Autor Tópico: “Se Deus não existe, tudo é permitido”? (”Irmãos Karamazov”, Fiódor Dostoiévski)  (Lida 5422 vezes)

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Offline Zizou

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Saiu na Folha de São Paulo (23/12/2006)
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SIM

O mundo estilhaçado e a morte libertadora

por LUIZ FELIPE PONDÉ

“Se Deu não existe e a alma é mortal, tudo é permitido” é um enunciado profundamente racional. Não se trata do lamento de uma mente frágil. Os Karamazov são especialistas na pureza da razão teórica e prática. Movimentam-se em direção aos exageros da “função razão”: o objetivo é fundamentar o mundo pela sua decomposição e posterior reconstrução conceitual abstrata. Só que eles não encontram esse fundamento. Ao contrário, percebem a realidade despedaçada do mundo. O “tudo é permitido” emerge dos estilhaços do mundo.

A razão de Ivan Karamazov (muito próxima da que o ceticismo e a sofística conhecem) percebe a vacuidade de qualquer imperativo ético universal: o mundo é estilhaçado pela liberdade que a morte nos garante. Sem Deus, perde-se a forma absoluta do juízo moral: estamos sós no universo como animais ferozes que babam enquanto vagam pelo deserto e contemplam a solidão dos elementos. A morte, que devolverá a humanidade ao pó, é o fundamento último do nosso direito cósmico ao gozo do mal.

Esse ciclo nos liberta da única forma verdadeira de responsabilidade, a infinita. A moral é mera convenção e não está escrita na poeira das estrelas. O filósofo Karamazov descreve o impasse ético por excelência: por trás do blablablá socioconstrutivista do respeito ao “outro”, o niilismo ri da razão. Na crítica à teoria utilitarista do meio (social) em “Crime e Castigo”, Dostoiévski já apontara o caráter “científico” da revolução niilista fundamentada nas ciências sociais: se tudo é construído, toda desconstrução é racionalmente permitida. Além de desconstruir, sabemos construir? O homem pode ser a forma do homem?

A modernidade achou que sim. Kant pensou que, com seu risível imperativo categórico, nos salvaria, fundando a racionalidade pura da moral. Conseguiu apenas a exclusão cotidiana de toda forma de homem possível. A miserável ética utilitarista (a ética do mundo possível), síntese da alma prática que só calcula, busca na universal obsessão humana pelo prazer a fundamentação de uma ética para homens, cuja forma universal são os merceeiros ingleses (Marx). O humanismo rousseauniano apostou na educação para a felicidade e virou auto-ajuda.

Contra a fé em Kant e na economia, Dostoiévski descreve nos “Demônios” a trindade que funda o projeto do homem pelo homem: o jovem melancólico sem subjetividade (Nicolai, o existencialista elegante), o pai e professor preguiçoso e “sensível” (Stiépan, o amante das modas revolucionárias em educação, poesia e ciência) e o filho niilista cínico (Piotr, o patrono dos jacobinos, dos marxistas e dos cientistas da economia prática, esses burocratas da violência).

Entender esse enredo como desespero de uma alma religiosa é senso comum banal. A banalização é um dos modos corriqueiros de a modernidade lidar com o que não conhece (e ela conhece muito pouco de tudo, mas é tagarela e ama o superficial, como diria Tocqueville). A falácia comum é a suposição de que o intelecto teológico necessariamente teme o sofrimento. O único medo em Dostoiévski é aquele mesmo de Cervantes: “O medo tem muitos olhos e vê coisas no subsolo”. O erro de Nietzsche quando reduz a religião ao ressentimento se transformou em “papo cabeça”.

O argumento dos Karamazov é um diagnóstico, não uma oração pela salvação do homem: o sentimento real de que deslizamos aceleradamente sobre fina casca de gelo mortal é prova sublime do seu caráter profético. A história aqui nos basta. Dostoiévski anuncia a comédia trágica daqueles que deixaram de acreditar em Deus e, por isso mesmo, passaram a acreditar em qualquer reforma barata.

Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com Deus fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

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NÃO

Uma ética humana

por RENATO JANINE RIBEIRO

A FRASE , acima convertida em pergunta, é do século 19, mas a resposta “não” a ela somente se torna possível no século 18. Parece um paradoxo, mas me explico. Até o tempo das “Luzes”, a esmagadora maioria dos pensadores ocidentais concordaria com o enunciado devido a Dostoiévski, isto é, com a idéia de que o ateu é imoral. Quem não acredita no Criador não seria capaz de respeitar nenhuma regra ética.

