No filme Instinto Assassino, de George Romero, um rapaz tetraplégico recebe a ajuda de um macaco para os afazeres cotidianos. Seu irmão cientista desenvolve uma técnica que sintoniza as emoções do macaco às do próprio dono na tentativa de melhorar o desempenho dele e aliviar as angústias do deficiente. Mas o macaco torna-se uma espécie de id encarnado, vingativo e assassino, matando todos os seus desafetos. Sem poder controlar o bicho o rapaz percebe que suas emoções são o verdadeiro assassino e conclui que elas são o diabo.
No livro Como a mente funciona, do Steven Pinker, o autor apresenta a teoria de que as emoções são máquinas do fim do mundo cujo objetivo principal é mostrar (e induzir) aos outros que aquele indivíduo vai levar às últimas conseqüências os seus atos. Por isso as emoções são incontroláveis e se estampam na face indisfarçavelmente. Elas seqüestram a mente do sujeito e não permitem que a razão ou o bom-senso atuem. A raiva, o ciúme, a luxúria, elas moldam o rosto, tomam de assalto o corpo, solapam a inteligência.
Recentemente uma amiga minha teve uma crise de ciúmes. Fez-me rodar pela cidade atrás do namorado e nenhum argumento racional era capaz de convencê-la de que ele não a estava traindo, o que poderia ser percebido até por uma criança. Mas depois da briga, a fúria e o ciúme a dominaram. Lembrei-me d’O Túnel, do Sábato. Minha amiga vivia fechada num túnel, incapaz de ver o mundo lá fora com outros olhos que não fossem afunilamento e opressão. Pensei em mim mesmo tentando tomar posse de algumas mulheres – que sabiamente não permitiram. Ela vivia num inferno sofrendo os males de uma emoção incontrolável; escrava de si mesma, presa às correntes mais impossíveis de libertar. A miséria dela se tornou um pouco minha; a miséria dela, miséria de todos os homens e mulheres que arrastam seu corpo neste mundo. Depois de três horas de fúria e devaneios deixei-a em casa exausta.
Um pouco antes um rapaz matara outro a facadas. Isso causou muita surpresa, pois até então, era um sujeito pacífico com uma existência comum de trabalho e farras de juventude. Numa briga se excedeu. Relatou, mais tarde, que estava cego de raiva e não pensou um segundo sequer no que fazia. É muito provável. E é também a distância que separa o cidadão criminoso do não – a capacidade de controlar seus instintos e descontar o futuro (certamente para quem o tem).
Olhando os Homens por fora, vejo-os deuses. Mas quando dou para perceber seu interior, diabos obscuros vicejam. Mas como diria Nietzsche nada demais, nada além do humano, demasiado humano.