Estive a fazer uma pesquisa ao fórum, e estranhei não encontrar um tópico sobre a palestra do Papa "
Fé, Razão e Universidade: Memórias e Reflexões"! Eis alguns trechos (negritos acrescentados):
Por detrás deste pensamento, jaz a auto-limitação moderna da razão, expressa classicamente por Kant nas suas "Críticas", mas ao mesmo tempo, ainda mais radicalizada pelo impacto das ciências naturais. Este conceito moderno de razão é baseado, para o dizer brevemente, numa síntese entre Platonismo (Cartesianismo) e empiricismo, uma síntese confirmada pelo sucesso da tecnologia.
Por um lado pressupõe a estrutura matemática da matéria, a sua racionalidade intrínseca, que torna possível compreender como a matéria funciona e como a usar eficientemente: esta premissa básica é, por assim dizer, o elemento Platónico na compreensão moderna da natureza. Por outro lado, há uma capacidade da natureza para ser explorada para os nossos propósitos e aqui, apenas a possibilidade de verificação ou falsificação através da experimentação pode conduzir à certeza.
Em primeiro lugar, só o tipo de certeza que resulta da interacção entre elementos matemáticos e empíricos pode ser considerada científica. Algo que se reclame científico pode ser confrontado com este critério. Deste modo, as ciências humanas, como a história, a psicologia, a sociologia e a filosofia, tentam conformar-se com este canon de cientificidade.
Um segundo ponto, importante para as nossas reflexões, é que pela sua própria natureza este método exclui a questão de Deus, fazendo-a aparecer como não científica ou como uma questão pré-científica. Consequentemente, deparamo-nos com uma redução do alcance da ciência e da razão que precisa de ser questionada.
Mas devemos avançar: se a ciência como um todo é isto e isto só, então é o próprio homem que acaba sendo reduzido, porque as questões especificamente humanas acerca da sua origem e do seu destino, as questões levantadas pela religião e pela ética, não terão então lugar no conjunto dos objectos da razão colectiva como definida pela "ciência", assim compreendida, e devem, por conseguinte, ser relegadas para o domínio do subjectivo. O sujeito então decide, na base das suas experiências, aquilo que ele considera adequado em matérias de religião, e a "consciência" subjectiva torna-se o único árbitro do que é ou não ético. Deste modo, contudo, a ética e a religião perdem o seu poder de criar uma comunidade e tornam-se uma matéria completamente pessoal. Este é o perigoso estado de coisas da humanidade, tal como vemos a partir das perturbadoras patologias da religião e da razão que irrompem necessariamente quando a razão é de tal modo reduzida que as questões de religião e ética já não lhe dizem respeito.
Esta tentativa, a pinceladas largas, de uma crítica da razão moderna por dentro, que não tem nada a ver com recuar no tempo anterior ao Iluminismo ou rejeitar as conquistas da idade moderna. Os aspectos positivos da modernidade devem ser reconhecidos sem reservas: estamos todos gratos pelas maravilhosas possibilidades que foram abertas à humanidade e ao progresso que nos foi concedido.
A intenção aqui não é de entrincheiramento ou de criticismo negativo, mas de alargamento do nosso conceito de razão e da sua aplicação. Ao mesmo tempo que nos alegramos com as novas possibilidades que se abrem à humanidade, também vemos os perigos que decorrem destas possibilidades e devemos perguntarmo-nos como os poderemos ultrapassar.
Seremos bem sucedidos só se a razão e a fé se juntarem de uma forma nova, se ultrapassarmos a auto-imposta limitação da razão ao empiricamente verificável, e se uma vez mais libertarmos os seus vastos horizontes.
A razão científica moderna tem, muito simplesmente, que aceitar a estrutura racional da matéria e a correspondência entre o nosso espírito e as estruturas racionais prevalecentes na natureza como um dado, na qual a sua metodologia tem que ser fundada.