http://www.defesanet.com.br/mout/sp_pcc_23jul06.htm"Ministo da justiça Márcio Thomaz Bastos: São Paulo errou
ao não aceitar que os tanques do Exército saíssem às ruas'
Ministro defende ações do governo Lula e diz que
presença ostensiva de militares acalmaria população
Luiz Rila
Vannildo Mendes
Moderado nas palavras, mas duro na análise, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, avalia que o governo paulista errou ao não aceitar a ajuda Federal para enfrentar a onda de violência lançada pelo Primeiro Comando da Capital. Para ele, o que atrapalhou foi mesmo a disputa eleitoral entre petistas, de um lado, e tucanos e seus aliados, de outro. "Podemos discutir os pontos errados, mas não fazer disso guerra eleitoral. Na minha opinião, isso está sendo feito, e de uma maneira indevida", avalia. "Não presta para nenhum lado." Na entrevista, o ministro afirma que o governo Lula fez mais do que outros na área de segurança e que não se combate o crime com mais cadeia nem com penas mais duras.
O governo Lula fez tudo o que deveria na área de segurança?Em matéria de segurança, o que o governo Federal deve e pode fazer, de acordo com a Constituição? Primeiro, ajudar os Estados. Segundo, articular seus próprios instrumentos de luta contra o crime organizado. Colocamos o foco na implementação do Susp, Sistema Único de Segurança Pública. É um esforço pela integração de todas as forças, principalmente as de inteligência, de Estados, municípios e da União. Em 2003, assinamos convênios com todos os Estados. É um processo que não se fecha da noite para o dia, mas está no caminho. Há Estados em que está funcionando bem: Paraná, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pará.
E onde há dificuldades?Em São Paulo, está muito atrasado. O governador Cláudio Lembo nos pediu que montássemos uma força-tarefa integrando todos os organismos. Eu disse a ele que já existia esse instrumento. Ele aderiu à idéia, gostou e ficou de convocar logo uma reunião.
Mas o esforço do governo Federal se resumiu a tentar desenvolver esse sistema único?Outro eixo foi a Polícia Federal. Sem querer me valer do paradigma do marco zero, pelo qual tudo começou no governo Lula, o salto qualitativo que a PF deu está aí para todos verem. Pelo número de operações, pela eficiência, pela luta contra o crime organizado. Nos governos anteriores, a PF tinha uma atuação um pouco mais que burocrática. Hoje tem uma atuação baseada em planejamento estratégico e uso intenso de inteligência. A PF hoje consegue fazer operações sucessivas de maneira nunca vista.
Por que há então na sociedade a percepção de que o governo Federal tem responsabilidade na crise de segurança?Porque o governo Federal tem mesmo responsabilidade. A responsabilidade primária é dos governos estaduais, mas existem espaços que têm de ser preenchidos pelo governo Federal. O que procuramos fazer foi otimizar essa presença com os instrumentos de que o governo dispõe, como o Sistema Penitenciário Federal. Ele foi designado pela Lei de Execução Penal, de 1984. Desde então, foram seis governos e 20 ministros de Justiça. Nunca ninguém tinha tirado do papel, porque é difícil. Os Estados resistiam. Não havia planejamento nem essa cultura. Não havia agentes penitenciários federais. Tudo isso precisou ser construído.
O repasse de verbas federais para esses projetos foi penoso, não?Há outros valores em jogo. No projeto de estabilidade macroeconômica, é necessário criar superávit primário. Governo é assim: um cobertor um pouco curto para tudo.
Como acabar com o caos do sistema carcerário brasileiro?Há muitos nós. Claramente, faltam presídios. Por outro lado, precisamos implementar a filosofia das penas alternativas. O problema não é pôr mais gente na cadeia, é tirar da cadeia quem não precisa estar lá. É o sujeito que comete um pequeno delito e que, jogado na cadeia, acaba engrossando esse exército de soldados das organizações criminosas.
A discussão na sociedade e no Congresso vai no sentido oposto, do endurecimento de penas.Vai. E é um erro. Admito que se deva endurecer algumas leis, como aquela que estabeleceu o Regime Disciplinar Diferenciado, mais rígido, para os chefes do crime. Mas é preciso viabilizar as soluções alternativas. Quem não oferece periculosidade não precisa ir para a cadeia. O enfoque tem de ser na prestação de serviços à comunidade.
A Polícia de São Paulo é ruim?São Paulo tem serviços bons de inteligência na Secretaria de Segurança Pública. Eles estão muito integrados com as forças federais.
Por que então não conseguem conter a violência do PCC?O que faltou em São Paulo foi investimento em inteligência no sistema penitenciário. E faltou integração do sistema penitenciário com a Polícia. Dos R$ 100 milhões que o governo Federal ofereceu a São Paulo, R$ 50 milhões vão para equipamentos de inteligência.
O senhor trabalha em Brasília, mas mora em São Paulo. Já foi assaltado?Fui assaltado muitas vezes. Curiosamente, há muitos anos. Hoje ando com escolta, porque sou autoridade e sou obrigado a andar assim em todo lugar.
Quando anda pelas ruas de São Paulo, o senhor tem medo?Tenho, tenho, tenho. Como no Rio. Agora, isso não se resolve mudando lei, elevando penas, aumentando o elenco de crimes hediondos. Resolve-se construindo instituições que funcionem e integrando essas instituições.
Os brasileiros são lenientes com a corrupção e criaram um ambiente que favorece o crime?Não acredito. O trabalho eficiente de repressão pode ter dado essa impressão. Apareceu sujeito com dólar na cueca, mala de dinheiro, caixa dois. A publicidade dessas coisas deixa a gente desalentada, mas não acredito que tenha aumentado a corrupção. O que aumentou foi a investigação.
Como é sua relação com o governador Lembo?Sempre fomos amigos, colegas de turma na faculdade. Convivemos até como advogados. Agora surgiu essa crise e estabelecemos uma linha comum, respeitadas as diferenças, e estamos cooperando.
O governo Federal tem um plano para entrar em ação em São Paulo com o Exército?Oferecemos ajuda e mantemos a oferta. O governador não quer e apresenta seus motivos. Temos que respeitar, não vamos fazer uma intervenção no Estado.
Mas o fato de o governo Federal oferecer ajuda não embute a avaliação de que é necessário fazer uma intervenção?No auge de uma crise, a presença ostensiva do Exército e da Força Nacional, com helicópteros e tanques, tem efeito dissuasório muito forte. Inclusive, no caso de São Paulo, no meio daquelas pessoas que operam o terrorismo. O sujeito fica com medo quando vê que o Exército está na rua.
Mas o governo de São Paulo não concorda.Não concorda.
Erradamente?Erradamente. Se não achássemos isso, não teríamos oferecido ajuda. Meu primeiro cuidado foi não politizar essa crise de São Paulo. Podemos discutir os pontos errados, mas não fazer disso guerra eleitoral. Na minha opinião, isso está sendo feito e de uma maneira indevida. Não presta para nenhum lado.
Os movimentos de guerra eleitoral vieram dos dois lados, não?Do meu, não.
Quando Marcola irá para o presídio Federal de Catanduvas?São Paulo pediu cerca de 40 vagas no presídio. Na hora em que o governo paulista achar que deve enviar os presos, mandaremos buscar. A oferta está feita.
TAREFAS: "A responsabilidade primária é dos Estados, mas há espaços que têm de ser cobertos pela União"