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>A mente como campo de batalhaO inglês Steven Rose fornecenovo combustível às brigas quedividem as ciências biológicas Por Jerônimo TeixeiraO neurocientista Steven Rose inveja seus colegas mais jovens. "Lamento não estar iniciando meus estudos hoje. As possibilidades de pesquisa atuais são bem mais interessantes do que há quarenta anos, quando comecei", disse ele a VEJA. Novas técnicas de mapeamento cerebral, conjugadas às descobertas da genética, tornaram a neurociência uma das áreas mais fervilhantes da ciência contemporânea. Mas Rose é mais reticente do que a média de seus colegas no que concerne a esses avanços. Em seu livro O Cérebro do Século XXI (tradução de Helena Londres; Globo; 376 páginas; 39 reais), recém-lançado no Brasil, ele se mostra cético quanto à possibilidade de a ciência decifrar o mistério da consciência ou da mente humanas – e recomenda cautela com os tratamentos neuroquímicos para distúrbios como depressão ou hiperatividade infantil. Além de ser uma excelente introdução às descobertas recentes da ciência do cérebro, seu livro desfaz a noção simplista de que a ciência avança em uma linha contínua e uniforme, na qual cada pesquisador continua placidamente o que outro começou. A ciência seria, ao contrário, um território de guerras renhidas.Professor da Open University e do University College, em Londres, Rose é um combatente de longa data nas guerras da biologia. O divisor de águas desses debates foram os livros Sociobiologia, do biólogo americano Edward Wilson, lançado em 1975, e O Gene Egoísta, do britânico Richard Dawkins, publicado no ano seguinte. Ambos foram inovadores ao apontar a influência da evolução biológica no comportamento social. Dawkins, em particular, deu um papel central aos genes nesse processo. Mas, ao lado do paleontólogo americano Stephen Jay Gould, Rose foi um crítico de primeira hora dessas idéias, que ele qualifica como "reducionismo genético" – uma tentativa de explicar todo traço da psicologia e do comportamento humanos a partir do DNA. Juntamente com o geneticista Richard Lewontin e o psicólogo Leon Kamin, Rose é autor de um livro-manifesto cujo título emblemático é Não nos Nossos Genes. "Não somos produtos apenas da evolução e da genética, mas também de nosso desenvolvimento e de nosso contexto social e histórico", diz. Extremado em sua crítica, ele busca invalidar campos inteiros da ciência contemporânea – em particular a psicologia evolutiva, que procura explicar o comportamento humano com base nos mecanismos da evolução desvendados pelo naturalista inglês Charles Darwin. Rose: as neurociências trouxeram muita informação, mas ainda falta uma teoria do cérebro Do outro lado da trincheira, o psicólogo evolutivo canadense Steven Pinker, professor da Universidade Harvard, acusa Rose e seus parceiros de negar a natureza humana, professando uma doutrina da "tábula rasa": o homem viria ao mundo livre de qualquer determinação biológica, como uma folha em branco na qual a cultura, o ambiente e a educação deixariam suas marcas. Rose diz que essa é uma deturpação grosseira do seu pensamento. Mas, como é comum nos debates intelectuais, há distorções e malandragens dos dois lados. No ataque a Dawkins em Não nos Nossos Genes, Rose e seus parceiros mudaram uma citação de O Gene Egoísta: "os genes nos criaram, corpo e mente" tornou-se "os genes nos controlam, corpo e mente" – uma alteração substancial, que cheira a má-fé.É tentador associar os dois lados da querela às posições políticas dos contendores. Rose e Lewontin são esquerdistas militantes, que costumavam contrabandear proclamações socialistas para seus textos científicos (O Cérebro do Século XXI já não tem esse caráter doutrinário, embora haja uma nota de rodapé mal-ajambrada sobre o potencial do "materialismo dialético" para a filosofia da ciência). Em suas acusações aos psicólogos evolutivos e demais "reducionistas genéticos", há uma tentativa de alinhá-los à direita – com freqüência, o esqueleto da eugenia nazista é tirado do armário com o intuito de assombrar os darwinistas mais radicais. Mas esse é um simplismo que não corresponde aos fatos. Dawkins, por exemplo, é um crítico contumaz das políticas intervencionistas de George W. Bush. O biólogo Robert Trivers, outro dos nomes fundamentais da sociobiologia, é um radical político – embora seja branco, foi colaborador dos Panteras Negras, grupo revolucionário negro americano. Steven Pinker: a mente humana é um conjunto de programações genéticas Com alguma liberdade, seria possível associar cada um dos grupos a um hemisfério cerebral (veja quadro). De modo geral, o hemisfério direito do cérebro responde pela maioria das emoções, e o esquerdo, pela linguagem e pela razão. Rose é um neurocientista do lado direito: sua ênfase está no lado emocional e subjetivo do ser humano. Ele diz que a consciência não poderá ser entendida com base apenas na fisiologia cerebral – as ciências humanas, a arte e a literatura também trariam iluminações valiosas sobre o mistério da mente. Cientistas como Pinker preferem entender a consciência como uma função especializada do cérebro, com suas programações genéticas e seus algoritmos computacionais. São os cientistas do hemisfério esquerdo.Em certa medida, Rose está travando uma batalha perdida. A psicologia evolutiva incide em alguns exageros, sem dúvida, mas também proporciona uma compreensão inovadora de temas delicados como sexualidade e violência. Estudos com gêmeos idênticos – que compartilham a mesma configuração genética, como clones criados pela natureza – têm permitido determinar o papel relativo dos genes e do ambiente em questões que vão da inteligência aos relacionamentos amorosos. Rose, entretanto, não deixa de ter recados relevantes a passar. O Cérebro do Século XXI traz um alerta importante sobre o uso abusivo de drogas de "controle social" como o Prozac e a Ritalina, que deveriam se destinar, respectivamente, ao tratamento da depressão e da hiperatividade. Não, não é um mero ataque "esquerdista" contra a indústria farmacêutica. Trata-se de um problema real, e grave. O cientista político americano Francis Fukuyama, um insuspeito "neoliberal", também já fez a mesma advertência contra a prescrição leviana dessas drogas psiquiátricas. Rose, sobretudo, faz um chamado ao bom senso e à humildade científica: seu livro aponta para as imensas lacunas que a comunidade científica ainda tem a desvendar no estudo da mente humana. As pesquisas sobre o tema são feitas a partir das mais variadas áreas – a genética, a neurologia, a psicologia, a anatomia. Não existe propriamente uma neurociência, mas várias, e elas ainda não aprenderam a conversar entre si para convergir em uma compreensão totalizante do cérebro. "As descobertas recentes trouxeram muita informação, mas pouca teoria", diz Rose. Até chegar a uma teoria unificada da consciência humana, então, é de esperar que ela ainda seja motivo de muita briga entre seus estudiosos. Tiroteio científico"Resenhas desdenhosas de qualquer livro sobre evolução humana ou genética tornaram-se um lugar-comum na imprensa britânica. Cientistas radicais como ele se posicionaram de forma astuta no cenário intelectual, o que lhes permite fazer todo tipo de ataque injusto." O psicólogo evolutivo Steven Pinker, sobre o neurocientista Steven Rose."Essas pessoas que se intitulam psicólogos evolutivos não têm nenhum conhecimento biológico. São cientistas sociais ou psicólogos cognitivos, como Steven Pinker. Ele sempre distorce a posição de seus críticos, por ingenuidade ou por incompetência para entendê-la." O neurocientista Steven Rose, sobre o psicólogo evolutivo Steven Pinker.