Este texto foi escrito por mim para mandar pra lista leituras net (
http://br.groups.yahoo.com/group/leituras_net) e com as devidas adaptações porei aqui também.
Este é um tópico sério com uma resenha de verdade sobre uma obra que existe mesmo e quem avacalhar, vou chamar a professora!Falar das tramas do Gaiman faz com que elas pareçam bobas. Falar sob uma aspecto mais geral as torna até interessantes.
Mas não há nada tão fascinante quanto a meta história. Como a série veio a ser escrita, e qual foi o seu impacto. Uma leitura assim permite apreciar cada pedacinho da obra como genial. Uma pessoa que lÊ desavisadamente vai achar a obra "apenas" boa.
== Como estava o mercado com a chegada do Gaiman ==
No final dos anos 80 a DC comics, que publica basicamente super-heróis estava no auge da criatividade. Haviam bons escritores redefinindo o gênero e fazendo coisa ousadas e diferentes do normal.
A coisa básica era a seguinte: Vou ilustrar com o exemplo do Homem-Animal. O Homem-Animal era um típico super-herói bobo com histórias bobas que nunca fez muito sucesso, ninguém lembrava que existia nem nenhum editor queria publicar nada. Grant Morrison, um Escocês, pegou pra escrever uma nova versão. E como não tinha ninguém pra reclamar, ele revolucionou o personagem, pos ele pra viver num mundo mais adulto, mais complexo, mais violento, com relações sociais e raciais espelhadas no mundo real e não aquela água-com-açucar de "O Superman tapa um vulcão".
Haviam vários escritores fazendo essas coisas, por exemplo o Alan Moore, que pegou o Monstro do PÂntano, outro personagem esquecido, e transformou numa obra de arte. O Giffen e o de Matteis, que estavam fazendo horrores com a Liga da Justiça. O Miller, que lançou uma história do Batman considerada até hoje a melhor do século. (a melhor de todas, não só do Batman)
Apesar dessas séries estarem no mesmo "universo" dos super-heróis, de encontrarem o Batman de vez em quando ou coisa assim, as histórias iam muito além.
Então estava na moda desencavar personagens velhos e recriar. O Neil Gaiman foi contratado pra fazer isso com o Sandman, um herói ainda mais obscuro da década de 50. A editora Karen pediu que ele começasse do zero, criando um personagem novo.
Foi o que ele fez. Mas isso é dizer pouco. Ele foi muito, mas muuuito mais além. Ler as primeiras edições de Sandman sem saber disso, sem observar como o Gaiman estava subvertendo o mercado de dentro, é perder o melhor da festa.
== O que era o Sandman antes e o que o Gaiman fez ele ser ==
O Sandman era um super-herói do tipo "vigiliante", que nem o Batman. Sem poderes, investigando, batendo nos bandidos, etc. Ele usava uma máscara de gás e punha os bandidos pra dormir com gás do sono.
O nome vinha de um personagem do folclore Inglês, onde sand-man - o homem areia - era um ser que fazia nossos sonhos acontecerem jogando areia nos nossos olhos. Quando acordavamos os olhos estavam sujos com esta "areia". Uma coisa de canção de ninar, pelo que sei. No Brasil parece que tem um equivalente, chamado "João Soneca".
Pois bem, o personagem criado pelo Gaiman não tinha nada a ver com o original. Não era nem super-herói. Ele era... o PRÓPRIO SANDMAN do folclore. O cara que faz os nossos sonhos, o verdadeiro orixá do sonhar. Também conhecido como Morpheus, e um monte de outros nomes através da história e de todas as culturas.
Mais do que isso, o Gaiman criou toda uma mitologia pro cara, baseada em todas as mitologias que ele conhecia, misturadas. E também criou uma família pra ele: os perpétuos.
Morpheus, ou Sonho, seria então irmão de gente como a Morte, o Destino, o Dejeso. Haviam então sete irmãos, chamados de Perpétuos, ou os Sem-fim. A premissa é que deuses morrem quando deixam de ser adorados, mas os Perpétuos são, bem... perpétuos.
== Transcendendo o gênero ==
As primeiras histórias estavam situadas num gênero de horro light, com algumas participações de personagens normais da editora, como o Ajax da Liga ou Jonh Constantine, (o mesmo do filme).
Mas o nível de realismo e surrealismo das histórias do Gaiman eram tãooo diferentes do mundo normal dos super-heróis que a gente morre de rir só de lembrar que estejam no mesmo universo. Numa história em que ele passeia pelo mundo com sua irmã Morte eles assistem o show de uma comediante, e ela faz uma piada sobre o Batman.
Leva algum tempo pra gente se perceber que se trata de uma piada de quem não sabe que o Batman é o Bruce Wayne. E que aquele universo ali não é baseado no mundo real, mas O MESMO DO BATMAN!!!! Que loucura!!! Coisas assim acontecem a toda hora.
Porque realmente a diferença é grande. o Sandman criado pelo Gaiman transcendeu o gênero heróis, transcendeu o gênero quadrinhos de horror, ele virou uma coisa nova, inclassificável.
Muita gente classifica essa coisa nova como um tipo de fantasia para adultos ou conto de fadas moderno. Mas isso é ver apenas um dos aspectos.
== Gente normal ==
Entre as outras inovações do Gaiman estavam o foco na vida de pessoas normais, na caracteriação realista de pessoas altamente humanas. O Sandman era muitas vezes quase um figurante na própria revista. Ele nunca aparecia nas capas.
Após o primeiro arco de histórias, onde ele apresenta Sonho e seu mundo, põe a trama pra andar e cumpre com a obrigação de encontrarm alguns super-heróis e enfrentar um vilão do Batman (à sua maneira), Gaiman parte pra mostrar mais gente normal. O ponto de virada é uma história com a Morte, onde eles fazem um passeio pelo mundo onde veem varios tipos de pessoas encontrando seu destino.
O próximo arco de histórias é intitulado "A Casa de Bonecas", protagonizado por Rose Walker, uma garota de ascendência britânica que tenta encontrar um irmão perdido. Paralelamente, Lorde MOrpheus tenta arrumar o reino dos sonhos, e descobrir pra onde foram alguns sonhos fugitivos. Acabamos por saber que Rose é também um Vórtice Onírico, um fenômeno raro que ameaça destruir o universo.
Fosse uma trama de super-heróis eles lutariam com um monte de vilões e resolveriam o problema da ameaça ao Universo com algum artefato Skrull combinado com feitiçaria Hindu e de quebra salvariam a vida da Rose. Mas no mundo do Gaiman tudo é mais diferente e mais pesado... (não, não vou contar o final)
Se vocês leram tudinho até aqui, amanhã eu digito mais.