º da Constituição Federal, que impede "tratamento desumano ou degradante" a qualquer cidadão.
- É uma medida em favor da dignidade humana - defende.
( jaisson.valim@zerohora.com.br )
As definições
Quais as diferenças entre os dois termos, segundo a classe médica:
Eutanásia
A prática prevê a adoção de medidas para a abreviar a vida com o objetivo de evitar o sofrimento insuportável, desnecessário e inútil do paciente terminal
Ortotanásia
A prática prevê que a morte chegue naturalmente, com a dispensa ou suspensão de recursos extraordinários (respiradores artificiais e transfusões de sangue) quando o quadro do paciente se torna irreversível, sem qualquer esperança de cura ou de melhoria da qualidade de vida. O médico, contudo, ainda ministra medidas paliativas (como alimentação e remédios para alívio da dor) para assegurar o menor sofrimento possível do paciente até a morte
Fonte: Cremers
Saiba mais
O que diz a minuta da resolução, que ainda poderá sofrer modificações antes da publicação do Conselho Federal de Medicina
> O médico ganhará autorização para limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida de doente em fase terminal, de uma doença grave e incurável, desde que o paciente ou o representante legal dê permissão
> Em caso de o doente não ter condições de tomar decisões nem tenha representante legal, o médico terá licença para tomar as decisões que beneficiem o paciente
> O médico terá o dever de esclarecer o paciente e a família sobre as modalidades terapêuticas para a situação
> O paciente contará com o direito de continuar recebendo todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento
> O médico receberá permissão para suspender os procedimentos que mantinham o funcionamento dos órgãos vitais quando diagnosticada a morte encefálica em um não-doador de órgãos para transplante. Antes de executar a decisão, precisará procurar a família
Um caso polêmico
A americana Terri Schiavo (foto), que morreu em 31 de março de 2005 aos 41 anos, após ter passado 15 em estado vegetativo persistente, tornou-se um símbolo dos defensores da realização da eutanásia. O caso envolveu uma longa batalha judicial que movimentou, além da família, setores políticos e religiosos dos Estados Unidos.
A luta entre o marido e ex-guardião legal de Terri, Michael Schiavo, e os pais dela, Bob e Mary Schindler, começou em 1998, quando Michael pediu às cortes americanas pela morte da mulher. Os pais alegavam que Terri devia continuar viva porque tinha um "estado mínimo de consciência". Apesar de terem obtido laudos médicos comprovando o fato, a Justiça americana determinou, em 18 de março, a retirada do tubo de alimentação que mantinha a paciente viva.
O Conselho Federal de Medicina estima que 30% dos pacientes que ocupam leitos em UTIs não têm chance de recuperação.