Depois que começou a assumir sua condição homossexual e sua convicção religiosa — ele é espírita —, perante um sargento evangélico, o sofrimento emocional começou.
http://noticias.correioweb.com.br/materias.php?id=2691239&sub=Distrito%20Federal Justiça manda reintegrar ex-policial homossexual
Fabíola Góis
Do Correio Braziliense
23/11/2006
07h46-Intimidações, discussões, preconceito e assédio moral. Os últimos anos do ex-cabo M.A.O.A, 39 anos, na Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foram de tormento. Depois de assumir sua condição de homossexual, viu se esvair de repente os 12 anos dedicados à corporação. Foi soldado combatente, trabalhou na Companhia do Metrô e na Policlínica da PMDF. Não imaginou que a homofobia (aversão a gays) dos seus superiores terminaria com sua expulsão dos quadros, em 2003. Ficou desempregado, criou desafetos e está desestabilizado emocionalmente. Mas uma decisão judicial inédita na Auditoria Militar, ainda em primeira instância, poderá levar o policial a voltar aos quadros da corporação. A juíza Gildete Balieiro, substituta da Auditoria Militar, determinou que M. seja reintegrado ao cargo e função que exercia anteriormente.
M. entrou na polícia aos 23 anos. Foi promovido a cabo em 1998 com o conceito de bom comportamento. Depois que começou a assumir sua condição homossexual e sua convicção religiosa — ele é espírita —, perante um sargento evangélico, o sofrimento emocional começou. Era 1999, quando serviu na Policlínica da PMDF. Em um ano, recebeu oito punições. Antes disso, não havia questionamentos quanto à sua conduta e trabalho. O ato administrativo que expulsou o cabo da polícia contrariou parecer do Conselho Permanente de Disciplina. O parecer concluiu que ele era apto a permanecer no cargo e função.
Em uma das punições, M. foi responsabilizado por ter queimado um soldado que fazia fisioterapia. Mesmo sem ser formado na área, manuseava equipamentos como se fosse um profissional, por ordens superiores. O ex-cabo conta que a corporação permitia a irregularidade. Por ser uma instituição militar, segundo ele, os policiais impediam até mesmo a fiscalização do Conselho Regional de Fisioterapia. Laudo posterior o isentou da responsabilidade pela queimadura. A máquina que causou as lesões tinha defeito.
O inédito na decisão que determina a reincorporação aos quadros da polícia é a sustentação da juíza para manter os argumentos da defesa de M. “Não há como afirmar se o autor foi vitimado pelo preconceito no meio militar em virtude de se dizer homossexual ou adepto de determinada religião. Mas a motivação utilizada para fundamentar as referidas punições leva a crer que, seguramente, o requerente não gozava da simpatia de seus superiores, o que sem sombra de dúvidas influenciou não só na aplicação das penalidades, como também na posterior exclusão”, disse a magistrada na sentença.
Histórias antigas
A juíza Gildete Balieiro entendeu que a perseguição ao sargento era direcionada. Depoimento de um fisioterapeuta da polícia em favor de M. mostra que o sargento iniciava toda punição e o superior hierárquico só acatava. “Outros casos aconteceram em relação a queima de pacientes e que não era falha humana, e não foram para frente”, contou o fisioterapeuta no processo. Ele disse ainda que é muito raro se observar alguém ser punido tantas vezes dentro de tão curto espaço de tempo. O ex-cabo não só deverá voltar à PMDF como também receber todos os seus soldos desde o ato da exclusão, em 28 de abril de 2003.
O ex-cabo conta que as histórias de discriminação na polícia são antigas. “Muitos policiais preferem até mesmo sair da corporação do que ter que admitir à própria família os motivos pelos quais foi expulso”, afirmou. M. relata que por terem outra orientação sexual eles passam a ser alvo de piadas, fofocas e humilhações. “Não será a exclusão com falsas afirmativas de desvio de conduta ou quebra da hierarquia e disciplina que fará desaparecer o PM homossexual”, comentou.
De acordo com M., o policial homossexual uniformizado ou não se vê obrigado a esconder sua verdadeira identidade e a dignidade do amor que sente por outro ser do mesmo sexo. Para ele, comandantes e comandados insistem no preconceito e na ignorância de afirmar que o homossexualismo é um desvio da personalidade e, por isso, uma doença que provoca uma conduta imoral, inadequada ao serviço policial e que atenta contra a disciplina.