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O pesadelo dos muçulmanos nos EUA
« Online: 04 de Novembro de 2006, 10:09:27 »
Le Monde

O pesadelo dos muçulmanos norte-americanos
Enquanto os muçulmanos vêm conquistando espaços na sociedade dos EUA, eles enfrentam preconceitos e rejeição desde os atentados de 11 de setembro

Por Corine Lesnes

Ele chama-se Mahmoud, mas ela o chama "Mo", o que soa melhor no Texas. Ele não é o único a ter mudado de nome. Na América pós-11 de setembro, muitos são os Mohammed que se fazem chamar Mo, e os Osama que mudaram para "Sam".

Mahmoud "Mo" Alafyanouny foi expulso dos Estados Unidos em 4 de agosto e enviado de volta para a Jordânia. E, ela, a sua mulher, Rae Johnson, está em pleno processo de decidir se ela vai ou não segui-lo e trocar a sua América natal pelo Oriente Médio. Mahmoud Alafyanouny vivia nos Estados Unidos havia dez anos. Ele estava aguardando a sua carteira de residente quando todos os seus planos desmoronaram por causa do Patriot Act, a lei anti-terrorista que foi aprovada pelo Congresso na esteira dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Nunca nenhuma autoridade o havia considerado suspeito. De repente, um juiz o criticou por ter coletado fundos em proveito da OLP (Organização de Liberação da Palestina) quando ele era estudante em Amã (Jordânia), em 1983. Os serviços da Imigração vieram prendê-lo em 2004, na borracharia de Dallas onde ele trabalhava. O seu advogado argumentou que a OLP não estava, na época, incluída na lista das organizações terroristas. Mas a Imigração respondeu que o palestino representava uma "ameaça para a segurança nacional". Após dois anos de prisão, Mahmoud Alafyanouny, desanimado, preferiu desistir da batalha judiciária. Ele achou por bem não insistir e optou pelo exílio.

Rae Johnson tem um sorriso desiludido. Ela está casada com um "estrangeiro acusado de ter se dedicado a atividades terroristas", mas ninguém vê qualquer inconveniente no fato de ela ser responsável da vigilância das bagagens no aeroporto de Dallas, onde trabalha a serviço da Agência de segurança dos transportes (TSA). A sua filha, Angel, 10 anos, está encabulada. Ela engordou muito. Dias atrás, no colégio, um rapaz zombou dela. A garotinha o ameaçou: "Eu vou colocar uma bomba dentro da sua cabeça". Os professores ficaram assustados. Ela foi mandada embora temporariamente. Rae suspira. Talvez seja mesmo melhor recomeçar uma nova vida, na Jordânia ou em Abu Dabi (Emirados Árabes Unidos).

Nazih Hassan, 36 anos, é engenheiro em informática na cidade de Ann Arbor, no Michigan. Ele compara a época atual com a era da "caça às bruxas" incentivada pelo senador Joseph McCarthy nos anos 50. "As pessoas estão com medo de discutir a respeito do Iraque ou do Líbano no telefone", diz. Elas evitam envolver-se com toda e qualquer iniciativa que poderia se parecer com "atividades hostis". "A gente chega à conclusão de que é melhor comportar-se como se estivesse vivendo num regime autoritário".

As associações islâmicas estimam que um número desproporcionado de muçulmanos se encontra entre os 160.000 estrangeiros que foram expulsos no ano passado. O comitê árabe-americano contra a discriminação (American-Arab Anti-Discrimination Committee) deu queixa na justiça em várias oportunidades para ser informado da nacionalidade dos expulsos, mas nunca ganhou essa causa.

Nazih Hassan fugiu da guerra civil no Líbano em 1988. "Eu não vou dizer que estou com medo, mas eu tomo muito cuidado com o que estou fazendo", diz. "A situação chegou a tal ponto que passei a questionar um monte de coisas. Se a gente não tem mais liberdades aqui, talvez seja melhor estar lá, junto à família". No início do ano, ele se envolveu nos processos que foram intentados em Detroit pela Aclu (American Civil Liberties Union), a associação de defesa das liberdades públicas e individuais, contra as escutas telefônicas.

Ele também se insurge contra a "perseguição" da qual são objetos as organizações caritativas. Em cinco anos, as cinco principais fundações islâmicas foram fechadas pela célula anti-terrorista do ministério do Tesouro. Milhões de dólares foram congelados nos bancos. Contudo, nenhum dos seus dirigentes ainda foi condenado por atividades ligadas ao terrorismo. "Não existe mais nenhuma organização que esteja autorizada a trabalhar na Palestina", diz este militante.

O Ramadã (festa muçulmana na qual se pratica o jejum durante um mês) é tradicionalmente uma ocasião para cumprir o dever da esmola (zakat), prescrito pelos textos. Neste ano, as associações constataram uma sensível diminuição das doações. Os fiéis não ousam mais fazer um cheque. Às vezes, eles enviam discretamente envelopes anônimos que contêm notas de US$ 100. Eles pedem para não serem procurados por telefone.