Assim, por volta de 1650, o bispo anglicano John Bramhall, um dos críticos mais ásperos do inglês Thomas Hobbes (que, por sinal, não era ateu), acusa o filósofo de não crer em Deus: “Hobbes acaba com o céu”, diz ele, “e, pior: com o inferno”.

Gosto muito desse “pior”, que dá a chave do enigma. A acusação de ateísmo na verdade oculta o que realmente importa. O problema, para o fiel Bramhall, não é tanto se o céu existe. É que precisa haver um inferno, para que a multidão parva obedeça. Anos depois, quando o libertino conde Rochester agoniza, o pastor o convence, no leito de morte, a dizer-se arrependido. O conde não crê em Deus, mas é persuadido pelo argumento de que, se um grande do reino morrer sem os sacramentos, o populacho não será mais contido pelo medo do inferno.

Com as “Luzes”, isso muda. A idéia de que, para ser moral, seria preciso acreditar em Deus (isto é, no Deus que amedronta, que pune: o Deus do inferno) é contestada em nome de uma ética humana, que possa valer mesmo sem o medo do castigo eterno.

Talvez seja Kant quem deu o passo decisivo para tanto, quando formulou um princípio cujo legado pode ser assim simplificado: a cada ação que cometo, estou reconhecendo o direito (ou o dever) de todo ser humano a também cometê-la.

Isso -que em “kantês” significa cada ser humano se tornar legislador ético- implica que, se desobedeço aos sinais de trânsito, se procuro levar vantagem em tudo, confiro a todos os meus semelhantes os mesmos direitos. Ora, é óbvio que, assim, o convívio social seria impossível. Provavelmente, teremos vidas sórdidas, sofridas, cruéis e curtas se agirmos dessa maneira. Por conseguinte, a cada ação que eu pratique, devo refletir muito bem se quero autorizar todos os outros a praticá-la. Se sim, ótimo. Se não, devo rever minha posição.

A partir dessa teoria, que resumi em linguagem que já não é kantiana, fica possível uma ética somente dos humanos entre si. Não é mais imprescindível a Revelação, menos ainda a punição por toda a eternidade. O conteúdo dos mandamentos não depende mais de Deus. Pode ser constituído em nosso próprio mundo. A moral e a ética deixam de apelar a uma transcendência, ao poder do Altíssimo, e se constroem neste mundo imanente, o nosso, o único que conhecemos.

Não quer dizer que essa idéia de uma ética sem o medo a Deus se tenha tornado unanimidade. Muitos ainda acham que Deus é necessário para explicar o que é certo e errado (nós não seríamos capazes disso) ou para punir quem se desvie do bom caminho (idem, ibidem). Mas, se hoje a conduta ética dos ateus ou indiferentes não tem nada a dever à dos religiosos e sobretudo à dos intolerantes, é porque essa tese moderna de uma ética humana tem valor e validade.

É importante concluir com duas notas. A primeira é que uma ética assim inspirada em Kant (mas que altera algumas de suas teses) é capaz de evoluir. No século 18, possivelmente ela admitiria a pena de morte; hoje, provavelmente, não. Muitas questões ficam em aberto, como aborto e eutanásia. O crucial é a forma da escolha ética (que cada um seja desafiado a enunciar seus valores, sob a condição de reconhecê-los como universais ou, pelo menos, recíprocos), mais que um conteúdo fixado de vez por todas.

A segunda e curiosa conclusão é que uma ética assim humana não é necessariamente atéia. Posso ou não acreditar em Deus, mas eu ser ou não ético deixa de estar subordinado ao medo de um Deus assustador. Uns serão éticos, mesmo não acreditando n’Ele. Por sua vez, outros cultuarão um Deus da justiça e do amor, mais que da repressão e do castigo. A crença em Deus ganha, em vez de perder, quando Ele corta o vínculo preferencial com o inferno e o medo.
Juro que tentei entender o primeiro…mas não consegui :(
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Offline Spitfire

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Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com Deus fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

 :hein:

Acorda, Alice.


