Constituinte: uma experiência popular necessáriaPor André Sena
A cultura política brasileira é marcada pela tradição oligárquica. A fragilidade ideológica dos partidos, o interesse privado em detrimento do publico e as decisões estratégicas constantemente tomadas sem qualquer participação popular, têm, como reflexo direto, o rebaixamento da Democracia à simples representação, à degradação das estruturas republicanas e à despolitização do povo e ao desencanto com a política.
As opiniões da classe dominante, com ajuda dos meios de comunicação de massa, de propriedade privada de algumas famílias, tendem sempre a receber o caráter de interesse geral, quando, na verdade, não passam de simulacros para garantir a maior fatia das riquezas à própria classe dominante. Essa conjuntura há muito tem ensejado, principalmente por parte da esquerda, a necessidade de uma profunda reforma do sistema político.
O abalo sofrido pelo Congresso Nacional, com a crise aberta pelas denúncias de “caixa dois” do PT e partidos da base aliada do governo, além das denúncias sobre o envolvimento de parlamentares no escândalo das “sanguessugas” e a Lista de Furnas, são o pano de fundo para trazer novamente à tona a discussão acerca da reforma política.
Tal reforma seria o ponto de partida para: a moralização das campanhas eleitorais, a reorganização dos partidos, de forma que se articulem em torno de plataformas políticas concretas; e a reformulação da democracia representativa.
Contudo, a resposta dos congressistas tem se restringido à declarações solenes com pouco desdobramento prático, ou seja, a reforma política não foi nem está sendo priorizada pelo Legislativo. Por outro lado, o PT que tem maior interesse na proposição da reforma, não possui correlação de forças suficiente para, sozinho, conduzir e aprovar o projeto no Congresso.
Os escândalos, que são pauta das CPIs, demonstram que alterar as leis que organizam a política nacional é uma tarefa urgente, e que esse é o momento mais propicio para realizar a referida reforma. O que temos visto são as oposições optarem pelo oportunismo, para fazer dos espaços de investigação seus palanques político-eleitorais: de um lado há o esquerdismo, no afã da autoconstrução, buscando os holofotes da mídia sem se apresentar como alternativa viável. Já a oposição tucano-pefelista, frente às câmeras de televisão e páginas amarelas, mira apenas o Governo Federal e não faz nenhuma cerimônia em declarar sua estratégia, com calúnias e invencionices, de retomar o poder sangrando o Presidente Lula e o PT até a agonia.
O processo constituinte, a história demonstra, é pedagógico para a tomada de consciência de um povo e amplia a democracia, na medida em que aumenta sua esfera de decisão. Por outro lado, toda vez que no Brasil se vislumbra a possibilidade de um processo cívico e político de alguma magnitude, a elite imediatamente desperta para tentar liquidar a participação popular. Na maioria das vezes, tais processos ficam monopolizados pelas elites culturais e políticas. Basta lembrar da Constituição de 1946, que ganhou a alcunha de “Constituição Bacharelada”, ou ainda a eleição indireta de Tancredo Neves, que se deu no “acordão” por cima entre as elites, já no apagar das luzes da ditadura militar.
Agora, a oposição diante da proposta de uma Constituinte, ainda que específica, dá, mais uma vez, provas de que as elites não aceitam a idéia de ter seu moribundo projeto definitivamente superado. Dentre as declarações públicas contrárias à proposta de se convocar uma Constituinte, nenhuma é mais obtusa e conservadora do que justificar sua impossibilidade a partir da premissa de que o chamamento pela sociedade só pode ocorrer em momentos de ruptura com a ordem institucional.
Vale apenas lembrar que durante oito anos de governo tucano-pefelista, a Constituição Federal foi estrategicamente vilipendiada a pretexto da ordem e da modernidade, numa clara ruptura à direita com os mandamentos constitucionais, sem, contudo, surgir qualquer protesto contundente como os que temos assistido, inclusive por parte de instituições que, ultimamente, têm defendido os interesses corporativos da classe dominante, como a OAB.
Toda essa conjuntura propicia que o povo se volte contra o Congresso Nacional, exigindo mudanças que ataquem os velhos interesses. Nesse sentido, o chamamento de uma Constituinte específica, muito mais que abrir o debate em torno de idéias e projetos, significa também uma virada no jogo político, ou seja, significa colocar o povo na construção e na tomada de decisão direta de uma mudança estratégica e urgente.
Considere-se, ainda, que o Congresso a ser eleito no próximo dia 1º de outubro terá dificuldades para alterar as regras com as quais foi eleito. Vale dizer, será formado sob a égide das mesmas regras e vícios vigentes, podendo restar prejudicada, nessa próxima legislatura, uma importante e significativa reforma política. De outro modo, numa Assembléia Constituinte com poder originário, seus representantes serão eleitos a partir de plataformas políticas claras e concretas, sem o obscurantismo, já conhecido, das eleições convencionais quando o dinheiro e o profissionalismo, tanto de direita quanto de esquerda, se sobrepõem à política.
O Processo Constituinte, independentemente de seus resultados, tem um significado político de maior importância; é uma experiência histórica que as massas precisam vivenciar para uma efetiva reforma do sistema político, e serve, sobretudo, para aprofundar a democracia no país.
Por essas razões, a discussão não poderá se dar no aspecto abstrato técnico-jurídico, mas sim no aspecto político, onde, sabemos, há o efetivo confronto das classes antagônicas. Parafraseando Quixote, “se os cachorros ladram é sinal que avançamos!”. O ponta-pé inicial já foi dado pelo Presidente Lula. Caberá ao PT não deixar esmorecer tal discussão. Caberá a nós, militantes de esquerda, levar adiante a discussão sobre a viabilidade do chamamento de uma Constituinte, não pela armadilha do formalismo, mas pelo seu real significado político.
André Rota Sena é membro do coletivo nacional da Juventude do PT e suplente do Diretório Nacional do partido. E-mail: andre.sena@pt.org.br.
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