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A competição entre neurônios
« Online: 12 de Maio de 2005, 00:31:22 »
A competição entre neurônios, artigo de Fernando Reinach  
   
Na construção do nosso sistema nervoso a competição entre os neurônios parece ter papel fundamental

Fernando Reinach (fernando@reinach.com) é biólogo, professor titular do Instituto de Química da USP e diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios. Artigo publicado em ‘O Estado de SP’:

Minha educação levemente católica e ligeiramente esquerdista sempre pregou a superioridade da colaboração sobre a competição.

Enquanto a competição surgia entre colegas ou nos livros de História era fácil culpar o atraso da sociedade.

Mas qual não foi minha surpresa ao aprender com Darwin que a competição entre membros de uma mesma espécie e entre populações de diferentes espécies é um dos motores da evolução.

A embriologia foi um consolo. Parecia que um conjunto enorme de células colaborava intensamente para construir uma criança a partir do óvulo fecundado.

Se a colaboração tinha seu lugar na biologia, talvez prosperasse na sociedade. Agora veio o golpe fatal: na construção do nosso sistema nervoso a competição entre os neurônios parece ter papel fundamental.

Durante a formação do olho, os neurônios da retina emitem longos filamentos, chamados de axônios, que crescem em direção ao cérebro e vão se conectar aos neurônios do córtex visual.

Esses axônios transportam a informação visual para ser processada no córtex e apresentada à consciência.

Um dos problemas da embriologia é entender como esses neurônios acham seus parceiros no cérebro e como conseguem formar os circuitos necessários para estabelecer a visão.

O que foi descoberto é que os neurônios que crescem em direção ao córtex cerebral competem entre si para conquistar seus parceiros no córtex.

Na medida em que crescem, os neurônios da retina são muito ativos e emitem sinais elétricos constantemente.

Os cientistas conseguiram introduzir em uma pequena fração da população de neurônios um gene que diminui sua atividade elétrica.

Para isto utilizaram um vírus modificado que injeta o gene que ‘acalma’ os neurônios juntamente com um segundo gene que permite identificar os neurônios modificados com um microscópio.

O resultado é que os neurônios ‘calmos’, que apresentam menor atividade elétrica, fazem menos conexões com as células do córtex cerebral.

Para verificar se o gene que diminuía a atividade elétrica não estava simplesmente destruindo a capacidade dos neurônios de localizar seus parceiros e fazer as conexões necessárias, os cientistas colocaram o gene que diminui a atividade elétrica em todos os neurônios da retina, reduzindo a atividade elétrica de toda a população e restaurando um ambiente de competição entre iguais.

O resultado confirmou a hipótese da competição.

Quando todos tinham a atividade elétrica reduzida, todos formavam um número parecido de ligações com seus parceiros no cérebro.

Parece que o que garante que um neurônio apresente um número maior de conexões não é sua atividade elétrica absoluta, mas sua maior atividade quando comparada com a do seu vizinho. Nada muito diferente de um bando de cachorros atrás de uma cadela no cio.

As maneiras como os neurônios da retina identificam seus parceiros no córtex cerebral lembra mais torcedores de futebol se acotovelando para tomar seus lugares na geral do que um grupo de convidados procurando, entre as mesas de uma festa de gala, seu nome nas placas colocadas sobre os pratos.

Mais informações em ‘Regulation of axon growth in vivo by activity-based competition’, na revista ‘Nature’, volume 434, pág. 1022, 2005.
(O Estado de SP, 11/5)
"Conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la, e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela" Confúcio

 

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