Muitas pessoas dizem vêem coisas, mas qual a opinião da ciência sobre isso?
(Achei o texto legal e resolvi colocar aqui, já que muitas pessoas dizem ter "experiências sobrenaturais", a área “cética” é melhor do que a área “ciência”).
“Drauzio Varella”:
Será que o fanatismo religioso e as experiências místicas não passam de reações químicas dentro do cérebro?
O que existe por trás do talento de um dos maiores pintores de todos os tempos? Como alguém pode, de repente, mudar completamente de personalidade? Será possível reproduzir, dentro de um laboratório, uma visão espiritual? Tudo isso está neste capítulo da série "Cérebro, a Supermáquina''!
Dick é um senhor pacato. De uns anos para cá, porém, sua personalidade mudou drasticamente. Tudo culpa de um problema no cérebro.
"Dick sempre foi bom de piadas e histórias. Mas, depois da doença, perdeu a noção do que pode magoar as pessoas. Passou a ser inconveniente e não liga a mínima pra isso", diz Lynn Lingham, mulher de Dick.
"Um dos efeitos colaterais da minha doença é que eu simplesmente não consigo me preocupar com nada. Nem com a minha mulher, que eu amo tanto. O que de certa forma até que é bom", comenta Dick Lingham.
A doença está destruindo, pouco a pouco, a parte da frente do cérebro de Dick. Os cientistas chamam essa área de lobo frontal. É ela que comanda nossa personalidade.
"O lobo frontal é responsável por nosso temperamento, nossa relação com as pessoas, nosso jeito de ser. É o que nos faz indivíduos ímpares. A parte mais sofisticada do cérebro", explica o neurologista John Hodges.
O impressionante é que o mesmo mal fez com que, de repente, Dick se tornasse supercriativo. Da noite para o dia, passou a pintar como um artista profissional.
"Acho que devemos pensar no cérebro como um conjunto de módulos interativos. Provavelmente havia em Dick um módulo responsável pela censura, que o inibia, e que foi destruído pela doença, liberando então esse módulo da criatividade", propõe Hodges. Infelizmente, aos poucos, a doença vai liquidar também essa nova habilidade.
A neurociência ainda não descobriu se há um lugar específico no cérebro para o talento artístico. A criatividade segue caminhos complexos na mente humana. Mas já se sabe que existem outras lesões cerebrais que também são capazes de estimular a imaginação de uma pessoa.
Em maio de 1889, um jovem artista foi internado num asilo psiquiátrico da pequena cidade de Saint Remy, na França. Sofria de alucinações constantes. Diagnóstico: epilepsia. O jovem era ninguém menos que um gênio da pintura: Vincent Van Gogh.
"Van Gogh não tinha aquelas convulsões tradicionais da epilepsia, em que a pessoa cai no chão e perde a consciência. A convulsão dele era como uma trombada mental entre suas idéias e seu comportamento", explica o neurologista Shahram Khoshbin, que há 30 anos estuda os efeitos da doença na vida e na arte de Van Gogh. Para Khoshbin, o pintor sofria de uma epilepsia no lobo temporal.
"É no lobo temporal que processamos a integração entre visão e audição. Um distúrbio nessa área poderia facilmente criar uma experiência sensorial diferente do que a pessoa vê", diz Shahram Khoshbin.
"Vejo as cores sempre muito vivas. Já cheguei a ficar horas descendo e subindo num elevador, hipnotizada pelo vermelho e o verde nas setas", confessa Reen Cartes.
Reen Carter é paciente de Shahram Khoshbin. Tem epilepsia no lobo temporal. Desenvolveu não só paixão pelas cores como uma intensa religiosidade.
"Desde pequena eu tinha sensações que as outras crianças não tinham. Um dia eu tive uma visão. Estava bem perto de Jesus Cristo na cruz. Em vez de uma coroa de espinhos, ele tinha na cabeça uma coroa de folhas verdes. Senti que Deus queria me ajudar a superar meus problemas", lembra Reen.
No auge da doença, Van Gogh também ficou obcecado pela religião. Visitava de três a quatro igrejas todos os domingos e chegou a virar pastor. Mas logo foi demitido, de tão fanático que era. "Ele fazia anotações religiosas nas paredes. Delirava tanto que escrevia: eu sou o Espírito Santo".
