Escola de Jerusalém une judeus e árabes16/11/2006Sascha ZastiralUma escola de Jerusalém tem como objetivo revolucionar, de forma discreta, o país. Crianças árabes e judias sentam-se nas mesmas salas de aula e recebem aulas de professores de ambas as comunidades. A mais importante lição aprendida é sentir empatia com os colegas.
Todas as manhãs os pais levam os seus filhos à escola, passando pelo vigiado portão da Escola Yad Be Yad ( "mãos dadas", em hebraico) em Jerusalém. Doze crianças, incluindo duas meninas, jogam futebol no pátio. Um garoto com um rabo de cavalo marrom grita em hebraico: "Aqui, passe a bola para mim!". Ele recebe a bola, dribla um menino do outro time, chuta e grita em árabe: "Gol!".
Algumas crianças já estão sentadas nas mesas hexagonais em uma sala de aula no porão da escola. Uma mulher usando um véu muçulmano acena, despedindo-se do filho. Os alunos brincalhões sentam-se no fundo da sala.
A escola, no bairro Katamon, em Jerusalém, é um lugar altamente incomum. Isso porque ela atende a alunos árabes e judeus, e as aulas são ministradas em hebraico e árabe. Em qualquer outro lugar do mundo, tal projeto não chamaria muita atenção. Mas em uma região saturada de ódio, guerra e violência, essa iniciativa beira o revolucionário.
Os 375 alunos vêm de Jerusalém oriental e ocidental, e alguns são até mesmo da Cisjordânia. Os mais novos estão no jardim de infância, e os mais velhos na oitava série. O currículo do primeiro ano inclui leitura, redação e o aprendizado dos dias sagrados do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. Mas o projeto espiritual subjacente na escola "mãos dadas" é fazer com que os estudantes aprendam a sentir empatia com os colegas.
Jaffa Shira Grossberg, 37, professora da primeira série, saúda os alunos em hebraico. Balsan Asallah, 22, uma árabe do norte de Israel, é a segunda professora na sala de aula. Ela traduz tudo o que Grossberg diz. Tão logo as crianças adquirem um conhecimento razoável de ambas as línguas, as duas professoras se revezam na tarefa de dar aulas. Asallah, uma jovem palestina, parece nervosa. Esse é o seu primeiro emprego como professora e a sua primeira aula.
O telefone toca no pequeno escritório de Ala Chatib. Ele e Dalia Perez, que senta-se ao seu lado, são os co-diretores da escola.
Perez?
"Sim, o meu irmão é o ministro da Defesa, Amir Perez", confirma ela. Por um momento a sala fica silenciosa. Ela dirige uma escola árabe-judaica e o seu irmão comanda a campanha militar contra o Hezbollah. Como é que essas duas circunstâncias distintas se encaixam?
"A situação do Líbano era algo a respeito do qual o governo tinha que fazer alguma coisa naquele momento", diz ela. "Mas eu não creio que essa seja a maneira correta de trazer a paz para a região". Ela diz que o seu irmão apóia entusiasticamente a escola, e que ele também acredita no diálogo.
"Existe mais de uma verdade""As crianças desta escola têm uma forma diferente de pensar sobre o conflito", diz Chatib. "Existe mais de uma verdade. E é isso que elas aprendem aqui, umas com as outras". Cada turma tem duas professoras, uma judia e uma árabe. "Se duas professoras de culturas diferentes são capazes de se entender, elas podem servir de modelo para as crianças", opina Perez.
O telefone toca. Os dois diretores têm que retomar o seu trabalho de saudar as crianças, dar apertos de mão e afastar os temores dos pais.
Mohammed Ayyad é o pai de um dos garotos. Ele parece uma versão árabe de Tom Selleck, e o seu discurso é pontilhado de expressões inglesas como "buddy", "damn" e "fuck". Uma pequena bandeira dos Estados Unidos está atada ao espelho retrovisor do seu carro. "Morei nos Estados Unidos durante dez anos. Voltei para cá em 1992. Isto aqui é a Palestina, e esta é a minha casa buddy!".
Ayyad mora em uma casa em Abu Dis com os seus dois irmãos e suas famílias. A muralha de concreto de oito metros de altura que Israel erigiu entre o Estado judeu e os palestinos fica a apenas 50 metros da sua casa. "O muro é muito feio", critica Ayyad. "E ele parte o meu coração. Quando foi que um muro resolveu problemas?". O seu filho Abud, 11, está na sexta série. "Ele é fluente em hebraico. Quando Abud fala em hebraico, ninguém é capaz de saber que ele é árabe". Mas, a seguir, falando de uma maneira incomumente suave, ele acrescenta: "Ele não tem futuro aqui".
A rua de Ayyad é repleta de buracos e cheia de lixo. Homens e adolescentes sentam-se nos bancos em frente às lojas, enquanto mulheres de véus atravessam a rua. Os véus se multiplicaram depois que o Hamas se tornou o partido que governa a Autoridade Palestina. Os pôsteres rasgados da campanha eleitoral do grupo ainda podem ser vistos nos muros das casas.
O povo desta aldeia alerta constantemente Ajjad para o perigo de a escola transformar o seu filho em um pequeno judeu. Ayyad quer que Abud se torne advogado, de forma que possa defender os direitos dos outros palestinos. "Um dia, quando ele tiver crescido e houver paz, Abus poderá trabalhar como especialista jurídico para companhias dos dois lados e ganhar muito dinheiro". Segundo Ayyad, não existe mais nenhuma barreira psicológica entre Abud e os seus amigos judeus. "Isso é uma obra da escola", acrescenta Ayyad.
