O ESTADO DE S. PAULO, 22-11-2006
A VOLTA DOS ALIMENTOS CONTAMINADOS
Aqueles que compram comida em supermercados têm pouca vivência dos
ambientes nos quais os alimentos são produzidos.
O solo contém uma infinidade de vírus, bactérias e fungos nocivos à
saúde humana. Os principais vilões são as toxinas produzidas por
bactérias e fungos, em especial a ergotamina produzida pelo Claviceps
purpúrea, a fumosina, pelo Fusarium e as toxinas, por algumas formas
de E. coli.
Fungos e bactérias contaminam os grãos e as verduras que produzimos e
acabam por se reproduzir se as condições de colheita, armazenamento e
processamento não são cuidadosamente controladas.
O resultado é que as toxinas aparecem nos alimentos. Além de poderem
matar, elas, mesmo em doses minúsculas, contribuem para o surgimento
do câncer de esôfago. A fumosina tem a peculiaridade de inibir a
absorção de ácido fólico, o que pode causar malformação nos fetos.
O ataque por insetos infectados é uma das maneiras como os grãos são
contaminados. Durante todo o século 20, com a utilização de fungicidas
e inseticidas e a introdução de plantas transgênicas resistentes a
insetos, as contaminações em larga escala se tornaram muito raras. No
caso das bactérias, a utilização de adubos químicos em vez de adubos
feitos com fezes de animais ou restos de plantas reduziu o número de
envenenamentos.
ORGÂNICOS
Recentemente esse quadro se modificou com a introdução dos alimentos
'orgânicos'. Em setembro, centenas de pessoas nos EUA foram
envenenadas devido à presença da bactéria E. coli O157:H7 em lotes de
espinafre fresco. Uma morte, 50 casos de falência renal e centenas de
hospitalizações foram causadas por um produtor orgânico descuidado. Na
Inglaterra, o governo testou alimentos orgânicos e industriais para
verificar a presença de fumosina. O resultado foi que todas as
amostras de produtos orgânicos apresentavam níveis inaceitáveis de
fumosina e foram retirados do mercado.
Os resultados mostram que a decisão dos consumidores de voltar às
formas primitivas de produzir alimentos implica em um aumento no risco
de sofrermos envenenamentos. Isso não quer dizer que seja impossível
produzir alimentos orgânicos de maneira segura, mas somente que sua
produção tem que ser mais cuidadosa e que o consumidor deve ser
alertado dos riscos envolvidos, não só dos benefícios.
A conseqüência mais interessante desses episódios são os
desdobramentos legais. Em diversos países, o produtor de bens de
consumo tem o dever de utilizar a tecnologia mais segura em seus
produtos. Caso não o faça, acidentes deixam de ser considerados
acidentes e passam a ser classificados como desleixo, o que implica em
altas multas e condenações. Muitos advogados de vítimas de
envenenamento por alimentos estão movendo esse tipo de ação contra as
indústrias de alimentos orgânicos e até mesmo de alimentos industriais
que deixaram de utilizar tecnologias mais seguras para satisfazer os
consumidores.
O divertido é que esse risco legal está fazendo muitas indústrias se
questionarem se não é arriscado demais excluir transgênicos de
receitas ou prometer que só usam 'produtos orgânicos'.
Mais informações: Why spurning food biotech has become a liability, na
Nature Biotechnology volume 24, página 1075, de 2006, e
http://www.fda.gov/bbs/topics/NEWS/2006/NEW01474.html.
*fernando*reinach.com, Biólogo
http://www.estado.com.br/editorias/2006/11/22/ger-1.93.7.20061122.15.1.xml