Não podemos dizer se a fé exagerada de Van Gogh foi disparada apenas pela epilepsia. Mas já está comprovado: existe uma relação direta entre epilepsia no lobo temporal e a chamada hiper-religiosidade.
"A questão da religiosidade tem alguma ligação com as estruturas que estão localizadas nessa região do lobo temporal", explica o neurologista Li Li Min, do Laboratório de Neuroimagem da Unicamp. "Nós não costumamos observar isso em pacientes com outro tipo de epilepsia. Por exemplo, na região frontal ou parietal".
No primeiro capítulo da série, nós mostramos que o cérebro é formado por uma rede gigantesca de células nervosas, os neurônios. As informações passam de um neurônio a outro por meio de impulsos elétricos.
"Durante o funcionamento normal, um neurônio estimula eletricamente o outro, que por sua vez estimula um terceiro neurônio e por sua vez, um quarto, e assim por diante. Durante a crise epiléptica, esses neurônios não mais descarregam em seqüência, mas descarregam simultaneamente, seguindo um determinado ritmo", ensina o neurologista Cícero Galli Coimbra, da Unisfesp.
Os sintomas da epilepsia dependem da área cerebral afetada.
"Nós podemos ter uma crise epiléptica que afeta a parte motora exclusivamente; podemos ter uma crise epilética caracterizada por flashes luminosos, se a área sensitiva relacionada à visão for afetada", enumera Coimbra.
Desde pequena, a dona-de-casa Wanúsia Barros sofre de epilepsia no lobo temporal. Foi justamente durante uma crise que ela teve a visão: "Comecei a orar e falar com Deus: 'Senhor, só o Senhor é Deus pra tirar esse problema de mim, Pai. Ajuda-me Senhor'. Aí, Ele falou assim, lá no fundo da minha alma: 'Filhinha minha, não te preocupes que estou contigo'. Eu ouvi, ouvi a palavra de Deus tão linda".
No Canadá, neurologistas fazem uma pesquisa polêmica: eles tentam provocar, artificialmente, experiências espirituais no cérebro. "A pessoa é levada a um laboratório numa sala com isolamento acústico. É tudo feito para conseguir concentração máxima", explica o neurologista Michael Persinger.
Os voluntários não tinham idéia do objetivo do teste. Receberam apenas a orientação de descrever absolutamente tudo o que estavam sentindo, por mais estranho que fosse. "Vejo fogo, mas está longe. Parece um incêndio, numa floresta distante", diz uma mulher.
Espirais metálicas dentro do capacete geram um campo magnético que estimula pensamentos e sensações. O alvo desses estímulos é justamente o lobo temporal. "Agora estou vendo um olho. O olho está se mexendo, vindo na minha direção. Mas que luz linda! É roxa. O olho não está mais aqui. Foi embora".
"Quando o lobo temporal é estimulado, as pessoas sentem vibrações, movimentos, vêem luzes fortes saindo de túneis. E vivem a sensação de estar fora do corpo", declara Persinger. "Se gerarmos o estímulo elétrico numa seqüência determinada, a pessoa começa a sentir entidades ao seu lado".
Até agora, os testes não conseguiram reproduzir uma autêntica visão espiritual, mas Persinger acredita ter recriado as sensações que dão base à fé religiosa: "Ter essas sensações dentro de um laboratório é uma coisa. Agora imagine você estar na cama de madrugada sozinho e de repente ter visões como essa? Não seria tão simples achar uma explicação sensata. E geralmente os fenômenos que não têm explicação são atribuídos a santos, deuses e espíritos".
"A religião não é diminuída com essa pesquisa. Ao contrário, ela continua sendo um mistério", diz o professor de teologia e ciências da religião da PUC-SP, Mario Sergio Cortella.
Para Cortella, a experiência pode até mostrar o lugar onde o cérebro processa os fenômenos espirituais. Mas não prova que as visões religiosas são fabricadas pela mente. "A percepção religiosa não é necessariamente ou exclusivamente interna. Não sou eu que estou sentindo, às vezes alguma coisa me provoca do lado de fora. Essa provocação pode ser uma imagem, pode ser uma emoção, pode ser uma visão", analisa Cortella. "Agora saber qual é a fronteira entre uma percepção religiosa e mera alucinação produzida por um distúrbio químico-elétrico já é um pouco mais complexo. A meu ver, a sede da religião ainda está muito longe de ser colocada. Acho até que a ciência não terá essa possibilidade".