Miséria cresce, mas Chávez é favorito
Num país com 52% abaixo da linha de pobreza, ele está até 19 pontos à frente de Rosales nas intenções de voto para hoje
Roberto Lameirinhas
Dividida e tensa, a Venezuela vai hoje às urnas para, pela quarta vez em oito anos, decidir a sorte do mais polêmico chefe de Estado sul-americano. Cerca de 16 milhões de venezuelanos estão inscritos para uma eleição presidencial que começou com 23 candidatos - dos quais 10 desistiram antes do fim da campanha -, mas que tem no presidente Hugo Chávez Rafael Frías e no governador licenciado do Estado de Zulia, Manuel Rosales Guerrero, a principal disputa.
Apesar dos quase 9,5% de crescimento registrados pela Venezuela no ano passado - conseqüência do alto preço internacional do barril do petróleo, produto do qual o país é o quinto exportador mundial -, o governo de Chávez obteve resultados modestos na área social. A população considerada abaixo da linha de pobreza - que vive com menos de US$ 1 por dia - aumentou de 47%, em 1998, para 52%, em 2005. O desemprego também cresceu nesse mesmo período, de 12,2% para 13,5%. Os efeitos desses números podem ser constatados pelas ruas do centro de Caracas, deterioradas e tomadas por pedintes e ambulantes.
Mas, paradoxalmente, Chávez aparece como favorito na maioria das pesquisas de intenção de voto - com até 19 pontos de vantagem -, contestadas por seu adversário.
Rosales tem como principal mérito, segundo os analistas venezuelanos, ter catalisado o voto da oposição a Chávez. O governador concorre por uma coalizão de oito partidos, incluindo o Primero Justicia, de direita, o tradicional partido social-cristão Copei, o socialista MAS (Movimento ao Socialismo) e o comunista moderado Bandera Roja (Bandeira Vermelha).
Os dois candidatos encerraram sua campanha na semana passada em Caracas - Rosales no sábado e Chávez, no domingo - com manifestações em massa que reuniram entre 700 mil e 2 milhões de pessoas, dependendo da fonte do cálculo. Segundo o analista Germán Campos, diretor da empresa de pesquisa Consultores 30.11, ouvido pelo Estado em Caracas, a tendência é que Chávez receba uma porcentagem de votos parecida com a que recebeu na eleição de 1998, na de 2000 - sob a vigência da então recém-promulgada Constituição chavista - e no referendo que confirmou seu mandato em 2004: entre 55% e 60%.
Ontem, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) já tinha instalado 99% das urnas eletrônicas - que a oposição mantém sob suspeita, apesar da aprovação de observadores estrangeiros. O voto não é obrigatório no país e o nível histórico de abstenção é de aproximadamente 30%.
O CNE proibiu a divulgação de pesquisas de boca-de-urna antes da emissão de seu primeiro boletim preliminar oficial. O CNE estima que esse boletim só será divulgado entre quatro e cinco horas após o fechamento da última seção eleitoral. A votação começa às 7 horas (9 horas de Brasília) e termina às 16 horas. Mas a seção só fecha depois que o último eleitor da fila tenha votado. A urna eletrônica venezuelana emite também um comprovante impresso, com o nome do candidato, para que o eleitor deposite numa urna. O CNE se propõe a contar 54% desses comprovantes, como forma de auditoria do processo eletrônico.
Rosales denunciou várias irregularidades durante a campanha, entre elas, o abuso do governo, que continua a fazer propaganda de Chávez, apesar da proibição que passou a vigorar desde a meia-noite de sexta-feira.
http://www.estado.com.br/editorias/2006/12/03/int-1.93.9.20061203.15.1.xmlSó de janeiro a setembro, a Venezuela recebeu US$ 43,6 bilhões com a venda do petróleo, segundo a estatal petrolífera do país, PDVSA. Até o fim do ano, a receita do petróleo deve aproximar-se dos US$ 60 bilhões - quase seis vezes o PIB da Bolívia. Quando chegou ao poder, em 1998, Hugo Chávez encontrou o preço internacional do barril de petróleo a US$ 11,91. Hoje é de US$ 60,40. Seria dinheiro suficiente para que a economia do país mostrasse evolução, até porque a cotação do barril do petróleo está em alta há pelo menos 3 anos e meio. Mas não é o que se vê em Caracas. E os trabalhadores dos morros que cercam a capital, e compõem a base de apoio de Chávez, já começam a se perguntar por que esses recursos não se revertem em melhores condições de vida para eles. 'Não entendo por que esse dinheiro está sendo distribuído fora da Venezuela', diz o eletricista Mario Calián, morador do subúrbio de Petare, referindo-se à ajuda fornecida pelo governo a países como Cuba, Nicarágua e Guatemala. Ele diz que uma cunhada, sobrevivente da tragédia de La Guayra - o deslizamento de terra na periferia de Caracas em 1999, que causou a morte de 30 mil pessoas, na maior tragédia do país no século 20 -, espera há 7 anos por uma casa prometida pelo governo. 'Por que não gastam US$ 10 mil com ela e resolvem o problema em vez de levar o dinheiro venezuelano para fora do país? Sempre votei em Chávez, mas desta vez nem vou aparecer na minha seção.' Chávez, que em 1992 liderou uma fracassada tentativa de golpe de Estado e foi vítima do mesmo veneno dez anos depois, é um campeão de eleições. Com um discurso dirigido aos milhões de excluídos, arrasou a oposição em 1998, em 2000 - sob a nova Constituição - e em 2004, quando os opositores fracassaram ao tentar revogar seu mandato por meio de um referendo. Mas suas políticas para os mais pobres têm fracassado na medida em que os cofres do Tesouro se enchem.
no estadão também.