Pessoal,
A Lei Complementar n° 64 de 1990, que estabelece casos de
inegibilidade, lista no artigo 1°, inciso I, uma série de condições
que impedem que alguém seja eleito para qualquer cargo. São 9
condições.
Pois bem, a Dep. Denise Frossard propôs o seguinte projeto de lei,
absolutamente fantástico e extremamente adequado à situação política
nacional, que segue na íntegra (inclusive com a justificativa) abaixo,
acrescentando um décimo item ao inciso I:
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PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº DE 2004
(DA DEPUTADA JUÍZA DENISE FROSSARD)
Acrescenta a letra j, ao inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar
nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidade) tornando
explícita a incompatibilidade da função religiosa com a função
governamental.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. O inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64, de 18 de
maio de 1990,
fica acrescido da letra j, nos seguintes termos:
"Art. 1º...
"I - ...
"j) os que, em instituição religiosa judaica, cristã, muçulmana,
budista, hinduísta, ou
de qualquer outra crença, exercem cargo ou função de direção administrativa, de
representação, de direção ritualística, de orientador espiritual ou de
confessor, ou os tenham exercido nos 12 (doze) meses imediatamente
anteriores ao pleito;
Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Há algum tempo, estabeleceu-se, no Brasil, uma íntima e, concessa
maxima venia, inconstitucional ligação entre a atividade religiosa e a
atividade política, que não se harmoniza com a forma republicana laica
do Estado Brasileiro. No Congresso Nacional e nas Assembléias
Legislativas, formam-se bancadas de religiosos que participam das
decisões políticas e da formação da vontade estatal. A separação entre
a Igreja (no amplo sentido) e o Estado (idem), princípio fundamental
desde a instauração da República brasileira, está sendo violado.
A invocação de Deus, no preâmbulo da Constituição Federal, não
significa que a República brasileira seja religiosa. Não há religião
oficial. Há liberdade de crença. A invocação significa que o
legislador constituinte reconheceu a existência de Deus e o tomou
como fundamento dos princípios morais e jurídicos. No que tange aos
crentes (teístas e deístas) e sua cidadania ativa, nenhum óbice se
oferece quanto ao direito de voto, em face da isonomia assegurada no
caput do artigo 5º e os direitos políticos declarados no artigo 14,
ambos da Constituição Federal.
No que concerne à elegibilidade, todavia, os religiosos submetem-se às
condições gerais estabelecidas nos §§ 3º a 7º, do artigo 14, da
Constituição Federal. Consoante o disposto no artigo 3º, da Lei nº
4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) "qualquer cidadão
pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições
constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade".
Sob a ótica da instituição religiosa, cabe a ela estabelecer as regras
de conduta dos seus seguidores, adeptos e orientadores,
permitindo-lhes, ou não, atividades políticopartidárias.
Sob a ótica política, cabe ao Estado permitir ou proibir o acesso de
cidadãos ativos aos cargos públicos, estabelecendo impedimentos e
incompatibilidades. Assim, os cidadãos ativos têm o direito de votar,
mas, nem todos têm o direito de ser votados. Os militares, por
exemplo, são obrigados a se afastar da caserna quando optam pela vida
político-partidária.
A hierarquia e a disciplina militar são incompatíveis com a liberdade
necessária ao exercício do mandato. Além disso, a concentração do
poder militar e do poder civil, na mesma pessoa e no mesmo cargo,
mostra-se incompatível com o regime democrático.
Quanto aos religiosos, a incompatibilidade é visceral quando integram
a estrutura de poder da instituição religiosa a que pertencem. Na
pessoa do eleito, concentram-se o poder religioso e o poder estatal.
