Autor Tópico: O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)  (Lida 2392 vezes)

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Offline Mr."A"

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O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)
« Online: 29 de Setembro de 2006, 15:36:25 »
FONTE: A CORUJA

Volta e meia, leitores me questionam sobre o que lhes parece ser o exagerado -ou pouco razoável- ceticismo do cientista. As abordagens variam. Algumas vezes, acham inconsistente um cientista se dizer ateu quando não pode responder a certas questões básicas, como, por exemplo, a origem do Universo ou da vida. Dizem eles: "Vocês falam do Big Bang, o evento que iniciou tudo. Mas de onde veio a energia que provocou esse evento? Como falar de algo material surgindo do nada, sem a ação de um ser imaterial, isto é, divino?" Outras críticas dizem respeito à descrença em fenômenos paranormais, sobrenaturais, OVNIs e seres extraterrestres, espiritismo etc.

Segundo estatísticas recentes feitas pela fundação Gallup nos Estados Unidos, em torno de 50% dos americanos acreditam em percepção extra-sensorial. Mais de 40% acreditam em possessões demoníacas e casas mal-assombradas, e em torno de 30% crêem em clarividência, fantasmas e astrologia. Não conheço estatísticas semelhantes para o Brasil, mas imagino que os números devam ser no mínimo comparáveis.

Sem a menor dúvida, a luta do cético é ingrata; ele estará sempre em minoria. Existem muito mais colunas sobre astrologia do que sobre astronomia ou ciência nos jornais e revistas do Brasil e do mundo. Mas, sem ceticismo, a sociedade estaria fadada a ser controlada por indivíduos oportunistas que se alimentam dessa necessidade muito humana de acreditar. Ela existe para todos não há dúvidas. Mesmo o cético deve acreditar no poder da razão para desvendar os muitos mistérios que existem. A paixão que o alimenta é a mesma do crente, mas direcionada em sentido oposto.

Devido a esse ceticismo, muitas vezes os cientistas (incluindo este que lhes escreve) são acusados de insensibilidade. De jeito nenhum. Eu tenho grande respeito pelos que acreditam. O que me é difícil aceitar é a exploração que existe em torno dessa necessidade, a exploração da fé. Na Índia, por exemplo, recentemente apareceram milhares de "homens-deuses", que se dizem meio deuses, meio gente. No México, funcionários do governo frequentam seminários sobre como usar o poder dos anjos. O Peru está cheio de psíquicos, enquanto na França são aromaterapeutas. Testes em laboratório visando verificar poderes extra-sensoriais invariavelmente falham.

O famoso paranormal israelense Uri Geller, que dobrou garfos na frente de milhões nos anos 70, foi desmascarado como fraudulento. O meu orientador de doutorado na Inglaterra, impressionado com Geller e outros médiuns, montou um laboratório para testar seus poderes. Ele o fez com ótimas intenções, para explorar a origem desses poderes de modo a divulgá-las para o resto da humanidade. Mas falharam todos.

Voltando à questão do Big Bang. A religião não deve existir para tapar os buracos da nossa ignorância. Isso a desmoraliza. É verdade, não podemos ainda explicar de forma satisfatória a origem do Universo. Existem inúmeras hipóteses, mas nenhuma muito convincente. Mesmo se tivéssemos uma explicação científica, sobraria uma outra questão: o que determinou o conjunto das leis físicas que regem este Universo? Por que não um outro? Existe aqui uma confusão sobre qual é a missão da ciência. Ela não se propõe a responder a todas as questões que afligem o ser humano.

A ciência, ou melhor, a descrição científica da natureza, é uma linguagem criada pelos homens (e mulheres) para interpretar o cosmo em que vivemos. Ela não é absoluta, mas está sempre em transição, gradativamente aprimorada pela validação empírica obtida através de observações. A ciência é um processo de descoberta, cuja língua é universal e, ao menos em princípio, profundamente democrática: qualquer pessoa, com qualquer crença religiosa ou afiliação política, de diferentes classes sociais e culturas pode participar desse debate. (Claro, na prática a situação é mais complexa.)

Ela não terá jamais todas as respostas, pois nem sabemos todas as perguntas. O cético prefere viver com a dúvida do que aceitar respostas que não podem ser comprovadas, que são aceitas apenas pela fé. Para ele, o não saber não gera insegurança, mas sim mais apetite pelo saber. Essa talvez seja a lição mais importante da ciência, nos ensinar a viver com a dúvida, a idolatrá-la. Pois, sem ela, o conhecimento não avança.
8-)

Offline Alenônimo

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Re: O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)
« Resposta #1 Online: 29 de Setembro de 2006, 19:41:16 »
Gostei do texto. Leitura muito fácil. :ok:
“A ciência não explica tudo. A religião não explica nada.”

Offline UBorba

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Re: O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)
« Resposta #2 Online: 02 de Outubro de 2006, 18:01:33 »
GLEISER

Marcelo

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Re: O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)
« Resposta #3 Online: 02 de Outubro de 2006, 19:37:33 »
De modo simples e direto, conseguiu resumir muito bem o q é ser cético e a importância disto. Esse é o nosso Sagan brasileiro!!!

Offline Latorre

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Re: O ceticismo do cientista (Marcelo Glaser)
« Resposta #4 Online: 04 de Outubro de 2006, 21:03:28 »
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Mas, sem ceticismo, a sociedade estaria fadada a ser controlada por indivíduos oportunistas que se alimentam dessa necessidade muito humana de acreditar.
Excelente.

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O cético prefere viver com a dúvida do que aceitar respostas que não podem ser comprovadas, que são aceitas apenas pela fé. Para ele, o não saber não gera insegurança, mas sim mais apetite pelo saber. Essa talvez seja a lição mais importante da ciência, nos ensinar a viver com a dúvida, a idolatrá-la. Pois, sem ela, o conhecimento não avança.
« Última modificação: 04 de Outubro de 2006, 21:11:49 por Latorre »
"If a man will begin in certainties, he shall end in doubts. But if he will be content to begin in doubts, he shall end in certainties." (Francis Bacon)

 

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