Eriol

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sou mais o primeiro texto (pese ao desconcertante uso de "alma" por todo ele)… concordo que a ética kantiana é risível…  Mas discordo veementemente da objeção que o autor poe ao utilitarismo… moral pra mim consiste em: maior distensão possível para o maior número de pessoas possível.

deveria estar em filosofia, não noticias.
« Última modificação: 27 de Dezembro de 2006, 07:23:48 por Eriol »

Offline Zizou

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deveria estar em filosofia, não noticias.
Para mim, tanto faz...moderação?
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Offline Hugo

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A resposta a pergunta é sim! Tudo é permitido, pois somos livres. Não há uma ser transcendente que puna ou dê recompensas.

Nossa ação estará baseada na NOSSA ética e na NOSSA lei, apenas.

Embora o Janine tenha respondido não, eu entendi sua resposta e gostei muito.

Essa frase - Se deus não existe, tudo é permitido - ficou imortalizada no personagem Ivan, do romance de Dostoievski "Os irmãos Karamanov". O Autor quis dizer uma coisa e o Nietzsche inverteu... fantástico.
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Eriol

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Offline FxF

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  • Yohohoho!
E se Deus existe há limitações? Quem diz que as limitações dele são válidas? Ele mesmo?
Se ele tem poder por ter nos criado, não podemos também ter controle absoluto sobre nossos descendentes? Mas se isso não ocorre pois o nosso meio de gerar a vida não está totalmente sob nossa manipulação, então não sabendo quem deu o poder de Deus para criar a vida este não cai na mesma?

Offline Hugo

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somos livres.

deveras crees nisso?

Estamos sós nesse universo... decidimos livremente... mesmo sendo escravos, decidimos sê-lo... a única coisa que não escolhemos foi nascer...(Sartre)

A nossa vida é possibilidades (Kierkegaard)... a angústia é a essência da decisão... decidimos nós mesmos... (Kierkegaard)

Mesmo coagidos, somos livres para decidir isso ou aquilo...
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Offline Dr. Manhattan

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Posso estar falando besteira, mas não entendo porque ainda se discute isso. Vejo essa hipótese da imoralidade dos ateus da seguinte maneira:
Hipótese: é preciso crer em deuses para sermos morais.
Portanto, apenas os crentes são morais.
Dado: existem ateus morais. Logo, a hipótese é falsa.

Nisso estou usando uma descrição, digamos assim, operacionalista: supondo que o julgamento de moralidade é feito levando-se em conta apenas as ações das pessoas, já que não podemos ler suas mentes. É bom lembrar também que, para a hipótese ser verdadeira, é preciso que todos os ateus sejam imorais. Ou seja, basta encontrarmos 1 (um) ateu que seja moral para que ela seja refutada. Se a maioria, mas não a totalidade, dos ateus fosse imoral, mesmo assim a hipótese seria falsa, pois o que importa é que ela supõe que a crença em deus é a única fonte da moralidade. Pelo menos é assim que entendo.
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Alan Watts

Offline Zizou

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Mesmo coagidos, somos livres para decidir isso ou aquilo…
Hugo, existe um ponto que a influência externa "ultrapassa" a capacidade de decisão?
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Offline N3RD

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Sim, somos livres.
Não deseje.

Eriol

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...para pensar e agir dentro dos padrões de idéias e comportamentos aprendidos

Offline N3RD

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…para pensar e agir dentro dos padrões de idéias e comportamentos aprendidos

Não. Livre pra tudo, mas toda ação gera uma reação.

Ex: se você quiser sair por ai matando todo mundo você pode mas as outras pessoas não vão ficar só olhando vão te matar ou prender.
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Offline Fabulous

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…para pensar e agir dentro dos padrões de idéias e comportamentos aprendidos

Não. Livre pra tudo, mas toda ação gera uma reação.

Ex: se você quiser sair por ai matando todo mundo você pode mas as outras pessoas não vão ficar só olhando vão te matar ou prender.

Boa resposta.
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Offline N3RD

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ta me zuando né ? -.-
Não deseje.

Eriol

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Que os sistemas legais e os de valores limitam a capacidade de ação de um indivíduo é óbvio, mas não me referia à isso (essa coação em psicologia se chama reforço negativo) . Mas uma coisa é ter a possibilidade de agir, outra é ação que você inexoravelmente tomaria. Temos uma ilusão de ser livres, a qual é muito confortante, mas não passa de uma ilusão.

Por exemplo, eu tenho uma caixa de fósforos na mão. Lógica e lingüisticamente, eu posso manter-la ali ou soltar-la. Eu "sinto" que tenho a liberdade de escolher. Mas realmente, eu tomaria uma das duas ações, por causa de fatores determinantes cuja relação as vezes pode ser tênue, mas a tomaria.

