Há tempos que estava querendo postar isso.
Como surgiu o assunto do globo ocular, aproveito a deixa.
É do livro “COGNIÇÃO, CIÊNCIA E VIDA COTIDIANA”, de Humberto Maturana, logo no início do livro.
É uma das coisas mais estranhas que já li.
(...) eu, como biólogo, interessei-me pelo estudo do sistema nervoso e dos fenômenos da percepção, em particular.
(...) um experimento básico feito por um biólogo norte-americano há muitos anos, por volta de 1943, e se vocês leram “A Árvore do Conhecimento” sabem em que ele consiste. Nós, biólogos, fazemos coisas terríveis com os animais... Por exemplo, podemos pegar uma salamandra — um anfíbio com cauda que tem uma capacidade de regeneração extraordinária — e cortar-lhe a pata, que ela logo se regenera. O que acontece com os anfíbios em geral, e com as salamandras em particular, é que se alguém corta seu nervo óptico ele se regenera: o animal recupera a visão. Mas sua capacidade de regeneração é tão extraordinária que se pode, inclusive, tirar totalmente o olho da cavidade — tirar, separar dez centímetros do local onde estava e colocar de novo — que ele cicatriza, o nervo óptico se regenera, e o animal recupera a visão. É possível fazer uma coisa mais terrível ainda: pode-se tirar o olho, girá-lo 180 graus e colocá-lo de volta no lugar. Quando pomos um bichinho na frente da salamandra, ela lança sua língua e o captura. Mas se alguém gira o seu olho e põe o bichinho no mesmo lugar, a salamandra gira sua língua e a lança para trás e, é claro, erra, não o encontra.
Quando este experimento foi feito pela primeira vez, em 1943, as pessoas se perguntavam: "A salamandra aprende a corrigir sua pontaria?" Vejam que pontaria mais maravilhosa tem a salamandra, um animalzinho desse tamanho, tão pequeno: colocam a cinco centímetros de distância dela um bichinho que mede meio centímetro e ela o captura com sua pontaria certeira! Giram seu olho, esperam o nervo óptico se regenerar, colocam o bichinho no mesmo lugar e ela atira sua língua para trás. Ela erra a pontaria e as pessoas perguntam: a salamandra aprende a corrigir a pontaria? Esta é uma pergunta interessante. É uma pergunta particularmente interessante porque é cega para o que este experimento revela. Este experimento mostra que a salamandra não aponta para algo fora dela, e vou logo explicar por quê. Se alguém pergunta "a salamandra aprende a corrigir sua pontaria?", essa pergunta implica que o que a salamandra faz é apontar para um objeto em especial, Mas o que o experimento revela é outra coisa.
Ao girar o olho 180 graus, a retina posterior fica na frente, no lugar da anterior, e vice-versa; e a retina superior fica embaixo, no lugar da inferior, que vai para cima. Normalmente, se pomos um bichinho na frente da salamandra, sua imagem se forma na retina posterior, a salamandra lança sua língua para a frente e o captura. Quando giramos seu olho, a imagem do bichinho colocado à frente da salamandra se forma na retina anterior, que agora está atrás. O animal gira e lança sua língua para trás. A salamandra age como se nada lhe houvesse acontecido. Cada vez que a imagem se forma na sua retina, ela lança sua língua fazendo exatamente o mesmo procedimento, esteja ela com o olho girado ou não.
O que esse experimento nos ensina é que o ato de lançar a língua e capturar o bichinho não é um ato de apontar para um objeto externo, mas de fazer uma correlação interna. Uma correlação entre a atividade da retina e o sistema motor da língua. Mas se a salamandra não aponta para um objeto externo, se o ato de capturar o bichinho não consiste em apontar para algo que está fora, como é que isso acontece?