« Online: 05 de Novembro de 2006, 15:36:08 »
André Petry
O uísque do governo
"Que ninguém duvide de que qualquer governo, tucano ou petista, faria tudo para garantir vida longa à CPMF e seus monumentais 30 bilhões de reais"
Em American Graffiti, um dos primeiros filmes do cineasta George Lucas, lançado no Brasil sob o título Loucuras de Verão, há uma cena em que um adolescente entra numa lojinha de conveniência, contempla maravilhado a seqüência interminável de garrafas de uísque expostas nas prateleiras e começa a fazer seu pedido ao atendente. Pede uma barra de chocolate, uma caneta, um pedaço de carne seca, uma garrafa de uísque, umas pilhas... Quase que de forma mecânica, o atendente foi colocando cada pedido sobre o balcão e está prestes a fechar a embalagem com tudo dentro para entregar ao comprador quando se dá conta de um detalhe fundamental: "Você tem carteira de identidade para comprar o uísque?". O plano do adolescente falhara. Ele não tinha idade para comprar a bebida. E a lista de compras era propositadamente extensa apenas para encobrir o único produto que realmente lhe interessava: a garrafa de uísque.
Pois, na semana passada, na primeira reunião de trabalho no Palácio do Planalto depois da reeleição, Lula encontrou-se com quatro ministros e com o presidente do Banco Central – e pareciam à beira do balcão de uma loja de conveniência. Na reunião, os ministros levaram uma lista com cinqüenta idéias capazes de ajudar o país a crescer a 5% do PIB nos próximos quatro anos. Listaram providências importantíssimas, todas muito vagas, amplas e subjetivas como reduzir o custo dos investimentos, diminuir a carga tributária para setores estratégicos, enxugar as despesas da máquina pública... Tudo muito aéreo, mas, à certa altura da lista interminável, perdida como se não merecesse nenhum destaque ou atenção especial, aparecia uma das poucas medidas precisas e claras do pacote: "prorrogação da CPMF". Bingo. É o uísque do governo. Listaram cinqüenta idéias, mas o que realmente interessa é prorrogar a CPMF. O resto é pilha e chocolate.
CPMF é a sigla de contribuição provisória sobre movimentação financeira, conhecida como "imposto do cheque". Foi criada em 1997, com o objetivo de injetar dinheiro na saúde. Deveria durar apenas o tempo necessário para que o governo de então reorganizasse suas contas e encaminhasse a reforma tributária. Daí porque se chamava "provisória". Com as sucessivas prorrogações, já virou uma contribuição permanente e está prestes a completar sua primeira década de vida. Hoje, a CPMF recolhe cerca de 30 bilhões de reais anuais para o governo, e o dinheiro, naturalmente, não vai apenas para a saúde mas serve para tapar vários buracos.
Que ninguém duvide da honestidade das intenções do presidente e de seus ministros sobre o crescimento econômico. Não resta dúvida de que querem, sim, que o país cresça a 5% do PIB ou mais. Que ninguém duvide de que qualquer governo, tucano ou petista, faria tudo para garantir vida longa à CPMF e seus monumentais 30 bilhões de reais. Mas, dadas a tradição tributária brasileira e a imensa capacidade que o governo petista já demonstrou para fazer coisas com rapidez e eficiência, também não vale duvidar de que as cinqüenta providências importantíssimas possam vir a cair uma depois da outra – até restar apenas, triunfal e soberana, a prorrogação da CPMF.
No filme, o golpe não dá certo. O Brasil não é um filme.
A palavra "provisória" parece estar ganhando um novo significado nos últimos tempos...

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" Meu objetivo é ensinar minhas aspirações a se conformarem com os fatos, em vez de tentar fazer com que os fatos se harmonizem com elas." Thomas Henry Huxley
"Vai lá, vai lá, vai lá, vai lá de coração...vamo São Paulo, vamo São Paulo, vamo se campeão!!!"