Offline Hugo

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Mesmo coagidos, somos livres para decidir isso ou aquilo…
Hugo, existe um ponto que a influência externa "ultrapassa" a capacidade de decisão?

Para os existencialistas, não.

A subjetividade é a verdade (Kierkegaard). Ninguém decide por nós.

Sabemos das influências do meio externo, porém a decisão é subjetiva, de cada um. A prova: as  propagandas televisivas seriam infalíveis.

« Última modificação: 29 de Dezembro de 2006, 10:19:59 por Hugo »
"O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião". (Thomas Hobbes, Leviatã)

Offline Hugo

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. Mas uma coisa é ter a possibilidade de agir, outra é ação que você inexoravelmente tomaria. Temos uma ilusão de ser livres, a qual é muito confortante, mas não passa de uma ilusão.

Essa liberdade que voce esta se referindo não é a do conceito filosófico e sim político. Neste caso concordo com voce.

A questão da liberdade - a que está sendo posta por Dostoievski - é filosófica e por isso, mais profunda,… não relativa, mas absoluta… voce não foge, está em voce, pois é pura subjetividade…

Ora, quando Nietzsche "matou" deus, foi para dizer que nós somos agentes determinantes do nosso "destino". Para Sartre, somos responsáveis não só por nós mesmos, mas por toda a humanidade.

A liberdade posta não é a que pode ou não decidir e sim a que TEM que decidir.

E se eu TENHO que decidir, é por que posso e se posso, sou livre.

 
« Última modificação: 29 de Dezembro de 2006, 10:22:21 por Hugo »
"O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião". (Thomas Hobbes, Leviatã)

Eriol

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ok :)

Offline ZeratuL

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. Mas uma coisa é ter a possibilidade de agir, outra é ação que você inexoravelmente tomaria. Temos uma ilusão de ser livres, a qual é muito confortante, mas não passa de uma ilusão.

Essa liberdade que voce esta se referindo não é a do conceito filosófico e sim político. Neste caso concordo com voce.

A questão da liberdade - a que está sendo posta por Dostoievski - é filosófica e por isso, mais profunda,… não relativa, mas absoluta… voce não foge, está em voce, pois é pura subjetividade…

Ora, quando Nietzsche "matou" deus, foi para dizer que nós somos agentes determinantes do nosso "destino". Para Sartre, somos responsáveis não só por nós mesmos, mas por toda a humanidade.

A liberdade posta não é a que pode ou não decidir e sim a que TEM que decidir.

E se eu TENHO que decidir, é por que posso e se posso, sou livre.

 

O Eu teria que ser definido e discutido para dar continuidade a essas 'deducoes'.

Offline Luiz Souto

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O seguinte artigo foi publicado na minha coluna na Folha de São Paulo, sábado passado, 21 de Abril de 2007:
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A TESE DE IVAN KARAMAZOV
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Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar a ética

VOLTA E meia alguém traz novamente à tona a famosa tese de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Acho que muita gente acredita piamente nela e atribui à irreligiosidade da população a constante e inquietante alta dos índices de criminalidade. Será talvez com a intenção de baixar esses índices que os donos ou editores das revistas brasileiras de circulação nacional raramente deixam passar uma semana sem que, ao menos numa das suas revistas, façam propaganda, numa reportagem de capa, da fé e da religiosidade dos brasileiros.

Ora, a tese do personagem de Ivan não resiste a um simples experimento de pensamento. Suponha que me apareça Deus e me ordene matar o meu filho (ou mãe, ou pai, ou irmão, ou amante, ou amigo). Que faria eu? Ponha-se o leitor na minha pele. Não tenho dúvida de que a minha primeira reação -a primeira reação de qualquer pessoa que não tivesse perdido o juízo- seria duvidar do que parecia estar vendo e ouvindo. Eu me beliscaria, para saber se não estava sonhando; suspeitaria estar tendo um surto de loucura, um delírio etc.

Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo. E não poderia estar acontecendo por duas razões: primeiro, porque Deus não costuma aparecer, pelo menos hoje em dia. Quando alguém diz que conversou com Deus -ainda que quem o diga seja o presidente dos Estados Unidos-, suspeita-se imediatamente da sua sanidade mental. De todo modo, eu não obedeceria.

