Essa notícia saiu no jornal "Correio Braziliense" de hoje. Muita gente tem anulado os votos na eleição de modo involuntário, simplesmente por falta de instrução. Isso me deixa irritado. O que você tem a dizer sobre a anulação involuntária de votos?
Os últimos sem-voto
15% dos municípios brasileiros tiveram índices de anulação superiores a 10%. problema segue o rastro do analfabetismo
Solano Nascimento
Da equipe do Correio
A história eleitoral do Brasil tem quase dois séculos e é caracterizada por muitas conquistas e inúmeras exclusões. Em diferentes períodos desde 1824, quando houve a primeira eleição pós-independência, brasileiros foram impedidos de votar por causa de gênero, renda, idade e instrução. Hoje todo cidadão brasileiro maior de 16 anos tem o direito de escolher seus representantes, mas basta olhar para o que aconteceu em Pedro Alexandre, no nordeste baiano, no dia 1º de outubro para se descobrir que essa garantia legal é, como muitas outras, apenas relativa.
Na localidade vivem 17,8 mil habitantes, a maioria deles espalhada por povoados da zona rural, onde tiram leite de vacas e plantam feijão e milho para sobreviver. É um lugarejo pobre. No pequeno aglomerado urbano, só 1% das casas tem esgoto tratado. Entre as crianças menores de dois anos, 12,5% são desnutridas, mais que o dobro da média nacional. Quem precisa de hospital necessita viajar 160 quilômetros para conseguir um leito. Teoricamente, todos os moradores de Pedro Alexandre maiores de 16 anos tiveram direito de votar no primeiro turno da eleição, mas dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, de cada cinco eleitores que se aproximaram da urna eletrônica, um acabou anulando o voto. O município foi o recordista nacional de votos nulos para presidente, com um índice de 20,06% de anulação.
E nada indica que Pedro Alexandre foi o palco de protesto, aderindo a campanhas pelo voto nulo que se espalharam pela internet e foram discutidas em debates de canais de tevê por assinatura. O problema daqueles eleitores baianos foi que eles não souberam votar. Entre os moradores maiores de 15 anos do município, 49% são analfabetos. “Quando recebem um papel para preencher na prefeitura ou no banco, muitos não entendem e precisam buscar a ajuda de alguém”, conta o secretário municipal de Administração, Jefferson Rodrigues.
Pedro Alexandre foi o campeão nacional, mas não é exceção. Outros 26 municípios brasileiros tiveram índices de votos nulos acima de 15%. Têm muito em comum. Todos são de estados nordestinos, estão localizados em zonas de baixo Índice de Desenvolvimento Econômico (IDH) — o indicador que mede renda, longevidade e instrução — e têm taxas de analfabetismo equivalentes a duas ou três vezes a média nacional, que é de 14%. Outros 833 municípios tiveram entre 10% e 15% de votos nulos. Isso significa que em 15% de todos os municípios do país pelo menos um em cada 10 votos para presidente foi anulado.
Cinco operações
O ex-ministro do TSE Walter Costa Porto lembra que há dois tipos de voto nulo. O intencional, normalmente ligado a alguma forma de protesto, e o que ocorre por falta de habilidade para votar. “É difícil achar no sertão da Bahia e de Pernambuco um voto nulo intencional”, diz Costa Porto. “Há muita gente inabilitada para qualquer tipo de voto.”
Com a urna eletrônica, se uma pessoa digitar um número inexistente para um candidato e, depois, confirmar, o voto será anulado. No último dia 1º, o eleitor precisava repetir cinco operações para votar, escolhendo assim um deputado distrital ou estadual, um federal, um senador, um governador e um presidente. “Certamente a anulação de votos decorre das dificuldades de um eleitorado menos escolarizado”, afirma a cientista política Leany Lemos, autora do livro O primeiro ano do governo Lula, publicado na Espanha. “Esse é apenas um dos reflexos do nosso sistema de ensino ruim, particularmente ruim no Nordeste e mais ainda nas suas zonas rurais.”
O próprio Costa Porto levou uma “cola” para a urna e, como havia escrito o número errado do seu candidato ao Senado, acabou votando em branco para esse cargo. Se um ex-ministro do TSE, professor da Universidade de Brasília, autor do livro Dicionário do voto e usuário habitual de computador teve dificuldades, é de se imaginar as agruras de um agricultor analfabeto do sertão, onde muitas vezes nem a energia elétrica chega.
Queda desde 1998
O índice de votos nulos em eleições presidenciais depois do fim do regime militar teve primeiro uma curva ascendente e depois começou a cair. A comparação entre percentuais de anulação nos últimos pleitos também mostra que o problema não se alterou muito com a inclusão da urna eletrônica e que os votos nulos diminuem no segundo turno das eleições.
Em 1989, na primeira escolha direta de presidente na redemocratização, o índice de nulos foi de 4,8% no primeiro turno e 4,4% no segundo. Naquele ano, não houve eleição para o Congresso e nem para governadores. Em 1994, quando a cédula ainda era usada e já houve concentração da disputa para cinco cargos — presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital — e a dificuldade para votar foi maior, os votos nulos chegaram a 9,6% em todo o país e 12,5% no Nordeste, região com os maiores índices de pobreza e analfabetismo.
No ano de 1998, o primeiro de uso da urna eletrônica para escolher o presidente, o índice ainda subiu e chegou a 10,7%. Caiu para 7,4% no primeiro turno de 2002 e, no último 1º de outubro, baixou para 5,6%. “Isso pode decorrer de uma crescente, embora muito lenta, escolarização, e da maior familiaridade com o processo eleitoral e a informática”, analisa a cientista política Leany Lemos. A eleição presidencial de 2002 e disputas em distintas unidades da federação em 1998 mostraram que a parcela de anulação de votos diminui do primeiro para o segundo turno. Este ano, em estados como Alagoas e Piauí, por exemplo, os eleitores que precisaram fazer cinco operações na urna no primeiro turno deverão fazer uma única no segundo turno, já que só votarão para presidente.
Não há, por enquanto, alternativas aparentes para reduzir a anulação involuntária de votos. Desistir da urna eletrônica, além de parecer um disparate, poderia não adiantar, já que a eleição de 1994 mostrou altos índices de anulação mesmo em cédulas. Separar as eleições para presidente e governador das escolhas para o Legislativo federal — diminuindo assim o esforço e o número de operações na urna eletrônica — iria implicar a realização de eleições praticamente todo o ano, já que também existem as escolhas para prefeito e vereadores em anos sem disputa para executivos estaduais e federal. “O melhor é educar os eleitores”, diz o ex-ministro do TSE Walter Costa Porto. (SN)
Link da notícia:
http://www2.correioweb.com.br/cbonline/politica/pri_pol_54.htm