Nazih Hassan tem um conselho para dar a quem interessar possa: "Se vocês quiserem conquistar os corações e as mentes, então, por favor, deixem o chicote para lá. Parem de bater em nós".

Cinco anos depois de 11 de setembro de 2001, a comunidade muçulmana dos Estados Unidos continue a se sentir sitiada. À pressão dos poderes públicos, acrescenta-se um clima negativo na opinião pública. Segundo o Council on American-Islamic Relations (CAIR), a principal organização de defesa dos direitos cívicos da comunidade muçulmana, "a islamofobia adquiriu proporções alarmantes". A associação publicou o seu relatório anual em setembro. O número de queixas por discriminação e ódio racial passou para 2.200 no ano passado. Ele aumentou em 30% entre 2004 e 2005.

Todos os dias, Ibrahim Cooper, o porta-voz do CAIR, compila os registros de incidentes que lhe são assinalados pelos 32 delegados da associação. Ele prefere deixar de lado "os sanduíches de presunto sobre o Corão" e outras provocações do tipo, para não jogar mais óleo na fogueira. Mas certos incidentes são considerados como reveladores o suficiente para justificarem denúncias públicas. Dentre eles está um vídeo que foi filmado em março no Tennessee no qual são vistos homens atirando com armas automáticas em exemplares do Corão.

Na universidade Pace, em Nova York, um segundo exemplar do livro sagrado acaba de ser encontrado nos toaletes. "Trata-se de um lugar de ensino, e, por isso, nós não podemos deixar passar isso", diz Ibrahim. Na Flórida, tiros com armas de fogo foram disparados contra uma mesquita.

Segundo o CAIR, o FBI "vem investigando de maneira muito séria" esses incidentes. Mas "é a atmosfera dentro da sociedade" que é preocupante. "Se a fuzilada da Flórida tivesse tido como alvo uma sinagoga, aí todo mundo teria ouvido falar a respeito sem demora". Em 30 de outubro, o pastor protestante David Clippard agradou a platéia durante a convenção anual dos batistas do Missouri quando afirmou que os islâmicos estavam tentando "implantar um Estado islâmico no interior dos Estados Unidos" e que eles queriam "conduzir Detroit de volta para o século 15 e instaurar a charia [a lei islâmica] na cidade".

As campanhas eleitorais mais recentes, centradas nas questões do Iraque e do terrorismo, reforçaram as concepções generalizantes e preconceituosas. O representante Peter King, de Nova York, tornou-se um especialista em denunciar o "radicalismo" nas mesquitas. Na Flórida, uma dirigente local do Partido republicano, Mary Ann Hogan, protestou contra o fato de as comunidades terem recebido uma ajuda municipal para organizar a festa de encerramento do Ramadã.

Durante o mesmo período, "os muçulmanos no Iraque mataram um maior número dos nossos soldados que nos meses precedentes", sublinhou Hogan. Adel Eldin, o reitor da faculdade local, respondeu-lhe com "tristeza": "Nós nada temos a ver com os muçulmanos do Iraque. Nós somos os seus vizinhos".

"Parece que ninguém aprendeu nada. Quanto mais os atentados de 11 de setembro de 2001 ficam distantes no tempo, quanto mais as pessoas se tornam sectárias e quanto mais surgem atitudes negativas para com o Islã", explica Geneive Abdo, uma pesquisadora que acaba de publicar um livro ("Mecca and Main Street : Muslim Life in America After 9/11" - "A Meca e a opinião das ruas: a vida dos muçulmanos depois de 11/9"), na qual ela desmonta o mito da boa integração dos muçulmanos americanos.

Após ter percorrido o país durante dois anos, Geneive Abdo percebeu "um sentimento de alienação crescente". Segundo ela, a nova geração está mais voltada para a religião. Sem se deixarem levar pela radicalização à maneira britânica, os jovens se recolhem na sua comunidade. "Eles privilegiam a sua identidade islâmica em detrimento da sua identidade americana", comenta. Segundo ela, o traje do véu tornou-se mais freqüente, enquanto o número de mesquitas aumentou. "Nós registramos uma maior quantidade de conversões".

Paradoxalmente, a comunidade muçulmana - entre 6 e 8 milhões de pessoas - vem dando no mesmo momento sinais de crescimento e fortalecimento. O Islã é a religião que cresce com a maior rapidez nos Estados Unidos. A imigração, por sua vez, recrudesceu. Em 2005, 96.000 pessoas originárias de países muçulmanos obtiveram uma autorização de residência, ou seja, o número o mais elevado dos últimos vinte anos.

"A comunidade está sitiada, mas ela já partiu para o contra-ataque", diz Nazih Hassan. A principal associação, a Sociedade islâmica da América do Norte (Islamic Society of North America), reuniu 40 000 pessoas em setembro por ocasião do seu congresso em Chicago. Ela elegeu uma mulher, uma antiga católica de 43 anos, Ingrid Mattson, para a sua presidência, como uma maneira de sublinhar a sua recusa de se deixar reduzir a um estereótipo.