Mas a segunda razão é ainda mais séria. É que, se isso estivesse realmente acontecendo, então Deus me estaria mandando fazer uma coisa má: uma coisa inteiramente, indiscutivelmente, inapelavelmente errada. Ora, não posso contemplar tal hipótese. Logo, isso não poderia estar acontecendo. Eu pensaria antes que, ou não havia ninguém ali, e eu estava simplesmente a delirar, ou havia alguém de fato ali, mas se tratava de um impostor -talvez até de um demônio-, mas não de Deus, pois seria impensável que Deus me mandasse fazer uma coisa errada: e que coisa poderia ser mais errada do que aquela? Em suma, eu não obedeceria.

Mas levemos a coisa ainda mais longe. Suponhamos que, por alguma razão inconcebível, fosse incontornável a evidência de que ali se encontrava Deus. Ouso dizer que, ainda assim, eu não mataria meu filho ou amigo: eu não mataria sequer um estranho. Por quê? Porque seria errado. E seria errado, não por causa dos mandamentos que o próprio Deus decretara, uma vez que, naquele instante, Ele mesmo os estaria revogando, mas simplesmente porque, independentemente de qualquer mandamento, é errado matar uma pessoa. É, portanto, errado matar uma pessoa, ainda que Deus não exista. Logo, ao contrário do que afirma a tese do personagem de Dostoiévski, nem tudo é permitido, ainda que Deus não exista.

O leitor terá sem dúvida lembrado que, na Bíblia (Gn 22), Abraão se encontrou na situação em que me imaginei no experimento de pensamento. Com efeito, Deus pôs Abraão à prova, ordenando-lhe que matasse o seu filho primogênito. Ao contrário de mim (e do leitor que se pôs na minha pele), Abraão se dispôs a obedecer e, quando já havia pegado a faca para sacrificar seu filho, foi impedido por um anjo, enviado por Deus.

Como se sabe, foi sobre esse episódio que Kierkegaard escreveu as páginas impressionantes de "Temor e Tremor". Nelas, ele mostra que, do ponto de vista puramente ético, não se justificaria a prontidão de Abraão. Só a fé -superior, segundo Kierkegaard, à ética, por constituir uma relação individual e absoluta com Deus- justifica a atitude de Abraão. Desse modo, graças à religião, a esfera da ética é relativizada pela da fé.

Sendo assim, devemos inverter a tese de Ivan Karamazov: não só não é verdade que, se Deus não existe, tudo é permitido -já que, como vimos, não é permitido matar-, mas, ao contrário, é se Deus existir que tudo é permitido.

Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar e, no limite, negar a ética. Isso lembra as palavras do físico norte-americano Steven Weinberg, detentor do Prêmio Nobel de Física: "Com ou sem religião, as pessoas bem-intencionadas farão o bem e as pessoas mal-intencionadas farão o mal; mas, para que as pessoas bem-intencionadas façam o mal, é preciso religião".
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

Conheça a seção em português do Marxists Internet Archive

Offline Lordakner

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Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com Deus fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

 :hein:

Acorda, Alice.



2.
com um adendo:
Bobagem tamanha é pra se guardar e utilizar no tópico das bobagens que vc já ouviu de um religioso!
A palavra superego diz alguma coisa?
“Ante a imagem de Augusto César Sandino e Ernesto Che Guevara, ante a recordação dos heróis e mártires da Nicarágua, da América Latina e de toda a humanidade, ante a história, coloco minha mão sobre a bandeira vermelha e negra, o que significa Pátria Livre ou Morrer."

Offline Dr. Manhattan

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Heh, vamos ver se consigo reexpressar o argumento do teísta de forma mais clara:

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Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com Papai Noel fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

ou

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Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com O Unicórnio Cor-de-Rosa Invisível fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

ou

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Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com O Monstro de Espaguete Voador fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza.

É... Faz sentido!
:hihi:
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Alan Watts

Offline Lordakner

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Tolo,

   Esquecestes os Elefantes Rosa Orbitantes de Saturno!
“Ante a imagem de Augusto César Sandino e Ernesto Che Guevara, ante a recordação dos heróis e mártires da Nicarágua, da América Latina e de toda a humanidade, ante a história, coloco minha mão sobre a bandeira vermelha e negra, o que significa Pátria Livre ou Morrer."

Offline Dr. Manhattan

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Perdao!!! Prometo nunca mais esquecer as santidades paquidermes saturnianas!


Vou fazer uma penitência agora.*


*Traduçao: vou tomar o cafezinho do departamento... sem açúcar!
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