Isto fere de morte o princípio da separação entre Igreja e Estado,
base da República brasileira. Na medida em que a estrutura do poder
religioso penetra a estrutura do poder político, o Estado vai sendo
dominado pelas diretrizes e dogmas desta ou daquela religião. Daí para
uma República religiosa fundamentalista é um passo. O integrante da
estrutura de poder da instituição religiosa está vinculado à instância
decisória da sua organização, às suas regras, à sua doutrina e aos
seus dogmas. Por isso mesmo, carece da liberdade necessária ao
desempenho do mandato em um regime democrático. A vontade de um povo
nem sempre coincide com a vontade dos líderes religiosos. As doutrinas
e as regras religiosas nem sempre são suficientes ou adequadas para
atender às exigências da sociedade.
Sob o ponto de vista espiritual, as religiões estribam-se na fé e na
revelação, ao contrário do Estado, que se estriba na razão e na
demonstração. O Estado é um fato e não uma
crença. O Estado serve-se da violência para garantir a lei e a ordem.
A religião é refratária à violência. O poder político exige energia e
severidade. O líder religioso (rabino, sacerdote,
pastor, guru ou que nome tenha), se investido no cargo, não poderá
usar da doçura e da
tolerância recomendadas em seu livro sagrado. A não-violência de
Gandhi pode ter sido uma estratégia eficaz para aquele momento da
história da Índia, porém, mostra-se inadequada ao Estado como
estratégia permanente, pelo menos, enquanto homens civilizados agirem
como feras. Ante essas distinções no plano secular e no plano
espiritual, certamente, o sacerdote será um mau político, ou o
político será um mau sacerdote. O líder religioso não poderá invocar
escusa de consciência para se omitir na aplicação da lei e do direito,
na perseguição dos criminosos, na defesa do Estado contra as ameaças
externas e na solução dos conflitos internos. No exercício do poder
político não poderá invocar o inciso VIII, do artigo 5º, nem o inciso
IV, do artigo 15, ambos da Constituição Federal, para fugir aos seus
deveres.
Da parte dos religiosos, há desequilíbrio no processo eleitoral. Esse
desequilíbrio
opõe-se ao princípio de igualdade que deve governar o processo
eleitoral. Tal desequilíbrio
consiste na proximidade do líder religioso com o seu rebanho, da aura
de espiritualidade que envolve os líderes religiosos, do tempo enorme
de que dispõem para convencer os fiéis, muito antes do período
permitido pela lei eleitoral, mediante meios diretos e indiretos de 3
propaganda, inclusive, subliminar, da oportunidade que tem de
misturar, com habilidade, assuntos religiosos com matéria política.
Destarte, se o religioso pretende disputar cargo eletivo, há de se
afastar do seu cargo ou da sua função, com bastante antecedência,
senão definitivamente, pelo menos, até a data das eleições e, se
eleito, até o final do mandato.
Nos termos do §9º, do artigo 14, da Constituição Federal, novos casos de
inelegibilidade podem ser estabelecidos através de lei complementar.
Quem pode o mais,
pode o menos. Assim, lei complementar pode tornar explícito o
princípio da separação do
Estado e da Igreja, implícito no sistema constitucional brasileiro,
que adotou a forma
republicana e laica. Daí o projeto de lei complementar que ora
apresento e submeto à
apreciação dos meus ilustres pares.
Assina-se o prazo de 12 (doze) meses, imediatamente anteriores ao pleito, para o
pretendente afastar-se do cargo ou da função que exerce na hierarquia
da instituição religiosa que pertence.
Conto, pois, com a compreensão e o apoio desta Casa, para aprovação
deste projeto de
lei complementar.
Sala das Sessões, 16 de novembro de 2004
Deputada Juíza Denise Frossard
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Vamos enviar e-mails de apoio e agradecimento à magistrada.:
dep.juizadenisefrossard@camara.gov.br
O projeto de lei encontra-se pronto para pauta, e é fundamental para a
manutenção de um Estado laico, isento e livre de instrumentalismo por
parte de minorias religiosas que ambicionam impor, via legislativa e
por aluguel do poder coercitivo estatal, suas crenças e dogmas sobre a
maioria livre da população.
Escrevam aos seus deputados solicitando apoio ao projeto!
Douglas Donin
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