ou não. hehehe
Um argumento a favor da zona de livre comércio transatlântica
Gabor Steingart
Empresários asiáticos são provavelmente os conquistadores mais amistosos que o mundo já viu. Mas apesar de sua polidez e sorrisos, os governos ocidentais devem agir rapidamente para combater a ascensão da China e da Ásia. O Ocidente deve discutir um projeto ambicioso: uma zona de livre comércio euro-americana.
Por 50 anos ela foi considerada uma instituição altamente controvertida. Mas atualmente, toda criança na escola sabe que sem a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Europa livre não existiria. Se a aliança ocidental não tivesse demonstrado ostensivamente seu poder - com seus caças, divisões de tanques e armamento atualizado continuamente - o comunismo soviético teria se expandido para o oeste em vez de implodido como aconteceu. No final da Guerra Fria, mesmo os maiores críticos da Otan tinham aprendido a lição: a pomba da paz só conseguiu sobreviver porque o falcão estava pronto em seu poleiro.
A guerra mundial pela riqueza pede uma solução diferente, mas igualmente contraditória. A propósito, novamente muitos carecem de imaginação para ver que as metas de nossos adversários econômicos estão longe de ser pacíficas. Mas o que difere esta situação daquela que costumamos chamar de conflito - o que paralisa o Ocidente - é quão discretamente o inimigo está avançando.
Os dois campos estão divididos entre a Europa e os Estados Unidos de um lado e a Ásia do outro. Mas até o momento não houve bate-boca, confusão ou disparos. Nem quaisquer ameaças, exigências ou acusações. Pelo contrário, há um clima de total cordialidade sempre que nossos políticos e empresários viajam para a Ásia. Nos aeroportos em Pequim, Jacarta, Cingapura e Nova Déli, os tapetes vermelhos estão de prontidão, hinos nacionais ocidentais são executados impecavelmente - e até mesmo se defendem das queixas ocidentais sobre roubo de propriedade intelectual, danos ao meio ambiente e violações de direitos humanos com uma paciência polida que só pode ser admirada. Os asiáticos são os conquistadores mais amistosos que o mundo já viu.
Uma superpotência estóica e sombria
O segredo deles é a perseverança estóica, a arma que usam para perseguir seus próprios interesses enquanto ao mesmo tempo desconsideram os nossos. O que parece uma economia de mercado na Ásia na verdade segue as regras de um tipo de sociedade que o ex-chanceler alemão Ludwig Erhard gostava de chamar de "Estado cupim". No Estado cupim, é o coletivo e não o indivíduo que estabelece a agenda. Tarefas que servem às metas dos líderes da sociedade são designadas ao indivíduo de forma clandestina, mal perceptível aos forasteiros. É um Estado que encoraja o comportamento coletivo o máximo possível, mas apenas a liberdade necessária. Nós não sabemos o que sentem, não sabemos o que pensam e não temos como adivinhar o que estão planejando. De fato, isto é o que torna a China uma superpotência sombria.
Mesmo que ninguém esteja preparado para dizer isto abertamente, há sinais de uma indiferença semelhante aos valores ocidentais por toda a Ásia. Mas é precisamente o que não é dito que separa os dois mundos. Sindicatos trabalhistas livres não são desprezados nem permitidos. O meio ambiente é tratado da boca para fora como algo que deve ser protegido, mas ao mesmo tempo é destruído como um carro em um compactador de sucata. O trabalho infantil é condenado ao mesmo tempo em que é ativamente tolerado. E uma grande quantidade de leis existe para proteger a propriedade intelectual ocidental, mas tais regras raramente são aplicadas.
A elite asiática se esquiva polidamente de tudo o que importa para nós - a estrutura social que cerca o trabalho diário, a idéia de realização individual e concorrência justa garantida pelo Estado. O que vemos como características essenciais de uma sociedade civilizada, eles vêem como nada mais que refinamentos burgueses.
O Estado (Índia) ou o partido (China) é responsável pelo estabelecimento de preços, promoção de tecnologia, assegurar o fornecimento de matéria-prima, proteger as indústrias e fornecer o impulso para todo tipo de atividade política ou econômica. Como o Ocidente, as sociedades asiáticas também operam com um certo toma lá dá cá. Mas a diferença aqui é que o Estado ou partido, e não o indivíduo, determina o que deve ser tomado ou dado. O imenso sucesso de suas indústrias de exportação é visto como prova de que o modo deles é o certo.
