O submundo da arteLivro revela os bastidores dos grandes roubos, mostra quem são os assaltantes e como funciona o mercado paralelo das obras de mestres da pintura surrupiadas dos maiores museus do mundo No dia 12 de fevereiro de 1994, às 6h29 da manhã, dois homens encostaram uma escada na janela da Galeria Nacional, o principal museu de arte de Oslo, na Noruega, quebraram o vidro da janela e levaram
O grito, a obra-prima de Edvard Münch avaliada em US$ 72 milhões. No seu lugar, pregado na parede, deixaram apenas um cartão-postal que retratava uma pintura da artista norueguesa Marit Walle, intitulada
Uma boa história, que mostra três homens rindo em demasia, com os rostos vermelhos, dando socos na mesa e respirando com dificuldade. No verso do cartão, uma mensagem escrita à mão: “Muito obrigado pela segurança precária”. A ousadia dos bandidos e o cinismo com o qual trataram o governo norueguês serve como ponto de partida para o recém-lançado livro
O Grito Roubado, do jornalista americano Edward Dolnick e publicado pela editora Relume. Baseado em fatos reais, munido com dezenas de horas de entrevistas com especialistas em arte, peritos em segurança e com a ajuda de Charles Hill, um talentoso agente da Scotland Yard, a polícia inglesa, Dolnick cartografa o submundo do mercado de arte com a precisão de um artista da Renascença.
O que leva uma pessoa a roubar um quadro de Da Vinci, Caravaggio ou Rembrandt é o lucro fácil. De acordo com a Interpol, a atividade criminosa no mercado de arte movimenta cerca de US$ 6 bilhões por ano. No ranking do comércio ilegal, perde apenas para o tráfico de drogas e de armas. E, diferentemente do que se pensa, não é tão fácil encontrar as obras depois de roubadas. Estatísticas apontam que, para cada dez peças levadas, apenas uma é resgatada. Só na Itália, onde qualquer aldeia tem uma igreja com artefatos do século 15, desaparece o equivalente ao acervo de um museu por ano. O tamanho dessa indústria do crime é assustador e a quantidade de obras desaparecidas causa ainda mais espanto. Se hoje algumas das principais peças fossem resgatadas, seria possível erguer um museu que poderia ladear em prestígio com qualquer instituição existente no planeta. Ele teria, por exemplo, 551 obras de Picasso, 43 de Van Gogh, 174 de Rembrandt e 209 de Renoir, sem contar Caravaggio, Cézanne, Ticiano, El Greco, Da Vinci e outros mestres.
Todas elas são extraídas das paredes dos museus e de propriedades particulares sem nenhum requinte – bem ao contrário do que é mostrado nos filmes de Hollywood. Em 2003, dois ladrões compraram ingresso para uma visita ao Drumlanrig Castle, na Escócia. Entraram, avistaram o quadro
Virgem do fuso, de Leonardo da Vinci, e não fizeram cerimônia. Um deles encostou uma faca no guia da excursão, enquanto o outro arrancava a tela da parede. Saíram à luz do dia com um quadro cuja avaliação oscila entre US$ 50 milhões e US$ 375 milhões. Outra obra,
O saltério, de Benvenuto Cellini, produzida em 1543 e considerada a Mona Lisa das esculturas, desapareceu do Museu de História da Arte de Viena sem deixar vestígio. Descobriu-se depois que um técnico de segurança escalou um andaime do museu e agarrou a peça. Dois anos depois, o bandido pediu resgate de US$ 12 milhões. A polícia rastreou a ligação e divulgou fotos do larápio no mundo inteiro. Ele se entregou e mostrou que a pequena escultura estava enterrada em uma floresta, em uma caixa de chumbo, intacta.
Mas, afinal, o que leva um assaltante a roubar uma peça conhecida no mundo inteiro? Além da vaidade, há uma questão crucial: a facilidade. Os agentes de segurança dos museus são mal preparados e mal remunerados. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma grande empresa de segurança verifica o salário dos funcionários do McDonald’s e oferece cinqüenta centavos a menos por hora de trabalho para os “guardas” de museu. “As pessoas que protegem as nossas obras de arte são as que não conseguiram um emprego de fritar hambúrguer”, diz o especialista em segurança Steven Keller. Na Europa acontece o mesmo. Em 1998, o Museu do Louvre, em Paris, teve um quadro de Corot,
O caminho de Sèvres, avaliado em US$ 1,3 milhão, levado durante o dia. Ele estava exposto em uma sala não monitorada e nunca mais foi encontrado. Uma investigação oficial foi aberta e o relatório oficial observou que “para o ladrão seria mais fácil roubar uma das 32 mil peças em exibição do que roubar uma loja de departamentos”.
Outro ponto facilitador é a sensação de impunidade sustentada em leis permissivas. Na Itália, se uma pessoa compra de boa-fé uma pintura de um comerciante legítimo, o proprietário se torna possuidor por direito – seja a obra roubada ou não. No Japão, se um quadro estiver desaparecido por mais de dois anos e alguém comprá-lo, o novo proprietário poderá ostentar a tela na parede. Se não conseguem vender, os bandidos tentam pedir o resgate. Afinal, estão com uma tela avaliada em dezenas de milhões de dólares e a maioria dos museus não tem seguro contra roubo, como a renomada Galeria Tate, em Londres. Caso não consigam o retorno, trocam por carregamentos de drogas ou deixam a tela mofando em porões. Para resgatar as peças, os agentes secretos dos departamentos de polícia usam rede de informantes e armam ciladas para os bandidos ao se passarem por compradores. O agente Charles Hill, da Scotland Yard, fez uso dessa tática para reaver
O grito. Ludibriou os larápios, se fez passar por um funcionário do Museu Getty, da Califórnia, que supostamente pagaria o resgate, e pôs as mãos na obra-prima. No dia 7 de maio de 1994, quase três meses depois do roubo,
O grito voltava para o seu lugar de direito e os bandidos apreciariam, como os amantes de arte ao contemplar uma obra de Münch, o sol nascer quadrado.
ROUBOS FAMOSOS O CAMINHO DE SÈVRES: Tela de Corot foi levada do Museu do Louvre durante o horário de visitação. Valor estimado: US$ 1,3 milhão
NATIVIDADE: Obra de Caravaggio foi levada de uma igreja italiana, em 1969, e até hoje está desaparecida.
O SALTÉRIO: Pequena escultura de Benvenuto Cellini, esteve desaparecida por dois anos até ser resgatada.
Valor estimado: US$ 50 milhões
VIRGEM DO FUSO: Quadro de Leonardo da Vinci ainda está desaparecido. Valor estimado: US$ 375 milhões
O GRITO: Quadro foi levado, em 1994, por dois ladrões e recuperado três meses depois. Ele vale US$ 72 milhões.
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/464/estilo/o_submundo_da_arte.htm