O CAIR, uma associação mais política, é um lobby que se afirma como tal. Ele reivindica cerca de 50.000 membros e organizou uma cerimônia de encerramento do Ramadã no Congresso, para os parlamentares e as suas assessorias. Todos os seus comunicados começam com um versículo do Corão. Toda e qualquer menção ao profeta Maomé, até mesmo em mensagens enviadas por e-mail, é acompanhada da expressão "a paz esteja com Ele". Mas o CAIR está fortemente entrosado com a população em áreas próximas ao Capitólio (sede do Congresso em Washington) e os seus responsáveis comparecem sem problema para debater com os militantes de direita em programas do canal Fox News.

Segundo Corey Saylor, o responsável para os assuntos governamentais do CAIR, a principal preocupação dos imigrantes da geração precedente era de poder dispor de locais para rezar. Agora, há mesquitas por todo lugar. "Quinze anos atrás, havia duas mesquitas na região de Washington. Atualmente, há mais de vinte delas". No norte de Detroit, uma igreja acaba de ser convertida em mesquita. O Centro islâmico a comprou da diocese. No bairro, os imigrantes do Bangladesh sucederam aos poloneses.

Depois da controvérsia em torno das caricaturas de Maomé, o CAIR passou a organizar jornadas especiais, abrindo as portas das mesquitas para o público - cuja programação incluiu um convite para participar da prece do meio-dia e uma refeição oriental. Ela lançou uma campanha pedagógica, semelhante às de marketing: "Explorem o Corão". Mais de 30.000 exemplares do Corão e 10.000 fitas de vídeo de um programa do canal de televisão público PBS, dedicado à vida de Maomé foram distribuídos gratuitamente.

Por sua vez, a sede californiana do CAIR produziu o primeiro programa de rádio ao vivo a partir de uma mesquita. A da Flórida providenciou a instalação de um outdoor gigante na auto-estrada, que traz os dizeres: "O Islã condena o terrorismo". Mas, conforme diz Ibrahim Cooper, "o problema é que toda vez que nós achamos ter dado um passo adiante, ocorre um evento internacional que nos faz retroceder de dois passos".

Por ocasião das eleições de 7 de novembro, pela primeira vez um muçulmano, o advogado Keith Ellison, deverá ocupar um assento no Congresso. Até então, um único muçulmano havia sido registrado entre os eleitos, só que numa escala local, no Parlamento da Carolina do Norte.

Os árabes americanos há muito tempo já vêm participando da vida pública, mas, em geral eles são cristãos. "Se Keith Ellison for eleito, isso enviará uma mensagem forte para o mundo exterior: isso provará que, neste país, um muçulmano pode alcançar uma função elevada", diz o porta-voz do CAIR.

Os muçulmanos estão apenas começando a descobrir o seu peso eleitoral. A Sociedade dos Muçulmanos da América (Muslim American Society) promoveu a instalação nas mesquitas de uma dezena de Estados máquinas que permitem aos fiéis se inscreverem nas listas eleitorais. "No passado, isso era um luxo. Agora, votar tornou-se uma necessidade", diz Corey Saylor. Segundo ele, 2,2 milhões de muçulmanos já se inscreveram. 30.000 novos eleitores foram registrados nessas últimas semanas. Para os dirigentes do Comitê de ação política dos muçulmanos americanos, "o Islã ordena a cada muçulmano que ele se envolva sem equívoco do lado da justiça social".

Em 2000, 42% dos muçulmanos haviam votado em George W. Bush e 31% em Al Gore. O candidato republicano havia seduzido os muçulmanos assumindo posição contra a utilização de "provas secretas" nos dossiês relativos ao terrorismo. Desta vez, eles tendem nitidamente a votar em favor dos candidatos do Partido democrata. Indagados a respeito dos assuntos que mais os deixam preocupados, os muçulmanos entrevistados colocam em primeiro lugar a educação, seguida pelas liberdades, e pelo conflito palestino-israelense.

Já faz dois anos, os muçulmanos também dispõem de um canal de televisão, a Bridges TV. Ele emite a partir de Buffalo, no Estado de Nova York. Hassan Shibley, 20 anos, é um dos seus produtores. Ele está rodando um documentário sobre a influência crescente dos muçulmanos nos campi universitários. Este jovem rapaz foi preso junto com a sua mãe, uma ortodontista de origem síria, no momento em que eles estavam retornando de uma conferência no Canadá, em dezembro de 2004. Eles são portadores de passaportes americanos, mas eles foram obrigados a fornecer suas impressões digitais. Eles deram queixa na justiça. "O que é formidável nos Estados Unidos", diz Shibley, "é que existem instituições para combater esses abusos".

Hassan é o presidente da Associação dos estudantes da universidade de Estado de Nova York, em Buffalo. Ele gere um orçamento de US$ 3 milhões (R$ 6,42 milhões). Ele deplora que o mundo ocidental não compreenda a palavra "jihad" (Guerra santa). "A maior jihad", diz, "é quando se diz a verdade a um regime injusto".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

 

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