Com cada máquina, o Ocidente vende parte de sua alma
Os americanos e europeus poderiam, é claro, responder tolerantemente a esta visão diferente de como um país deve ser conduzido - se o livre comércio não resultasse em severos efeitos colaterais para o Ocidente. Mas a realidade é que, onde não há árbitro para assegurar que todos joguem pelas mesmas regras, o Ocidente é encorajado, às vezes até mesmo forçado, a tornar sua própria sociedade um local mais hostil. Para evitar a perda de negócios para países com salários mais baixos, os conselhos de trabalhadores são domados, regras de proteção ambiental são afrouxadas e a responsabilidade pelo bem-estar social é gradualmente devolvida às famílias e indivíduos.
O Ocidente acredita que está vendendo máquinas, carros e aviões. Mas como parte do negócio, também está vendendo sua alma. É como se políticos e empresas estivessem cometendo suicídio para escapar do medo da morte.
Mas o Ocidente deve ter mais confiança em si mesmo. Conclusões passadas são um conceito desconhecido na história e é totalmente possível encontrar uma solução. Ou, no mínimo, aliviar nossos problemas.
O papel exercido pela Otan em uma época de ameaça militar poderia ser exercido por uma zona de livre comércio transatlântica na era atual de confrontação econômica. As duas zonas econômicas - a União Européia e os Estados Unidos (talvez com a adição do Canadá) - poderia conter o encolhimento do poder de mercado ocidental com a união de forças. Juntos, europeus e americanos ainda são uma força a ser respeitada. Representando cerca de 13% da população mundial total e 60% do poder econômico global total, eles estariam prontos para agir como produtores e consumidores não apenas de bens, mas também de valores.
Há poucos motivos para se opor aos americanos
Há três motivos para a idéia ser particularmente atraente, e a primeira é política. Tal cooperação aproximaria novamente americanos e europeus. A tentação infantil de fazer uns aos outros perderem pontos - algo perigoso diante do desafio asiático - seria removida. E apesar de haver uma abundância de motivos para se opor ao presidente americano George W. Bush, há poucas razões para ser contra os Estados Unidos. Do ponto de vista econômico, há muitas razões tangíveis para fazer sentido trabalhar junto com a principal potência ocidental.
A aliança militar que foi forjada na Guerra Fria poderia ser transferida para a guerra econômica mundial. A meta de manter a liberdade e aumentar a prosperidade permaneceria - apenas os métodos para atingir tais metas mudariam. Uma zona de livre comércio inevitavelmente levaria a uma convergência dos dois sistemas econômicos. A Europa se tornaria mais americanizada e os Estados Unidos se tornariam mais europeizados, apesar de que em um processo lento, que levaria décadas.
Os países que removessem todas as barreiras comerciais e unificassem os padrões contábeis, normas técnicas, leis de direitos autorais e práticas do mercado de ações também assegurariam o não desmanche de suas políticas financeira, social, tributária e ambiental. Os governos teriam mais espaço para manobra, assim como maiores oportunidades e responsabilidades.
A segunda maior vantagem é econômica. Um mercado doméstico tão confiável e tão grande quanto uma zona de livre comércio UE-EUA seria vantajosa tanto para investidores quanto trabalhadores. O crescimento econômico seria alimentado, apesar de não drasticamente. Mas o investimento cria empregos. O Ocidente poderia pelo menos reconquistar parte do que perdeu. Ele ao menos reconquistaria o poder de estabelecer normas técnicas - mesmo que isto signifique, na economia global, que seja mais uma questão de promover padrões do que realmente "estabelecê-los".
O efeito mais imponente de tal megafusão de mercados seria sem dúvida sentido no Extremo Oriente. A região que experimentou um boom na última década e meia certamente se levantaria e prestaria atenção. A nova mensagem seria esta: o preço de um produto ainda é importante, mas a forma como é produzido é igualmente relevante. Os países que se recusarem a tolerar sindicatos - ou que explorarem mulheres, crianças e o meio ambiente, só para citar algumas questões - não mais receberiam tratamento alfandegário preferencial.
Liberdade por dentro, uma fortaleza por fora
O atual comportamento da Ásia poderia ser pela primeira vez uma desvantagem. Dentro, uma zona de livre comércio daria coragem aos seus moradores, mas por fora, serviria como uma fortaleza - pelo menos para aqueles que conscientemente rejeitarem, ou mesmo denegrirem, os valores ocidentais. Isto retificaria um erro da União Européia: até agora, ela tem sido servil em relação aos inimigos da liberdade. Ao permitir a quase todo Estado o direito às mesmas condições, a União Européia tem em grande parte destruído a vantagem de ser membro. Os comissários europeus são os últimos crentes na religião do livre comércio.