Embora as crianças freqüentem a mesma escola, as suas casas se situam em universos totalmente diferentes, sob o ponto de vista político. Bettina e Israel Steiner moram com os seus dois filhos em uma das melhores áreas de Jerusalém, o bairro de Ir Ganim. Ori, 10, se prepara para começar a quarta série, e Gaja, 5, está no jardim de infância. Bettina Steiner, 44, senta-se no seu pequeno jardim, que é rodeado por um muro de pedra alto. Ela veio para Jerusalém em 1989. À época, ela era estudante de medicina nas cidades alemãs ocidentais de Bonn e Aachen, e veio para Israel para fazer um estágio de um ano. Mas, depois disso, Steiner recebeu uma bolsa e, segundo as suas palavras, "nunca mais voltou". Hoje ela trabalha como neurologista no Hospital Shaare Zedek, em Jerusalém.
Pais árabes e judeus mantêm contato pela primeira vez"No início ficávamos nos perguntando como é que o ensino das crianças em hebraico e árabe poderia dar certo", diz ela. "Mas gostamos da idéia que estava por trás disso, do conceito de intercâmbio cultural". Um dos motivos pelos quais Steiner acha o conceito da escola tão atraente é o fato de ela manter tão pouco contato com árabes na vida diária, embora isso tenha mudado desde que os seus filhos passaram a frequentar a Escola Yad Be Yad. "Eles também trabalham muito com os pais. Por exemplo, nós fomos juntos à praia e fizemos uma caminhada no interior". O seu filho, Ori, certa vez até visitou um amigo de escola na Cisjordânia. "Foi um pouco complicado", lembra Steiner. Como dirigir na Cisjordânia pode ser perigoso para um israelense, ela se encontrou com os pais do amigo de Ori em um posto militar de fronteira.
"O único problema com o qual eles se depararam até o momento foi o de comemorar o dia da independência", conta Steiner. Esse é um dia de comemoração para os israelenses, mas os palestinos chamam-no de "Nabka", que quer dizer "Dia da Catástrofe", porque a data lhes lembra a perda de suas terras. "No final, concordamos em realizar duas cerimônias separadas que terminam com um evento comum".
O seu marido, Israel, 54, caminha pelo jardim. Ele é bem mais baixo que a mulher, e usa uma camiseta e um calção. Os seus cabelos grisalhos despenteados estão molhados, e ele leva uma toalha jogada sobre o ombro.
Ele fala sobre os judeus ortodoxos que protestaram contra a escola ao saberem que a Yad Be Yad planejava construir uma nova unidade para abrigar mais de 800 crianças. O sítio da construção fica na fronteira do bairro de Katamon, local onde vivem imigrantes judeus pobres que vieram de países árabes em 1948. Katamon faz divisa com Bei Safafa, um distrito árabe. O estádio usado pelos clubes de futebol de Jerusalém, o Beitar e o Hapoel, podem ser vistos do local.
Ehud Olmert, ex-prefeito de Jerusalém e atual primeiro-ministro israelense, doou a propriedade à escola. A construção do prédio grande, de dois andares, deverá ser concluída no início de 2008, mas até o momento só as fundações estão prontas.
A maioria dos moradores do bairro vê a nova escola com bons olhos, embora alguns poucos procurem incitar a oposição ao projeto. Estes encontraram aliados nos judeus ultra-ortodoxos da cidade.
"Nada de escolas mistas""Está escrito na bíblia que não deverá haver escolas mistas", afirma Yitzhak Batzri. Ele fala em nome do seu pai, o rabino David Batzri, diretor de uma yeshina, que são escolas religiosas altamente respeitadas. David Batzri é conhecido pela sua postura fanática. No ano passado ele anunciou que o furacão Katrina, que devastou Nova Orleans, foi uma punição de Deus devido ao apoio dos norte-americanos à retirada israelense da Faixa de Gaza. Os Batzri têm criticado a escola e os árabes-israelenses de forma tão virulenta que acabaram sendo acusados criminalmente por fazerem declarações racistas.
Será que a bíblia realmente diz que os judeus e o gentio não podem freqüentar a mesma escola? "Não", diz Batzri. "Mas as crianças judaicas poderiam se converter ao islamismo na escola, e acabaríamos tendo casamentos mistos". E se a escolas só ensinasse os alunos a respeito das culturas mútuas e aceitasse apenas garotos? "Isso também seria um problema", afirma ele. "O islamismo e o judaísmo são incompatíveis".
"A escola é polêmica porque ela está fazendo algo que ninguém mais faz em Israel", diz Amin Chalaf. Ele e o norte-americano Lee Gordon são os criadores do conceito de uma escola bilingüe. "Quando demos início ao projeto, oito anos atrás, as pessoas nos diziam com freqüência: Como é que você pode fazer uma coisa dessas? Isso nunca vai funcionar", conta ele. "Os mais de um milhão de árabes de Israel levam vidas completamente separadas daquelas dos judeus. Queríamos achar uma maneira de aproximar as duas comunidades. No início, acharam que fôssemos loucos".
Além do projeto modelo em Jerusalém, existem duas outras escolas "mãos dadas" em Israel - uma em Misgav, no norte do país, e uma segunda que foi inaugurada dois anos atrás em Kfar Kara, uma cidade árabe próxima à fronteira com a Cisjordânia.
Chalaf ri. "Atualmente existem mais de 800 crianças nas três escolas", diz ele. "Neste ano tivemos que recusar a matrícula de 60 crianças em Jerusalém porque não tínhamos espaço suficiente".
O dia escolar já está em andamento. A primeira aula da turma da primeira série já terminou. Jaffa Shira Grossberg e a outra professora, Balsan Asallah, analisam desenhos coloridos cobertos de cartas em hebraico e em árabe. Grossberg está satisfeita com a maneira como o dia teve início. A pequena revolução continua.
Fonte:
UOL-----------
Esqueceram a escola secular.
