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Mortes de coronel Ubiratan e de gari têm apurações desiguaisPublicidade
GABRIEL BATISTA
do Agora
O gari Fábio foi assassinado após discussão em uma casa de pagode, na Vila Nova Cachoeirinha, periferia da zona norte da capital. O coronel Ubiratan morreu com um tiro no abdome na sala de seu apartamento, no bairro nobre dos Jardins (zona oeste).
O gari e o coronel têm em comum a proximidade do período em que tiveram a vida violentamente encerrada. O primeiro foi baleado quatro vezes na calçada do boteco, na rua Dr. Araújo Castro, às 5h do último dia 10, já na madrugada de domingo. Cerca de dez horas antes, na noite do sábado, Ubiratan Guimarães, 63 anos, também foi alvejado, por um tiro.
As semelhanças, porém, param por aí. A investigação do crime que vitimou o coronel contou com todos os recursos de que dispõe a polícia paulista.
Foram utilizados equipamentos como o Luzes Multiespectrais --um óculos que permite enxergar vestígios de sangue e pólvora-- e o Time Cold, que congela imagens gravadas e para analisar a cor da roupa usada pelo suspeito. No começo desta semana, Carla Cepollina, namorada do militar, foi indiciada.
O andamento do inquérito do gari Fábio Rangel Souza, 27, foi bem mais humilde. Na verdade, estava paralisado até ontem. O homicídio do gari foi registrado no 72º DP (Vila Penteado). O inquérito, aberto dois dias depois.
Mas, até anteontem, 28 dias depois do assassinato de Fábio, a polícia não havia ouvido a família da vítima, não fez buscas para encontrar o suspeito (que morava em frente ao local do crime) e não chamou para depoimento uma testemunha ocular, apesar de um parente ter informado nome e endereço dela à polícia.
No inquérito 378/06 também não consta pedido de perícia onde ocorreu o crime. A justificativa: o local estava prejudicado. Após ser baleado, Fábio foi socorrido por PMs a um hospital. A autópsia do corpo foi feita, mas a Polícia Civil aguarda o laudo para saber o calibre da arma usada.
O gari é ex-presidiário. Cumpriu pena por roubo e foi solto. 'Para a polícia, a gente é tudo bandido, ou seja, tanto faz', disse um parente. A família se sente desamparada, porque o suspeito pode aparecer novamente.
Para a namorada do coronel Ubiratan, acusada de matá-lo, dois policiais civis foram encarregados de fazer guarda na casa dela, pois recebia ameaças.
Na última quarta-feira, o inquérito da morte do gari foi transferido ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Havia permanecido quase intocado no 72º DP por 17 dias. Anteontem, o delegado José Antonio Nascimento, titular da equipe B Leste, expediu a ordem de serviço para os investigadores irem a campo. A família foi procurada pela primeira vez ontem, e será ouvida formalmente no próximo dia 5.
'Não foi feito nada neste inquérito até agora. A família da vítima ainda não foi ouvida', constatou o delegado Nascimento, do DHPP. Ele mostrou o inquérito à reportagem, que o procurou para levantar o andamento da investigação de crimes ocorridos no começo do mês.
'Isso tudo prova que, na prática, a vida de pessoas pobres é encarada como algo descartável', afirma Ariel de Castro Alves, secretário-geral do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana.
Descabida
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que a comparação entre os dois casos é "descabida". "É sempre mais fácil encontrar pessoas dispostas a dar informações em casos de grande repercussão. O caso do coronel Ubiratan esteve, desde o início, a cargo de um segmento especializado, o DHPP. Já a morte do ajudante Fábio foi registrada num distrito territorial, não especializado, e só há dois dias a investigação foi assumida pelo DHPP, que mobilizará todos os recursos disponíveis --os mesmos usados no caso do coronel-- para chegar ao culpado", afirmou a secretaria.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126516.shtml