Uma zona de livre comércio transatlântica teria metas maiores do que defender os interesses de importadores e exportadores. "Paz na Liberdade" sempre foi o lema da Otan. "Prosperidade com Valores" poderia ser a meta da zona de livre comércio transatlântica. Um destes valores poderia ser a meta de que esta prosperidade chegue ao máximo de pessoas possível.
A noção de um Ocidente confiante e forte também é importante para a chanceler alemã Angela Merkel. Nos raros momentos em que Merkel é capaz de olhar além da amolação cotidiana da vida política e ver o quadro maior, é a zona de livre comércio transatlântica que chama sua atenção. Ela a vê como uma fusão de mentalidades semelhantes. No mínimo, ela combateria a estratégia asiática de colocar europeus e americanos uns contra os outros. De fato, a futura presidência alemã da UE nos primeiros seis meses de 2007 se apresenta como uma plataforma conveniente para promover aquele que poderia ser o projeto do século. Merkel fala de uma "idéia fascinante".
Mas quando Merkel fala sobre uma zona de livre comércio, ela não pensa exclusivamente em economia. É verdade que os benefícios mais transparentes para as empresas, como a remoção das barreiras alfandegárias e abolição da burocracia, são mais fáceis de ser medidos em dólares e centavos. Mas há outra vantagem invisível - uma que influencia a paisagem do poder mesmo que não apareça nos livros contábeis. Merkel fala de "valores não materiais" que poderiam ser preservados e de fato fortalecidos pela zona de livre comércio.
Por anos e anos, o medo da globalização preocupa governos de virtualmente todas as capitais ocidentais - e uma aliança de democracias e economias de mercado em volta do Atlântico Norte poderia fazer um bem tremendo a todos. Também reenergizaria o Ocidente.
Os pecados do crescimento
A história de um Ocidente bem fortificado nos ensinou que aqueles que defendem seus valores também os disseminam. O princípio do comércio justo também poderia ser disseminado no Extremo Oriente da mesma forma que a Conferência de Helsinki de 1975 provocou um processo que no final beneficiou os direitos humanos em todo o bloco oriental. A Ásia tem o direito de ser bem-sucedida. Mas o Ocidente também tem o direito de preservar suas próprias realizações.
Será que uma zona de livre comércio Ocidental realmente poderia impedir a predominância da Ásia? Claramente não. Nem é esta a meta. Mas poderia ajudar a reduzir a inclinação da decolagem da Ásia e impedir nossos planos de vôo de se cruzarem com muita freqüência.
Mas isto não soa defensivo demais? Vale a pena a energia necessária para criar uma zona de livre comércio transatlântica? Certamente. Um avião pode decolar de formas diferentes: há a corrente ascendente violenta que cria turbulência em terra e há a forma mais branda de vento quente que também pode erguer outros consigo. Esta decolagem pode não ser tão inclinada e nem tão rápida, mas é menos destrutiva. Sim, o crescimento global desaceleraria. Mas isto não seria tão trágico quanto muitos pensam. O crescimento dos últimos poucos anos é impossível de ser desfrutado por causa dos muitos pecados cometidos ao longo do caminho, tanto na Ásia quanto no Ocidente. Além disso, foi comprado com dinheiro de outras pessoas - por meio de endividamento pesado e dinheiro de futuras gerações.
A criação de uma zona de livre comércio transatlântica também enviaria uma forte mensagem política: veja, ela diria, nações que pensam igual estão se unindo. As nações que deram à luz o Iluminismo estão dedicadas ao direito de liberdade do indivíduo, mas não às custas do coletivo. A liderança mundial poderia acabar em outras mãos, mas não nos manteríamos complacentes enquanto isto acontece. Os asiáticos ainda precisam mais de nós do que nós deles: eles anseiam pelo capital e conhecimento tecnológico ocidentais. E sem os mercados ocidentais, a indústria exportadora asiática logo se desfaria.
Ninguém menos que Henry Kissinger, o padrinho da política externa americana moderna, está encorajando os líderes dos governos ocidentais a darem passos na direção de tal zona de livre comércio. A enormidade da tarefa não deve servir como dissuasor. Afinal, o dever dos governos, diz Kissinger, é conduzir as sociedades de onde atualmente estão para locais onde nunca estiveram.