Acabei de assistir a esse episódio no Canal Universal:
http://www.imdb.com/title/tt0629173/e o considero de interesse para os foristas. O assunto principal é um assassinato passional motivado por um roubo de uma Torah (Bíblia judaica) de importância histórica e simbólica para uma sinagoga (templo judaico).
AVISO: "SPOILERS" (detalhes da história e/ou do final) a seguir!Eis as duas últimas frases do episódio, proferidas pelos membros da promotoria:
"Nada como valores familiares... ligados por uma Bíblia rasgada e um homicídio."
"E uma mentira".
A história parece, no início, ser um caso relativamente simples de crime de ódio religioso, e um dos primeiros suspeitos é um palestino dono de uma lavanderia próxima.
Mas o roteiro do episódio consegue sair do óbvio; o palestino nada tem a ver com o crime, nem mesmo indiretamente. As verdadeiras causas do roubo da Torah e da morte do ladrão (que, descobre-se, foi afinal de contas contratado por um judeu não-praticante) são completamente internas à comunidade judaica local.
O prédio da Sinagoga é de propriedade de uma imobiliária que teve origem na própria comunidade judaica por um valor simbólico. Mas um dos atuais sócios proprietários não se conforma em cobrar o mesmo aluguel de cem anos atrás. O Talmude (livro de interpretações rabínicas, e na prática o verdadeiro livro sagrado do Judaísmo) proíbe-o de despejar a Sinagoga, portanto ele na prática está sendo fraudado e constrangido por motivos religiosos. O episódio não chega a dizer isso com essas palavras, mas mostra bem os extremos e absurdos a que se pode chegar quando se confunde o respeito à instituição religiosa tradicional com o respeito aos valores, vidas e direitos verdadeiros.
Ao final do episódio, está esclarecido que esse proprietário da imobiliária está em conflito com a Sinagoga há anos, e poderia estar ganhando de sete a quinze milhões de dólares de aluguel por mês (ou por ano, não conheço o costume americano) se ela deixasse seu prédio (o que acaba acontecendo). Isso o levou a contratar o ladrão para roubar a Torá que pertenceu ao seu próprio pai, muito ligado à Sinagoga. Mas seu próprio primo perde o controle ao se deparar com esse ladrão e acaba por matá-lo. Há alegações de exceção muito questionáveis, mas acabam chegando a um acordo: em vez de 25 anos por homicídio simples, ele cumprirá cinco por homicídio culposo. McCoy chega a mencionar que é a mesma oferta que se faria a um motorista bêbado que atropela e mata alguém (comparação bastante interessante em mais de um sentido).
Não acaba aí; a esposa do assassino vai à promotoria protestar e com isso motiva McCoy a processar judicialmente o mandante do roubo da Torá e primo do assassino, também por homicídio culposo. A relutância de seu superior em adotar a idéia é explicitada; ele chega a mencionar o contrangimento por "apenas judeus" serem presos devido a esse crime, bem como sua preocupação com as "entrevistas de recolocação". O episódio tem esse mérito de não fazer de conta que não há desgaste político quando se procura justiça mesmo contra as expectativas da comunidade religiosa local.
A surpresa final do episódio é a descoberta de que o próprio rabino da Sinagoga tem mentido para sua congregação a respeito da Torá roubada; ela supostamente é uma relíquia deixada na Polônia em 1943 e resgatada décadas mais tarde. Mas na verdade é uma fraude, comprada em uma loja para substituir o livro original que havia sido perdido. O rabino e o pai do dono da imobiliária mentiram a respeito para preservar a inspiração da comunidade. E conseguiram. Só que essa vaidade e desonestidade levaram a conflitos internos, prejudicaram os valores morais da própria comunidade judaica, e por fim resultaram na morte por ódio descontrolado de um simples ladrão que não tinha qualquer motivação religiosa, étnica ou política.
O episódio faz o possível para tocar nos temas incômodos sem se aprofundar demais, mas mesmo assim fica claro (para quem tem a coragem de querer perceber) que a preocupação excessiva em ter certezas e um senso de união foi o que mais causou danos; não apenas a morte do ladrão em si, mas também a hipocrisia (de vários tipos) de membros e rabinos da comunidade judaica, a quebra de confiança dentro de famílias por motivos menores, e a extorsão com justificativas religiosas.