Autor Tópico: Ficção: "Law & Order", episódio "Bible Story" (2005)  (Lida 497 vezes)

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Offline Luis Dantas

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Ficção: "Law & Order", episódio "Bible Story" (2005)
« Online: 11 de Novembro de 2006, 07:29:59 »
Acabei de assistir a esse episódio no Canal Universal:

http://www.imdb.com/title/tt0629173/

e o considero de interesse para os foristas.  O assunto principal é um assassinato passional motivado por um roubo de uma Torah (Bíblia judaica) de importância histórica e simbólica para uma sinagoga (templo judaico).

AVISO: "SPOILERS" (detalhes da história e/ou do final) a seguir!


Eis as duas últimas frases do episódio, proferidas pelos membros da promotoria:

"Nada como valores familiares... ligados por uma Bíblia rasgada e um homicídio."
"E uma mentira".

A história parece, no início, ser um caso relativamente simples de crime de ódio religioso, e um dos primeiros suspeitos é um palestino dono de uma lavanderia próxima.

Mas o roteiro do episódio consegue sair do óbvio; o palestino nada tem a ver com o crime, nem mesmo indiretamente.  As verdadeiras causas do roubo da Torah e da morte do ladrão (que, descobre-se, foi afinal de contas contratado por um judeu não-praticante) são completamente internas à comunidade judaica local.

O prédio da Sinagoga é de propriedade de uma imobiliária que teve origem na própria comunidade judaica por um valor simbólico.  Mas um dos atuais sócios proprietários não se conforma em cobrar o mesmo aluguel de cem anos atrás.  O Talmude (livro de interpretações rabínicas, e na prática o verdadeiro livro sagrado do Judaísmo) proíbe-o de despejar a Sinagoga, portanto ele na prática está sendo fraudado e constrangido por motivos religiosos.  O episódio não chega a dizer isso com essas palavras, mas mostra bem os extremos e absurdos a que se pode chegar quando se confunde o respeito à instituição religiosa tradicional com o respeito aos valores, vidas e direitos verdadeiros.

Ao final do episódio, está esclarecido que esse proprietário da imobiliária está em conflito com a Sinagoga há anos, e poderia estar ganhando de sete a quinze milhões de dólares de aluguel por mês (ou por ano, não conheço o costume americano) se ela deixasse seu prédio (o que acaba acontecendo).  Isso o levou a contratar o ladrão para roubar a Torá que pertenceu ao seu próprio pai, muito ligado à Sinagoga.  Mas seu próprio primo perde o controle ao se deparar com esse ladrão e acaba por matá-lo.  Há alegações de exceção muito questionáveis, mas acabam chegando a um acordo: em vez de 25 anos por homicídio simples, ele cumprirá cinco por homicídio culposo.  McCoy chega a mencionar que é a mesma oferta que se faria a um motorista bêbado que atropela e mata alguém (comparação bastante interessante em mais de um sentido).

Não acaba aí; a esposa do assassino vai à promotoria protestar e com isso motiva McCoy a processar judicialmente o mandante do roubo da Torá e primo do assassino, também por homicídio culposo.  A relutância de seu superior em adotar a idéia é explicitada; ele chega a mencionar o contrangimento por "apenas judeus" serem presos devido a esse crime, bem como sua preocupação com as "entrevistas de recolocação".  O episódio tem esse mérito de não fazer de conta que não há desgaste político quando se procura justiça mesmo contra as expectativas da comunidade religiosa local.

A surpresa final do episódio é a descoberta de que o próprio rabino da Sinagoga tem mentido para sua congregação a respeito da Torá roubada; ela supostamente é uma relíquia deixada na Polônia em 1943 e resgatada décadas mais tarde.  Mas na verdade é uma fraude, comprada em uma loja para substituir o livro original que havia sido perdido.  O rabino e o pai do dono da imobiliária mentiram a respeito para preservar a inspiração da comunidade.  E conseguiram.  Só que essa vaidade e desonestidade levaram a conflitos internos, prejudicaram os valores morais da própria comunidade judaica, e por fim resultaram na morte por ódio descontrolado de um simples ladrão que não tinha qualquer motivação religiosa, étnica ou política.

O episódio faz o possível para tocar nos temas incômodos sem se aprofundar demais, mas mesmo assim fica claro (para quem tem a coragem de querer perceber) que a preocupação excessiva em ter certezas e um senso de união foi o que mais causou danos; não apenas a morte do ladrão em si, mas também a hipocrisia (de vários tipos) de membros e rabinos da comunidade judaica, a quebra de confiança dentro de famílias por motivos menores, e a extorsão com justificativas religiosas.
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The stanza uttered by a teacher is reborn in the scholar who repeats the word

Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

 

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